Seja feita a tua vontade - Hermógenes

[Fadinha do Bem]

Entrego-me a teus cuidados e a teu amor, meu Deus.
Entrego-me de tal modo que renuncio o ser consigo supor que sou, a fim de poder merecer a glória de definitivamente tornar-me Tu.
Dou-me a Ti no que penso, no que sinto, no que faço, no que falo.
Se és a brisa da beatitude, que vivifica toda criação, quero tornar-me leve como uma sementinha esvoaçante para, assim, ser levado para onde Tu quiseres.
Sou feliz por a Lei infalível e sábia, que me assiste e me mantém.
Confio em mim e no discernimento que tenho, mas materialmente sou limitado e posso enganar-me nas opções e planos que para mim faço.
Confio-me, por isso, à Onisciência que És.
Sou forte, mas até quando e quanto aceite Teu poder onipresente e onipotente atuar em mim e através de mim.
Se vier a perder um pedaço e meu corpo ou a saúde, ou algum dinheiro, mesmo assim não me desespero pois dia e noite sou teu, que cuidas de mim, que me abasteces, que me defendes, que me corriges, que me levas contigo, que curas minhas feridas, que preenches meus vazios ...


Quando envolvidos por uma situação de estresse violento, de desafio alarmante, assaltados pela dor em forma de doença, desemprego, desconforto, quando imersos numa crise que ultrapassa nossas esperanças de solução, é natural mobilizar todos nossos talentos, forças, armas, possibilidades, nossas reservas,... a fim de tentar uma saída, uma superação. Depois disto, se ainda nos vemos aprisionados, manietados, derrotados, extenuados, vencidos, aterrorizados, condenados... que resta fazer?

Para situações que me convencem de minha impotência, tenho aplicado, com vitória, uma estratégia que minha longa existência me fez aprender - entrego o problema ou entregar-me eu, confiando na providência divina, e, portanto, predisposto a aceitar o que vier como resposta, e, numa prova de amor e fé, agradeço a Deus, antecipadamente, pelo que Ele achar de me dar, seja o que for, Digo para Deus e para mim mesmo - Entrego, confio, aceito e agradeço!

A entrega não chega a ser verdadeira, portanto, eficaz se ficamos ansiosos por receber determinada resposta, que, com nossas parcas luzes, achamos ser a mais conveniente. Ao entregar-nos irrestrita e incondicionalmente, de imediato a quietude nos acaricia e nos sustenta. Aí, naturalmente deixamos a batalha a caro de Deus, que tudo sabe e tudo pode. Que Ele ganhe batalha por nós. Estar entregues, refugiados e repousando em Deus é a mais perfeita condição de brandura, portanto, de maior eficácia.

Desconfio que Deus, que nos quer vivos, sempre sadios, felizes, vitoriosos,..., se sente homenageado quando lhe damos a chance de agir em nosso favor. Ele, que sempre deseja nossa fiel e incondicional confiança, aproveita a entrega e põe a nosso serviço sua onisciência, onipresença, onipotência, e é só o de que precisamos. Tentando defender-nos, agimos apavorados, estressados, nos debatemos em gestos inócuos, desesperados, inadequados, violentos e aflitos. Inquietos, bloqueamos sua ajuda; Ele não encontra uma brecha para atuar, para assumir nossa batalha. Não encontrando uma chance, Deus aguarda que, confiantes, serenos, a Ele nos rendamos e entreguemos o problema.

O comum é ter fé em que Deus nos dará isto que nos agrada e nos livrará daquilo que nos desagrada. E achamos mesmo que isto é fé. Não é. A verdadeira consiste em calar para que Ele fale, em nos render ao que Ele quiser fazer de nós e por nós. Entenda este "seja feita a Vossa vontade" como aquilo que os sábios chineses denominam wuwey, o hindus, ahimsa, e nós brandura ou não-violência. Se você decidir dar uma chance a Deus para que Ele ganhe a batalha, para que o salve, cure, liberte, ilumine,..., o que tem a fazer é confiar e oferecer sua quietude, sua brandura, e deixar-se amolecer docemente em Suas mãos. Se insistir em agir com seus próprios recursos afobados, que o faça, mas se seus tumultuados, falharem mais uma vez, então deixe dê uma chance a Deus?

O sábio David colocou este conselho nos lábios de Deus:

Aquietai-vos e sabei que Eu sou Deus (Sal.46.10)
Se, portanto, você quiser escutar Deus, terá primeiro que se aquietar plenamente, e, para isto, entregue-se total e irrestritamente. Para quem tenha dúvidas sobre a eficácia ilimitada desta estratégia, tenho casos convincentes (documentados) para citar. O mais eloqüente vou resumir abaixo, conforme as reportagens publicadas em "O Dia" (28.08.84) e em "O Globo" (27.08.84).

Em noite fria, de vendaval, o empresário Marcos Raul Santana de 39 anos, caiu de um veleiro, em mar revolto, a quilômetros da praia, próximo das ilhas Cagarras (Rio). Em poucos segundos o barco sumiu na escuridão, e ele se viu arrastado por veloz corrente marítima, na solidão fria da noite oceânica.

Que fazer? Se tentasse nadar em direção à praia, por certo seria tragado pelo mar. Católico, homem de fé, não se entregou o pavor e ao desespero. Entregou-se a Deus e a Nossa Senhora. Livrou-se do casaco, dos sapatos, de toda roupa. Sentiu muito frio. Foi atacado de câimbras, mas, aprofundou sua fé e a sua entrega. Em vez de bracejar, lutando contra a correnteza, deixou-se levar. Além da proteção de Deus e de Nossa Senhora - disse ele - o outro fator que ajudou minha salvação foi minha integração na Natureza. Eu não fiz um gesto de esforço inútil. Tratei de deixar que meu corpo boiasse e esperei que algo acontecesse em meu favor. Levei quase dez horas, mas acabei saindo em Itaipuaçu. Tive força para sair do mar sem ajuda. Numa viagem de quase 10 horas, Marcos percorreu 52km na vastidão do mar agitado, frio e escuro. Foi um milagre eu ter sobrevivido. Arrastado pela corrente, às vezes me aproximava da orla, às vezes me afastava. Não fiz nenhum gesto que pudesse me levar à exaustão. Quando me foi possível fui dar a uma praia. Era a Praia Itaipuaçu (Maricá).

A matéria na mídia foi um impacto para todos, inclusive eu. Foi só depois de alguns dias que me lembrei do que há 20 anos eu escrevi em "Yoga para Nervosos":

Um banhista saiu nadando e se afastou da praia. Em certo ponto, se apercebeu de que estava sendo levado por uma corrente marítima. O instinto de conservação mandou-o retornar à praia. Começou a bracejar, tentando safar-se. Cada vez mais, no entanto, se sentia impotente para faze-lo. Naturalmente, sob a evidente ameaça à vida nele foram aumentando simultânea e reciprocamente o pavor e os esforços inúteis e, conseqüentemente, a fadiga, com a horrível sensação de que estava perdido. Ia morrer. Não por não nadar, mas porque se sentia incapaz de vencer a força do mar... Desta forma, o banhista inexperiente e teimoso é vencido. Nadador sabido e experiente e, por isto mesmo calmo, quando se vê na mesma situação, não se esforça e não cai em pânico. O que faz é inteiramente diverso. Renuncia à tentativa imprudente de chegar direto à praia. Sabe ser impossível. Simplesmente, conservando-se dono de si mesmo, deixa-se levar pela corrente. Sem pavor vê a praia longe, mas não a esperança, mas não a Tranqüilidade. Lá adiante, a corrente, mudando de direção, o Reaproxima da terra e, ele, inteligentemente, aproveita e salva-se. (pg.47)

Em realidade, o empresário Marcos, se entregou, não à correnteza, mas a graça de Deus, de Nossa Senhora. Deus o salvou porque ele, inspirado na fé, se entregou mesmo, ao dar uma chance a Deus. Aquietou-se e escutou dizer em seu coração - Eu sou Deus!

Agora, me lembrei de uma expressão de São Paulo que me parece enigmática:

Pois quando sou fraco, então é que sou forte
Aqui humildemente pergunto a teólogos e a exagetas: o homem fraco não seria aquele nadador que, assaltado pela desgraça, tendo constatado a debilidade de seus músculos, optou por confiar mais na auto entrega a Deus, que faria dele um homem forte? Ouso pensar que quando consigo me humildar como um ego pessoal, aparentemente enfraqueço, mas é exatamente o que me fortalece no poder infinito e eterno do ser Supremo. O fortalecimento do "Hermógenes" em mim efetivamente me torna um fraco. Sua minimização, através da auto entrega, faz de mim um verdadeiro forte.