MESMO ENQUANTO DÓI!

[Sebastião Aparecido de Paula]

MESMO ENQUANTO DÓI!

Sei como a vida pode ser difícil. Conheço os contrastes, as dores, as interrupções de planos, de caminho, de sentido muitas vezes. Quando olho para mim, reconheço em minha constituição um elemento de dor e a importância disso na construção do meu olhar. Minha mãe costuma dizer que eu era uma criança triste.

Não que eu deixasse de brincar, de fazer o que todas as crianças fazem, mas nunca fui de grandes gargalhadas, de achar graça em tudo, de agir como a maioria age. Cresci assim. Ontem mesmo eu conversava com alguém sobre uma profunda sensação que me acompanha à tanto tempo sobre o fato de que nenhum de nós sabe o que é felicidade.

Particularmente penso ser impossível viver feliz nessa terra, nesse tempo, nesse corpo, nessa dimensão sem um constante sentimento de desconforto para dizer o mínimo, que pode se refletir em altos e baixos, que pode ser mais intenso para uns, um pouco menos para outros, mas que se instala como salvação de uma irremediável tendência ao entorpecimento.

Nos entregamos às nossas vontades com extrema facilidade.
Acreditamos que merecemos ter tudo o que queremos, aderimos a filosofia vigente do consumo e da alegria fácil, frágil, descartável, a despeito do que acontece lá fora. Creio e falo sobre a felicidade, sobre a pacificação, sobre a quietude interior, acho isso fundamental, mas também creio que só atingiremos essa condição quando pararmos de ter medo da dor, quando o sofrimento deixar de ser um monstro, quando finalmente entendermos que, nesse corpo finito, que morre um pouquinho por dia, é necessário que lidemos com a latência de um sentimento desconfortável muitas vezes, mas que, estando presente, nos lembra quem somos e especialmente que estamos longe de casa.

Não quero tentar lhe convencer a não sofrer. Não vou descrever os dez passos para ser feliz o tempo todo, entorpecido, distraído em relação ao que me cerca, a própria dor, as angústias que tantas vezes nos ajudam a amadurecer. Cada um que enxergue a si mesmo e reconheça o que lhe habita.

Minha ideia é apenas compartilhar que tudo faz parte de uma coisa só. Que não estamos aqui para sofrer nem para sermos seres “gargalhantes” que não param de rir, mesmo diante das contradições. Não nascemos para sermos os “conquistadores” de nada, nem os “vencedores” do sucesso, tampouco os “perdedores” ou “fracassados” de nada. Não estamos em competição, nem a procura de fórmulas mágicas, nem na tentativa de aparentarmos o que não somos. Não.

Eu e você estamos aqui em um breve espaço de tempo, um lapso, um fragmento que são nossas vidinhas, apenas para o que realmente importa, para o que pode fazer alguma diferença e emprestar significado ao nascer, crescer e morrer: Estamos aqui para aprendermos a amar.

Isso implica dor, isso implica alegrias, tristezas, felicidade, altos e baixos, pacificação e desconforto tantas vezes. Haverá momentos em que saberemos o que fazer, onde tudo estará claro. Em outros parecerá mais difícil e a sensação de que o caminho sumiu será inevitável.

Faz parte da caminhada.

A boa notícia é que se persistirmos e entendermos que é assim, uma condição maior de pacificação interior se enraizará apesar dos pesares, até o dia em que mesmo triste, mesmo perplexa, mesmo doendo, estará em paz.
Jamais cultive sua dor. Jamais se apegue a ela. Entenda como uma condição humana, um jeito de não se perder nos devaneios do ego, uma mecanismo para não se entregar as ofertas do desejo. Aquiete-se mesmo enquanto dói.

Vai passar. Não será para sempre, é por um tempo. Se aprender que é assim e continuar caminhando verá a madrugada passar, ouvirá os primeiros pássaros, sentirá o cheiro do orvalho e, naturalmente, em paz, concluirá que tudo era uma coisa só, que nunca houve nada que não pudesse contribuir com seu crescimento, que, mesmo enquanto dói, viver é um grande privilégio.

Beijo na alma.

Flávio Siqueira