Esta história aconteceu comigo, há alguns anos. Foi uma época muito dura para mim e talvez por isto o episódio me marcou tanto. Já o publiquei em dezembro do ano passado, mas então o blog engatinhava e tivemos apenas 3 comentários. Acredito que nenhum de vocês o conheça.
Desculpem a republicação. É a minha maneira de agradecer a vocês pela companhia e dizer a todos, com antecedência: Feliz Natal!!!
Época de Natal.
Estou só, na rua. A solidão é uma presença quase palpável; tão real, que me parece ouvir o eco dos seus passos, junto aos meus, nas pedras da calçada.
Aperto, no bolso das calças, a nota de vinte reais. É o meu único tesouro: tudo que me restou do salário, depois de pagar as contas. Na casa humilde, longe deste bairro da chamada “classe média alta”, o frango e o vinho barato já estão comprados; são petiscos especiais, para a noite de Natal. Não sei porque, uma parte de mim ainda acredita nesta época como um tempo de magia.
Na rua, há casas bonitas e edifícios enormes; todos decorados com luzes coloridas, que piscam sem cessar. Até as árvores dos jardins estão cobertas de lâmpadas; como se as estrelas descessem à terra, brilhando sobre o sonho do amor entre os homens, que um Nazareno sonhou há dois mil anos.
De algum lugar, vem o som de “Noite Feliz”: música suave, palavras lindas de amor e paz. Por um momento, quase acredito neste sonho.
Passo diante de um edifício muito alto, que se destaca entre os outros. O seu jardim parece um canteiro de estrelas, e toda a fachada está coberta de luzes. Nas varandas, nas janelas, brilham milhares de lâmpadas; como se quisessem anunciar ao mundo que o amor ainda existe, que podemos ser irmãos.
Entretanto, no topo do prédio existe uma área escura. Percebo, confusamente, o desenho de uma enorme estrela, sobre um grande letreiro; mas as lâmpadas estão apagadas, enquanto todo o resto do edifício resplandece de luzes e cores.
Levo a mão ao bolso da camisa, pego um cigarro. Noto que o maço está quase vazio, preciso comprar outro: uma séria baixa, na minha fortuna de vinte reais.
Acendo o cigarro. E vejo uma mulher magra, pequena e mal vestida, sentada no chão, junto à entrada da garagem do prédio, com uma criança no colo; uma pequena trouxa humana, descobrindo os rigores da miséria.
Um carro pára em frente à garagem: grande, bonito, reluzente. Enquanto o portão se abre, a mulher estende a mão, num pedido de esmola. Mas o vidro da janela nem desce; o carro entra na garagem e o portão se fecha.
Fico por ali. E, mal termino o meu cigarro, vejo que o porteiro do prédio se encaminha para a pedinte; chamado, certamente, pelo motorista recém-chegado. Ou por algum outro morador, a quem incomodou a imagem da pobreza.
É um mulato alto e forte, o uniforme cuidadosamente engomado, bigode e cabelos bem aparados. Percebo todos estes detalhes, quando atravesso a rua; ouço as suas palavras rudes, enxotando a mulher, mandando-a procurar um albergue ou uma ponte.
Ele se cala, quando chego junto aos dois. Abaixo-me, seguro a mulher pelo cotovelo e faço com que se levante. Conduzo-a para atravessar a rua, com o andar vacilante que denuncia a fome e o cansaço.
Paramos em frente ao prédio. Olho o seu rosto sujo, desfeito, triste, macilento; percebo a mágoa e a descrença em seus olhos. E, num impulso, tiro do bolso a nota de vinte reais e lhe entrego.
A surpresa e a alegria surgem em seu olhar. Ela me entrega a criança, enquanto procura guardar a inesperada fortuna num bolso do vestido rasgado.
Seguro o pequenino contra meu peito.Olho para cima e vejo o topo do prédio, agora iluminado por uma enorme estrela, completamente acesa, brilhando sobre o letreiro: “FELIZ NATAL” !
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