“ N A S C E R D E N O V O . “
Comenta-se com freqüência nas rodas filosóficas do lado de cá, muitas vezes em discussões saudáveis e acaloradas, entre alunos de diversas escolas do pensamento, sobre o encontro de Jesus com Nicodemos.
Nicodemos, sacerdote muito conceituado em Israel, famoso pela agudeza de seu raciocínio, adestrado em longas noites de estudos, em que se debruçava sob alfarrábios seculares, vendo Jesus, o Mestre nazareno, não se conteve.
Aproximou-se do Mestre cristão, não sem antes comparar-se em estatura, pois o Rabi encontrava-se posto de pé junto do átrio do templo principal de Jerusalém, no momento em que este respondia as diversas questões que lhE dirigiam os pensadores livres do seu tempo, e argüiu com tom jocoso:
- Jesus nazareno! Dizes que não vê o Reino de Deus aquele que não nascer de novo. – e completou a pergunta lançando um olhar de infantil desdém aos ouvintes presentes - Como pode o homem morrer e voltar ao ventre de sua mãe?!
Jesus de Nazaré, com sua peculiar serenidade,voltou sua aureolada cabeça para o interlocutor; e ao divisar o autor daquela pergunta singular, dirigiu o magnetismo do seu olhar para o ancião, e redargüiu:
- Nicodemos, tu és mestre em Israel, e ignoras estas coisas? E se não entendeis quando falo das leis mais simples da evolução do homem na terra, como havereis vós, de entender, quando eu falar das coisas mais complexas do espírito?!
Todos os presentes procuraram ver a reação de Nicodemos, que emudecido, continuava a medir do alto de seu orgulho a figura majestosa de Jesus.
- Em verdade vos digo, que não vê o reino de Deus aquele que não nascer de novo! – sentenciou Jesus. - Privilegiando á todos com seu luminoso e raro sorriso, e, apontando o dedo indicador para o alto, arrematou:
- E o homem novo já não é mais o fruto da paixão da carne, por que renasceu do fogo do espírito que é imortal. É uma chama ardente que se expande e se eleva até ao seio do Criador, e Nele faz a oferenda de sua vida. Quando o homem estuda com a sua mente as escrituras sagradas, mas não as compreende com seu coração; é como a cerejeira que está suculenta por fora, mas oca por dentro. Não tardará em que as pragas, dela façam morada.
-Aquele que se ufana por muito conhecer, achando que por muito já ter estudado, se perde em distancia dos seus semelhantes, por vaidade e orgulho; mais se assemelha ao cego, que mesmo depois de lhe ser restituída a visão, continua a fazer uso da bengala!
Deus é grande na Sua humildade e humilde na Sua grandeza, e assim permanecerá para vós, em Sua misteriosa impermanência.
Como podeis vós, homens de ciência, beber a água na fonte sagrada da vida e não perceberdes a origem de sua pureza cristalina?
Quem vos dá o direito de tripudiar sobre os vossos irmãos mais pequeninos? De onde poderá vir tamanha pretensão, de vos achardes uns melhores que outros, quando a vós foi dito que Deus fez o homem á Sua imagem e semelhança? Somente em um coração divorciado do amor que Eu vos trago, é que poderá germinar uma tal arrogância!
Não verá o Reino de Deus o homem que não nascer de novo, pois o homem novo, com sua nova visão, buscará necessidades novas e desprezará os velhos hábitos. O homem novo pede perdão e não torna a pecar. Não ofende mais a natureza de Deus, pois compreendeu que assim como é em cima, também o é embaixo; assim como no céu, também na terra, e na própria natureza de seu ser. Aquele que nasce duas vezes venceu seus velhos costumes, e quando vai as bodas já não veste as roupas velhas.
O que nasceu de novo ignora as ofensas, assim como uma estátua permanece indiferente aos elogios! Pratica as boas obras e, esquecido de si mesmo, tudo faz para contentar aos seus irmãos. E nele já não há diferenças. Nem de castas, nem de nacionalidade, nem de religião, por que em seu coração vibra apenas uma sinfonia, que canta a única canção que o cosmos conhece no concerto do universo: a canção do amor!
Em verdade vos digo: Todo aquele que nasce de novo e percebe as luzes do reino, é humilhado diante dos tronos da terra. Porém, o Reino de Nosso Pai não é deste mundo! O sapo sente-se muito melhor no brejo, mas um jardim florido é o paraíso do beija-flor!
Se algum dentre vós mereceu a outorga de filho de Deus, é mais por vossa nulidade do que por vossa exaltação. Porque os que se exaltarem serão humilhados, e os que se humilharem serão exaltados!
Eis aí as premissas do homem novo, que faz do seu trabalho a sua bíblia; do seu coração o seu templo, e do seu amor a sua igreja, e fortalece a sua fé no trabalho de caridade, pois não há fé maior que esta, de agradar a Deus favorecendo aos seus irmãos. Este é o homem que nasceu de novo em Meu conceito, mesmo depois de já nascido ele voltou a enxergar, pois vê com os olhos do espírito e tem a sede de seus sentimentos na alma.
Aquele que nasce de novo, pariu a si mesmo e sentiu as dores do parto. Por que sabeis que estreita é a porta que vos conduz ao Reino, e ninguém vence este mundo se não sofrer, se não atravessar sozinho a hora amaríssima de seu próprio calvário.
As ilusões do mundo vos atraem como a voz de uma virgem, implorando os prazeres da carne, oferecendo os mais secretos perfumes e delírios inconfessáveis. Depois de saciada, despreza-vos sem nenhuma cerimônia, abandonando-vos ao silêncio de uma doença, ou as asquerosidades de umas chagas. É a única lembrança que tereis dos vossos sonhos desfeitos na mocidade.
Em verdade, em verdade vos digo; que valor tem a vida humana, consumida entre asquerosos prazeres e desejos animalizados, para depois desaparecer por entre as pedras e os musgos de um túmulo esquecido?
E se vos digo todas estas coisas é por que Eu Sou duas vezes nascido e sei o caminho que estou trilhando. Á ninguém é dado ensinar caminhos que não tenha trilhado, nem falar das coisas que não tenha conhecido.
Ensinar sem ter compreendido, é assemelhar-se a dois homens cegos apalpando um camelo. Cada um fará uma idéia diferente enquanto que o animal permanecerá o mesmo.
Jesus silenciou...
Seus olhos penetravam profundamente o boquiaberto Nicodemos, que até ali permanecera em silêncio.
Uma aragem fresca minimizou o calor sufocante do Oriente, espalhando-se pelo salão do templo israelita, bafejando com uma brisa suave os rostos amorenados dos filhos do deserto.
Nicodemos parecia despertar de um sono, quando Jesus fez menção de se afastar, indo juntamente com seus apóstolos ao seu lugar predileto de silêncio e de oração.
Acompanhou com seu olhar a meiga silhueta de Jesus, se distanciando á luz do sol poente, e soliloquiou de si para si:
- Sou mestre em Israel e doutor da lei, mas hosanas a Ti Jesus, pois eu ainda não sou digno da tua escola...
Página inspirada através de Premanandâchâryâ (Espírito)
Médium: Gandhara
Paz profunda!