CHEGADAS E PARTIDAS....(eu no divã)

[Solange Saccomano Alexandre]

 

Hoje eu tou como se diz aqui na expressão nordestina ( região nordeste do Brasil) "meio jururu"! Sabe aquela melancolia... Sem saber exatamente o porquê... Tá tudo cinza... E olha que eu adoro dias nublados.... E aqui tá um calor danado e um sol brilhante... Mas tá cinza dentro de mim... Nem sendo sexta-feira me alegro... Mas aprendi também a me permitir, como fala Martha Medeiros, a esses momentos, a me permitir também estar triste... Mas essa tristeza veio ao entardecer... Acordei disposta, fui trabalhar... Produzi bastante... Mas ao cair da tarde, caiu uma tristeza também... Fez-se crepúsculo no meu ser... E eu fico danada quando essa tristeza tira minha concentração... não consigo ler um livro ( quero ler Alice no País das Maravilhas...). Música? Parece que piora ainda mais... Estou na net, mas tudo é um saco, fico off... olho uma coisa, faço outra... Aff! Mistura de tristeza com tédioooooo........ Fosse só tristeza... Mas tédio.... Para mim um dos piores sentimentos... É esse tédio que gera essa tristeza, ou essa tristeza que gera esse tédio? Aff! Estava vendo uma comunidade de Martha Medeiros, e uma mulher dá um depoimento que viveu com um homem 28 anos e ele se separou dela e foi viver com outra..... e tá insuportável a perda... , tudo sem sentido, vontade de morrer... Então ela pede uns textos de Martha que fala de separação... Interessante isso porque através da Literatura ela pode refletir sobre a sua dor... Prazer e dor estão presentes na Literatura... Falo sempre isso para meus alunos... A representação da dor humana... Quantos amores atormentados tanto no mundo fictício quanto dos próprios artistas.... escritores, músicos, escultores...... Lembrei-me agora das mulheres que viveram grandes amores marcados pela tormenta, pela perda... Vou citar algumas aqui:

Camille Claudel. Essa mulher decidiu-se pela profissão de escultora na adolescência. Conheceu Rodin, tornando-se sua colaboradora, musa e amante. Após perceber que nunca seria sua esposa e que sua imagem ficava ofuscada pela de Rodin, Camille rompeu. Entrou em crise e passou 30 anos num sanatório... (veja no link abaixo a história dessa grande e sofrida mulher...) 

 http://www.portaldascuriosidades.com/forum/index.php?topic=27057.0

Eu assisti o filme "Camile Claudel" e fiquei chocada! Como uma mulher inteligente se deixa ir ao fundo do poço... ( que idiotice essa minha... como se a inteligência nos livrasse dessas armadilhas). Ela linda, no esplendor de sua juventude e talento conhece Rodin...Sua glória e sua ruína... Tem uma cena densa: ela louca jogando pedra no telhado da casa dele... E ele covardemente escondido...

Outra mulher também foi a poetisa Sylvia Plath casou com um grande poeta teve dois filhos. Esse casamento tempestuoso e traumático, marcado pela traição do marido, que a levou ao suicído... Poderia ter tido uma carreira brilhante... (Veja com mais detalhe sobre essa mulher)

 http://www.desconcertos.com.br/resenhas/os-diarios-de-sylvia-plath-1950-1963-karen-v-kukil-ed-globo.html

Enfim, a literatura está recheada dessas tragédias... E a literatura é um espelho... Mas enxergar, se defrontar com a própria dor é bom? É uma catarse? Depende da estrutura interna de cada um... Há os que encontram o caminho da libertação, outros mergulham no desespero, na loucura, na morte de si ou do objeto amado.... Enfim... o que me interessa saber é o que nos leva a chegar a esse ponto... "Quem me roubou de mim..."

Seria tão bom se pudéssemos ser como a personagem de "A moça tecelã", de Marina Colassanti, que tece e destece a sua vida... Espera... Vou contar o resumo da história...

Trata-se de um conto de fadas moderno que narra o di-a-dia de uma moça que tece.Nada lhe falta, passa seus dias a tecer com cuidado e amor ao trabalho que executa.A moça usa seu tear para expressar seus sentimentos, através das cores das linhas a moça tece a vida e seus humores.É feliz em seu ofício e tece tudo que sua imaginação lhe permite.Os dias passam e nada lhe falta, porque tece tudo de que necessita,leite, peixe...Porém chega um tempo em que começa a se sentir sozinha e começa sentir necessidade de uma companhia, um marido a seu lado.Imediatamente pega os fios e começa a tecer o marido imaginário com que sonha.Com cuidado escolhe os fios mais bonitos e delicados e inicia a sua grande obra.O marido imaginado ganha chapéu, corpo e rosto bem desenhados e um belo par de sapados bem engraxados. Terminada a obra, a porta de sua casa se abre, e eis que que surge o marido esperado.Feliz a moça tecelã dorme no ombro do companheiro e sonha com os lindos filhos que teriam.Ela foi muito feliz por algum tempo, porém os propósitos de seu amado eram diferentes dos seus. Ao invés de filhos ele queria uma casa melhor, maior e mais bonita, e exigiu que a esposa logo começasse a tecê-la. Terminada a casa o marido quis um palácio com arremates de prata.A moça tecelã dedicou semanas e meses na construção do tal palácio, sem tempo sequer para ver a luz do dia. Pronto o palácio o marido exigiu que ele tivesse uma torre bem alta para abrigar a esposa em seu ofício de tecer. Encerrada na mais alta torre do palácio a moça tecia e entristecia.Seus pensamentos se voltaram para o passado, para a casa simples em que vivia e para todas as coisas boas que um dia teve.Chegando à noite a moça resolve destecer o marido e puxa o primeiro fio e antes que ele acorde já estava destecido completamente.A moça tecelã volta a sua vida simples e feliz de tecer com simplicidade e alegria seus sonhos de mulher.

Ah se pudéssemos tecer e destecer a nossa vida assim.... Mas na realidade o processo é tão difícil, tão doloroso... Tanto o tecer - construir... , como o destecer - desconstruir... Mas temos que aprender ou melhor reaprender, ou melhor ainda reinventar a nossa vida... Pois como disse Cecília Meireles a vida só é possível reiventada...

Sabe, esse ato de escrever aqui está sendo para mim nesse momento uma análise, meu divã, um processo psicanalítico... porque comecei falando de uma certa melancolia sem um aparente motivo... e no fluxo da consciência lembrei-me da mulher da comunidade de Martha Medeiros pedindo textos sobre separação que a ajudasse a refletir sobre a sua dor... e fui buscando outras mulheres... mas na realidade tudo isso é uma projeção minha... a projeção da minha dor... UFA! na realidade o motivo da minha dor, tristeza, tédio eu sei..., estou tendo a coragem de dizer aqui, que essa dor da perda, da separação também estou sentindo na pele... Tenho que destecer o homem que amei por tantos anos... tenho que deixá-lo ir embora de mim. Tenho que desconstrui-lo...

Vou parar por aqui... Sinto-me como se tivesse sentada no divã... É o momento de chorar... E, se minha psicaalista estivesse aqui, silenciosamente me daria um lencinho de papel... Ela esperaria pacientemente que eu chorasse toda a minha dor...

É sempre assim que eu me comporto nas sessões de análise... falo de Literatura, de música, de filmes, da moça tecelã.... E no final escuto a psicanalista dizer: Está racionalizando... Está racionalizando... Até que eu explodo nun choro... Então ela se contenta,,, porque até então eu só implodia...

 

Gilvânia Machado