OS SETE VÉUS SOBRE A CONSCIÊNCIA
C. Jinaradasa
(Ex-presidente internacional da Sociedade Teosófica)
AO ADEPTO que inspirou H. P. B., quando esta escrevia ISIS SEM VÉU e que na conclusão desse trabalho, no antepenúltimo parágrafo, escreveu:
«É apenas necessária a percepção das coisas objetivas para, finalmente, descobrir que o único mundo de realidade é o subjetivo.»
Este ensaio encerra muitas afirmativas, que pela sua própria natureza, não podem ser provadas. Entretanto, considero-o como sendo uma contribuição mais pessoal ao conhecimento teosófico. Compreendo que muitos poucos o entenderão, mas desejo deixar registrado como tenho pensado e vivido por mais de quarenta anos.
Durante as últimas quatro décadas, têm-se desenvolvido muito as nossas concepções teosóficas, devido à importância dada sobre a Mônada. A Mônada é mencionada muitas vezes na Doutrina Secreta. Contudo a importância dada à Mônada pela Dra. Besant em seu livro Um Estudo sobre a Consciência constitui uma das mais valiosas contribuições ao conhecimento teosófico. Cada vez mais, por conseguinte, estamos aprendendo, em nossos estudos, a considerar o problema da evolução de um indivíduo mais do ponto de vista da Mônada que do Ego no corpo causal.
Quando consideramos o indivíduo como a Mônada, o inevitável passo seguinte é reconhecer a Mônada como um fragmento da Consciência Divina do Logos; e no que concerne ao Logos do Sistema Solar, vivemos n'Ele e fazemos parte d'Ele de uma maneira misteriosa. Isto não significa que não tenhamos, por assim dizer, o nosso caminho direto ao Logos Universal. Porém, deixando de lado esse último mistério, uma coisa é certa: que, no estágio da evolução em que vivemos, nós crescemos por meio de energias do Logos Solar. Este processo da nossa evolução pode ser encarado como um drama que o Logos cria para a Mônada; e é pela compreensão desse drama, que desse modo cria o Logos, é que desenvolvemos a Divindade dentro de nós.
Como o Logos cria para nós um drama, no qual temos de ser atores, e em cujo desempenho temos de crescer à imagem do próprio Logos? Isto é desenvolvido pelo Logos ao criar formas. Conseqüentemente, vem o nosso universo à manifestação de atividade, qual é, para nós, o sistema solar. O Logos cria plano após plano e descrevemos essa ação como manifestações do Segundo e do Terceiro Logos.
Assim sendo, a criação pelo Logos dos vários planos é, sob um ponto de vista, uma revelação de consciência, porque o Logos é, em Sua essência, a Consciência Suprema.
Por conseguinte, quando ele cria um plano, seja o plano Adi ou um plano inferior, aquele plano é uma expressão de Sua consciência, mas velada. Se estudarmos o que está descrito na Química Oculta relativa à formação dos planos, notaremos que cada plano persiste porque é mantido pela consciência do Logos. As «bolhas de Koilon» são mantidas, pela consciência do Logos, nesta ou naquela formação; porém, se a atenção do Logos fosse desviada, todos os planos deixariam de existir. Além disso, casualmente mencionaria, se bem que seja importante, que a própria bolha feita no Koilon, é ela própria uma manifestação da consciência do Logos Universal. Os sete planos dentro do Sistema Solar, são, por conseguinte, aspectos ou revelações da consciência do Logos Solar.
Começando pelo plano mais elevado, o Plano Adi, verificamos que ele é um aspecto da consciência do Logos, mas ele é sua consciência velada. Quando um véu cobre a sua consciência, chamamos de Plano Adi, ao resultado. De modo semelhante, cada plano significa que mais um véu foi acrescentado à Sua consciência; de modo que, quando, descemos ao plano mental, por exemplo, já há quatro véus - Adi, Anupadaka, Nirvânico e Búdico - sobre aquela consciência. O plano mental é um quinto véu acrescentado àquela consciência. O plano astral é o sexto véu, e o plano físico o sétimo.
Já sabemos pela ciência, quando lidamos com a matéria, que ela é, além de tudo, um véu posto sobre a energia. Toda partícula de matéria é na realidade uma série de energias. A matéria, como substância, não existe. A matéria é um véu colocado sobre a energia. E exatamente do mesmo modo, a ciência descobrirá, no futuro, que a que é chamada energia, é em si mesma uma forma de consciência, um véu sobre a consciência.
É desta verdade que devemos partir rumo à Teosofia, para uma real compreensão de todas as coisas. Em nossa concepção do Logos e de Sua relação com os sete planos, devemos iniciar com o axioma de que toda a matéria é uma expressão de sua consciência. Desde que haja gradações de matéria de plano para plano, todos os planos são modificações de consciência, isto é, de um a sete véus colocados sobre aquela consciência primordial. Quando, entretanto, os sete planos são criados, temos, de um lado, sete tipos de matéria; e, de outro, temos sete véus colocados sobre a Sua consciência.
Então, para esta série de sete mundos, o Logos envia a Mônada para executar o seu papel no grande drama, e o drama consiste de movimentos de formas criadas pelo Logos. Um plano é, na realidade, uma forma-pensamento do Logos; e, em cada plano, semelhantemente, cada objeto é uma forma-pensamento do Logos. A cadeira em que estou sentado persiste por que o Logos a mantém como uma forma-pensamento.
Todas as experiências, então, que adquirimos na evolução são aventuras entre as formas-pensamento do Logos. Quando entramos em contato com o plano físico e a sua aparente substancialidade, em realidade estamos entrando em contato com as formas-pensamento do Logos; porém, são Suas formas-pensamento envoltas em sete véus, sendo que a matéria física é o último véu. Representamos nosso drama, então, no magnificente mundo da consciência do Logos, porém, aquela consciência está velada em vários graus.
Do ponto de vista de ser cada plano um véu sobre a consciência do Logos, cada plano mais elevado significa que há um véu a menos. Se temos sete véus sobre a consciência do Logos, quando nos encontramos no plano físico, então, ao atuarmos no mundo astral, pomo-nos em contato com a consciência do Logos com um véu a menos. O que desejo especialmente destacar é que cada mundo para onde nos alçamos em consciência, significa que vemos a natureza do Logos e as modalidades de Suas atividades, com um véu a menos.
Neste sistema de mundos de véu, fazemos nossa entrada como Mônadas, para nos submetermos às nossas experiências. Nossa ação no drama se desempenha nos vários planos, onde podemos atuar. No plano monádico, atuamos como Mônadas, de uma forma que, agora, não podemos conceber plenamente em nossos cérebros, contudo, atuamos. No plano monádico, observamos as nossas irmãs Mônadas. O mesmo drama afeta a elas e a nós.
Há, porém, várias maneiras de observar nossas irmãs Mônadas. Podemos observá-las, por exemplo, quando funcionam em corpos causais, no plano mental. Mas, para isso, devemos descer ao plano mental. No momento em que penetramos no plano mental, compartilhamos daqueles véus que foram sobrepostos à consciência do Logos. A nossa própria consciência torna-se velada, quando descemos ao plano mental; e é através desses véus que observamos nossas irmãs Mônadas similarmente veladas. Ao descer ao plano astral, ambos, o que observa e o que é observado, têm mais um véu sobre a sua natureza verdadeira, e no plano físico, cada um de nós tem sobre si sete véus. Olhamo-nos uns aos outros, segundo frase de São Paulo, tal como: «através de um vidro obscuro».
Cada veículo, pois, que nós como Mônadas utilizamos, significa a perda de uma dimensão, em termos matemáticos. Tal como um cubo com três dimensões, aplicado a um plano de apenas duas dimensões, perde, por assim dizer, sua qualidade tridimensional e torna-se um quadrado, da mesma forma, o Ego no corpo causal, quando desce ao mundo astral, já perdeu uma gama ou uma oitava da manifestação de seus sentidos e pensamentos. E, quando chega ao plano físico para encarnar-se, ainda uma outra oitava perdeu. Assim, a corporificação da Mônada é relativamente insignificante, comparada à magnificência que permanece nos planos superiores.
Quando nos encarnamos, nos velamos em sete vezes. Isto significa que temos que observar as formas-pensamento do Logos, que constituem o mundo físico, através desses sete véus. Nossa descoberta da Realidade, nossa liberação, chamem-na como quiserem, consiste em penetrar através desses sete véus e olhar a Realidade como se estivesse desprovida deles.
Este desenvolvimento tem lugar para nós, em geral, de baixo para cima. Digo «em geral», porque deverá haver, também, simultaneamente, um desenvolvimento da Mônada de cima para baixo. mas sabemos pouco sobre isto. Em geral, nossa evolução consiste em descer à matéria e tomar contato com ela aos poucos, lentamente, libertando-nos de um véu após outro.
Vejamos agora, sob este ponto de vista, o trabalho que realizamos. Aqui estamos no plano físico, e para nós todos os objetos - homens, animais, plantas, cordilheiras e mares - todas essas coisas parecem constituída de substâncias, isto é, composta de matéria. Porém, em realidade, são a consciência do Logos coberta por véus. A nossa visão de uma pessoa no plano físico, quando olhamos o seu rosto ou ouvimos a sua voz, é a visão do Ser Divino, que é a individualidade da Alma além dos véus. Quando olhamos para uma pessoa, quer seja completamente estranha ou amiga íntima, estamos penetrando num mistério. A quem consideramos amigos, penetramos através de certos véus que o envolvem e vemos algo de sua natureza como Mônada. Dos estranhos, ainda não descobrimos a maneira de perceber, através de seus véus, a Mônada. No plano físico estamos, pois, todo o tempo, lidando com objetos, indivíduos ou coisas sete vezes veladas.
À noite, quando penetramos no plano astral, a nossa consciência atua em um reino onde um dos sete véus foi afastado. A consciência do mundo astral coloca-nos, portanto, um passo mais próximo da realidade, seja qual for o objeto que observamos, o mais insignificante átomo ou o mais magnificente dos seres, vemos a consciência do Logos com um véu a menos do que no plano físico. Não é somente isso: nós próprios quando nos encontramos no plano astral, temos um véu a menos. Seja qual for o objeto que observamos, nossa observação aproxima-se, portanto, um passo a mais da Realidade.
Consideremos, por exemplo, o indivíduo vivendo no plano astral e de lá observando o plano físico. Ele não é capaz de ver o plano físico em termos daquela luz quanta (1) que afeta a nossa retina. Ele vê o plano físico somente pelas correspondências astrais da luz física. ele vê, como dizemos, a contraparte astral do físico. Assim, a contraparte astral e o objeto físico são formas-pensamento do Logos. Mas a contraparte astral tem sua vantagem sobre a física, caracterizada pelo fato de ter um véu a menos do Logos, envolvendo-a. Conseqüentemente, segundo esta linha de especulação, à qual estou me inclinando agora, um indivíduo pelo mero fato de viver no mundo astral dá mais um passo rumo à aproximação da Realidade. Quer contemple uma cordilheira, um por de sol, uma pessoa, ele vê cada coisa, que é essencialmente uma forma-pensamento do Logos, mais pura e mais claramente, porque todas as formas-pensamento do Logos têm naquele plano um véu a menos do que no plano físico.
Continuemos com este raciocínio um pouco mais além. Quando vivemos no mundo mental, estamos lidando com a consciência do Logos com dois véus a menos, e tudo o que contempla mos nos revela uma essência nova, porque nós, como observadores, possuímos dois véus a menos e de modo semelhante cada forma-pensamento do Logos que percebemos tem dois véus a menos. Tomemos um simples exemplo. Uso neste momento lentes incolores, porque é de tarde. Vejo todas as coisas normalmente. Mas sou uma vítima de insolação e estou sujeito à insolação devido a uma sensibilidade anormal de meus olhos. Por isso, durante o dia, não uso lentes incolores, meus óculos são providos de lentes Crookes A. Supõe-se que elas reduzem de 17% a intensidade dos raios solares. A menos que você saiba, não notaria que elas são lentes comuns. Entretanto, elas diminuem a intensidade da luz, mas quando devo ser fotografado, tenho de removê-las e colocar lentes incolores, pois a fotografia sairia um pouco mais escura ao redor dos olhos. Quando a luz do sol é muito forte como ao meio-dia nos países tropicais, preciso usar lentes Crookes B2, a fim de evitar a insolação. Elas interceptam 35% da luz e são bem escuras. Quando uso lentes especiais, seja A ou B2, todas as cores ficam reduzidas em sua luminosidade. Contudo, posso distinguir o vermelho do verde e não noto que o mundo seja diferente. Eu me acostumo depressa à condição de menos 17 ou 35 por cento de luz e me sinto completamente à vontade em meu mundo obscurecido, Mas tio momento em que troco as minhas lentes B2 pela A, logo noto diferença. Há mais luminosidade, ainda que as cores sejam as mesmas. O importante ponto a considerar é que, apesar das lentes bem escuras, as proporções de luz e sombra e as gradações e variações de cor são as mesmas. Porém, é indiscutível que sem elas há mais luminosidade. Estou mais próximo da verdadeira visão da natureza quando troco as lentes B2 pelas Crookes A. Do mesmo modo quando troco as lentes Crookes A por um par de lentes simples, tenho uma concepção mais correta sobre a luz, sombra, e reais intensidades de cor.
E exatamente do mesmo modo o simples fato de após a morte começarmos a atuar no Mundo Celeste, significa que nos aproximamos dois passos mais da Realidade, que é a verdadeira natureza do Logos. É pela razão de termos nos aproximado mais dois passos da verdadeira natureza do Logos que experimentamos a qualidade característica do Mundo Celeste. Estas características foram descritas no Manual sobre o Mundo Celestial, O Plano Mental. Quando descrevo as características do plano mental, desejo que observeis que estamos lidando com a Realidade, porém, Realidade com dois véus a menos - os dos mundos astral e físico.
A BEM-AVENTURANÇA DO MUNDO CELESTE
«Esta intensidade de bem-aventurança é a primeira grande idéia que deve fundamentar todas as nossas concepções da vida celeste. Não é somente porque tratamos de um mundo, no qual, por sua própria constituição, o mal e a tristeza são impossíveis; não é somente um mundo no qual todas as criaturas são felizes; a realidade vai muito além de tudo isso. É um mundo no qual todos os seres devem desfrutar da mais elevada bem-aventurança espiritual de que sejam capazes pelo próprio fato de lá se encontrarem. Um mundo cujo poder de resposta às suas aspirações está limitado apenas à sua capacidade de aspirar».
«Nele, pela primeira vez, começamos a compreender algo da verdadeira natureza da grande Fonte da Vida, e pela primeira vez captamos por um remoto vislumbre o que seja o Logos e o que ele deve ser para nós. E quando nossa atônita visão é ferida por esta estupenda realidade, não podemos deixar de sentir com este conhecimento da verdade, que a vida não pode parecer-nos como antes. Limitamo-nos a ficar pasmados ante a total impropriedade das idéias de felicidade do homem terreno. Em verdade, não podemos deixar de perceber que em sua maior parte são absurdamente invertidas e irrealizáveis e que na maioria das vezes ele voltou suas costas à verdadeira meta que procurava. Porém, aqui, finalmente, há verdade e beleza, transcendendo em muito tudo o que o poeta jamais sonhou, e na luz de sua glória inefável todas as outras alegrias parecem fracas, débeis, irreais e insatisfatórias.»
«Mais adiante explicaremos alguns detalhes. No momento o que deve ser salientado é que esta sensação radiante, não só a bem-vinda ausência de todo mal e discórdia, mas da persistente, irresistível presença de alegria universal, é a primeira e mais surpreendente sensação experimentada por aquele que penetra no mundo celestial. Jamais o abandona enquanto lá permanecer, seja qual for a obra que ele esteja realizando, sejam quais forem as mais elevadas possibilidades de exaltação espiritual que possam surgir diante de si enquanto vai conhecendo melhor as possibilidades deste novo mundo em que se encontra. O estranho e indescritível sentimento de inexprimível júbilo pelo simples fato de ali se encontrar abarca tudo o mais - este gozo da imensa alegria dos outros está sempre presente em si. Nada há na terra semelhante a isso, nada pode ser igual. Se fosse possível supor a restrita vida da infância abrangida em nossa existência espiritual e intensificada milhares de vezes, talvez se lograsse uma pálida idéia sua. Mesmo assim tal comparação mostra-se miseravelmente carente daquilo que jaz além de todas as palavras - a tremenda vitalidade espiritual deste mundo celeste» (C. W. Leadbeater).
Assim, quando vivemos no Mundo Celestial, vemos a Realidade com dois véus a menos. Se nesse mundo tenho um amigo a quem estimo, eu o vejo com dois véus a menos. Se o vejo cá embaixo, ambos, eu e ele, estamos velados. Eu o estimava na terra, mas quando após a morte eu entrar no Mundo Celestial, o verei então com dois véus a menos e ele me revelará determinados atributos seus, que pela própria natureza do plano físico lhe fora impossível demonstrá-los em sua plenitude.
Contudo, tem sido indagado nos estudos teosóficos se, quando entramos no Mundo Celestial, não estamos fundamentalmente sujeitos a uma ilusão e se não existe uma qualidade ilusória no céu. Porém, nosso senso de realidade não depende tanto do plano em que atuamos, como da nossa reação àquele plano. Nessa tarde havia um maravilhoso pôr-do-sol (2). Mas quantas pessoas que cruzavam a ponte sentiram-se plenamente inspirados pelo pôr-do-sol? Contemplando do balcão superior, o entardecer despertou em mim uma profunda realização espiritual. Teria despertado a mesma realização nas pessoas que cruzaram a ponte? Provavelmente, não. O pôr-do-sol é o mesmo para todos, porém, a reação de cada um é diferente. Provavelmente, aqueles que cruzavam a ponte estavam concentrados em seus pensamentos emaranhados e absortos em si mesmos. Apesar da existência do pôr-do-sol, não houve pôr-do-sol para eles, e sim, a chegada da noite.
Assim, quando consideramos como um indivíduo se aproxima da Realidade, descobrimos que se ele tem um amigo nesse Mundo Celestial, mas iniciou sua vida ali sem ter desenvolvido a habilidade de penetrar através de todos os véus que encobrem o seu amigo, ele verá o seu amigo apenas sob um aspecto parcial. Mas se este indivíduo for uma Alma evoluída, ao iniciar sua vida no mundo celestial, ele começará a perceber, com relação àqueles, que eles possuíam grande bondade e beleza que mal ele percebia quando estes viviam na terra. A razão é que ele os vê agora livres de dois véus e descobre neles atributos que lhe era impossível apreciar plenamente no plano físico, por mais que tenha sido profundamente filosófico, estimando e aspirando o máximo que lhe foi possível. Porque, movendo-nos envoltos em véus de matéria física, certos aspectos da Realidade nos escapam, como sói acontecer com os delicados matizes de cor, que me escapam, quando uso as lentes Crookes B2. Deste modo discordo realmente da idéia geralmente aceita de que ir para o Mundo Celestial é envolver-se em um «casulo» como alguns Teosofistas sustentam. Muitos Teosofistas pensam que todos devem renunciar ao Mundo Celestial, porque eles estão sob a idéia errônea de que viver no Mundo Celestial é permanecer em uma espécie de ilusão criada por si mesma. Preferem evitar o Céu; pois, viver n’Ele é perda de tempo para eles. Mas, a verdade é que, embora nossa compreensão de Realidade seja limitada quando estamos no corpo físico, a partir do momento em que passamos a viver no Mundo Celestial, então, pela própria natureza desse mundo, estamos dois estágios mais próximos da Realidade.
Isto leva-nos ao importante problema se, ao configurarmos uma pessoa, a nossa concepção a seu respeito é realmente uma ilusão ou não. Muitas pessoas pensam que configurar uma pessoa é admitir que alguma coisa dela não seja verdadeira. Freqüentemente dizemos, quando uma mãe idealiza o seu filho, que ela é completamente tola e cheia de enganos. Mas o que é idealismo?
Do ponto de vista que sustento ser verdadeiro, idealismo é a habilidade de penetrar nos véus e ver algo, primeiro, do Ego, e depois da Mônada. Embora mais tarde possamos perder muito de nossa visão ideal, devido às várias circunstâncias características do plano físico, o fato de o termos visto uma vez significa que, dessa forma, nos aproximamos mais da consciência do Logos. No caso da mãe, o Logos, também, está pensando a respeito da criança como a mãe vê o seu filho. Porque, idealizar é pensar com o Logos. Certamente, o Logos vê a criança como um pequeno travesso, como seus detratores a vêem, porém, ele também vê a criança perfeita revelando a Mônada. A mãe que idolatra seu filhinho está mais próxima da visão do Logos que os seus detratores, porque o está vendo tal como é, sem alguns de seus véus.
O mesmo atributo de que idealizar é ter um vislumbre mais amplo da realidade, aplica-se a tudo. Lembremos as linhas do verso abaixo:
«As sublimes esperanças que sustentamos,
as nossas esperanças «se esvaem e fenecem», e
Quantas manchas maculam as vestes,
Que a um santo terrestre envolvem. »
Se nos falta o conhecimento, então, na verdade as nossas esperanças «se esvaem e fenecem», e menosprezamos o santo, porque, depois de santificá-lo, descobrimos mais tarde que a sua vestimenta está «maculada». Isto acontece freqüentemente com relação àqueles que colocamos num pedestal, como dizemos. Quando descobrimos que a nossa estátua tem pés de barro, sentimos um choque e o nosso conceito com respeito à pessoa se esvai.
Contudo, nosso idealismo não diminuiria se compreendêssemos. Porque quando colocamos alguém num pedestal, é porque nós o vemos despido de véus. Quando vemos os seus pés de barro, nós o vemos provido de véus. Se o nosso amor é verdadeiro, se o amamos desinteressadamente, sem nada pedir, então vemos a sua Divindade mais do que a sua humanidade. A descoberta das «manchas» em sua vestimenta terrestre, em nada diminui sua Divindade. Porém, necessitamos ser super-homens para jamais esquecer a Visão do Espírito, quando a matéria insiste em reivindicar toda nossa atenção.
É a mesma luta entre a luz e as trevas que é referida no cântico abaixo:
Do alvorecer as róseas cores,
Do dia os fulgores,
Do céu o rubor do entardecer,
Que rápido fenece.
E contudo a verdade é que se temos compreendido o que são o nascer e o pôr-do-sol realmente, como vislumbre de beleza e júbilo de Realidade, então, quando o «pôr-do-sol e o nascer do sol» terrestres desaparecem, não nos sentimos tomados de tristeza, porque vimos o nascer e o pôr do sol reais, como o Logos os vê sempre. É certo que todas as coisas desaparecem e que há «lágrimas nelas», mas se penetrarmos os véus que as envolvem, antes que desapareçam, então a visão de Realidade que é o seu substrato jamais cessará de dar-nos sua mensagem de beleza e eternidade.
Gostaria de apresentar todo este problema de uma outra forma, na do Ego em seu corpo causal permanente, que pela Lei de Reencarnação deve periodicamente descer à matéria para criar uma personalidade. Criar personalidade significa primeiramente a descida ao plano mental inferior e depois ao astral e em seguida ao físico. Cada descida é uma limitação de toda a natureza e faculdades do Ego permanente.
Demonstro o que acontece por uma tosca ilustração, mostrando quatro reproduções de minha mão. No clichê (ao final do texto) acha-se a Figura nº I, que representa a minha mão direita sem luva. A Figura nº II, a mão usando uma luva de algodão fino; a de nº III com uma luva de lã sobre a outra luva e a de nº IV com a mão coberta por uma luva espessa colocada sobre as outras duas. Esta luva é feita de lã de carneiro, natural, e deverá ser usada quando a temperatura estiver «abaixo de zero», isto é, mais de 32 graus abaixo do ponto de congelação. (Para aqueles cuja circulação não é forte e cujos dedos estão sujeitos a ficarem muito frios apesar de ser uma luva encorpada, este tipo de luva é a única defesa contra a ulceração produzida pelo frio).
Se eu fosse um pianista, facilmente poderia tocar com a mão livre. Tocaria com alguma dificuldade se usasse luva de algodão fino, mas, certamente, eu não seria capaz de conseguir a delicadeza de fraseado que poderia obter se a mão estivesse sem a luva. Porém, quando, a mão está envolta, também, por uma luva de lã, as dificuldades aumentam, e no caso de estar coberta, também, pela luva grossa, seria totalmente impossível tocar notas distintas ou executar algo que se assemelhasse à música. Esta tosca ilustração gráfica transmite o meu pensamento, de como o Ego ao descer a cada plano subseqüente, suas faculdades se tornam cada vez mais limitadas.
Ao contrário, quando após a morte, o Ego deixa o corpo físico, assemelha-se à mão libertada (segundo a minha comparação) da luva pesada. De modo semelhante, quando o corpo astral, ou a luva de lã, é abandonado, a mão fica ainda mais livre, e finalmente, quando o corpo mental, a luva de algodão, é abandonada, a mão está mais uma vez completamente livre. É óbvio que a mão desnuda tenha possibilidades de revelações na música, na pintura ou em qualquer outra arte, que não são possíveis à mão que esteja «velada».
Continuando minha comparação, quando um amigo constrói no Devachan uma forma-pensamento de um amigo nos moldes da personalidade desse Ego, o Ego do amigo vem viver na forma-pensamento e manifesta-se através dela. O amigo revela muito mais de seus atributos e responde ao amor a ele tributado, de uma forma mais ampla do que lhe seria possível através de seus veículos dos planos físico ou astral.
Há um outro mistério devido à natureza totalmente incompreensível do Ego. É que ainda que milhares de amigos de um Ego tenham criado milhares de formas-pensamento de sua personalidade, ele vem viver em todas elas, proporcionando a cada forma devacânica toda a felicidade almejada, que planejou. Como pode uma entidade, o Ego permanente, habitar milhares de formas-pensamento ao mesmo tempo? Isto é devido à misteriosa natureza do Ego. Para explicar essa natureza, tomemos de novo uma analogia, o cubo. A superfície de qualquer um de seus seis lados é um quadrado eqüilátero. Então, podemos imaginar que no caso de termos um micrótomo (3), seria possível retalhar o cubo em um milhar de quadrados. Cada um deles conteria a milésima parte da substância do cubo e não haveria distinção em grau ou natureza entre eles, uma vez que todos seriam parte do cubo.
De igual modo, assim é a misteriosa natureza do Ego que partilha da Natureza Divina, da qual é parte inseparável, e que tal como a Natureza Divina, pode manifestar-se em um milhão de miríades de formas - no limbo da grama, numa flor, numa árvore, numa cordilheira, no pecador e no santo - de modo semelhante o Ego pode «difundir-se» em tantas formas-pensamento quantas dele são criadas por seus amigos no Devachan.
Se o ensaio que venho até agora tentando elucidar, for correto - de que a alma humana que atua num corpo físico, atua através de três véus, primeiramente, o véu do corpo mental, em seguida sobre ele, o véu do corpo astral, e então sobre ambos, o véu do corpo físico - segue-se logicamente que tudo o que se refere à morte, como se concebe geralmente, deve sofrer uma mudança fundamental. Porque a morte nada mais é do que a rejeição do véu inferior, o corpo físico. A pessoa permanece, então, com os véus do corpo astral e do corpo mental. Segundo a hipótese teosófica, o véu astral é também eliminado logo ou em um período de vinte ou mais anos. A Alma permanece, depois, atuando no corpo mental e com o véu do corpo mental sobre a sua consciência, ele vive no Mundo Celestial, no seu Devachan, por um período que pode ser de alguns séculos ou de quinze ou vinte séculos, conforme a qualidade e a quantidade de aspirações desenvolvidas enquanto atuou através do véu do corpo físico, como também através do véu do corpo astral após a morte.
Entre as religiões do mundo, algumas há que possuem o que eu chamaria de atitude sensata perante a morte. A mais sensata é a do Zoroastrismo (4). Esta religião sempre salienta a elevada doutrina da Pureza e de que a conduta prática deve ser guiada unicamente pelas três virtudes de Pensamentos Puros, Palavras Puras e Ações Puras. A concepção do indivíduo como sendo uma Alma vivendo em um corpo é tão profunda que quando os primeiros sintomas de morte começam a aparecer, é admitido que tais sintomas são a indicação do início de impureza. Por esse motivo, todo aquele que tenha assistido a alguém nos estertores da morte o abandona, passando-o aos cuidados de uma casta especial dos Zoroastrianos o zelo do corpo no estágio final da morte. É totalmente inconcebível que a face seja beijada ou se toque a mão do corpo que está morrendo, no qual a impureza já apareceu. Haverá dor como, é natural, sem haver, contudo, a idéia de que a pessoa, de alguma forma, se tenha desmerecido, por ter passado através dos umbrais da morte.
Realmente, há a tradição de que a Alma da pessoa permanece três dias junto ao seu corpo e que após esse período, inicia uma jornada através de uma ponte, a «Chinvadpool». No meio da ponte defronta-se com uma de duas aparições. ele pode defrontar uma jovem maravilhosa, que é tão encantadora que ele indaga: «Quem és tu?» Ela responde: «Fui os teus Bons Pensamentos, tuas Boas Palavras, tuas Retas Ações». E, então, ele passa a ponte com ela para viver em estado de bem-aventurança. Porém, é possível que depare na ponte com uma bruxa horrenda e velha e ao fazer-lhe a mesma pergunta, esta responda: «Fui teus Pensamentos, Palavras e Ações Maus». ele é, então, atirado da ponte para o inferno a dentro e deixa de ser uma Alma. Desnecessário é dizer que os Zoroastrianos jamais imaginam que qualquer dos fiéis, a menos que negligenciassem os rituais, sejam tão iníquos que não passem pela ponte.
Na China, mesmo hoje, admite-se claramente que quem morreu, principalmente o chefe da casa, permanece com a família zelando pelos seus interesses. No aposento principal de uma casa chinesa há um altar onde ficam as «Tabuletas» dos antepassados, com os seus nomes e em destaque o do último. Na atualidade há, também, fotografias. Barrinhas de incenso são queimadas todos os dias, no altar. Mais que isso, tão forte é a idéia de que os antepassados permanecem ainda em contato com a família que, nos momentos de grande angústia, quando não surge nenhuma solução humana, costuma-se, pela prática de um determinado rito, invocar o auxílio dos antepassados para lançar uma luz sobre a situação. Isto não é feito por meio de qualquer processo do Espiritismo moderno. Além disso, anos antes de morrer é costume para uma pessoa providenciar o seu caixão e colocá-lo verticalmente em seu quarto. É também costume que durante os últimos anos as filhas e netas do chefe de família confeccionem a mortalha, na qual o seu cadáver será envolvido logo após a morte. Tudo é encarado como uma «realidade» e apesar de ser a morte considerada como uma perda, nada há de dor e desolação que caracterizam a fé de alguma das religiões, principalmente o Cristianismo.
Talvez seja na antiga religião do Egito que vamos encontrar as mais extraordinárias idéias - extraordinárias para os cristãos - acerca da morte. Todo egípcio tinha tanta convicção de sua vida além túmulo, que muitos anos antes de que esperasse poder morrer, ele preparava seu túmulo, e se tivesse recursos, um registro dos principais acontecimentos de sua vida era entalhado nas paredes do túmulo. Os egípcios mais instruídos iniciavam-se em determinadas cerimônias que lhes proporcionavam noções das condições do além túmulo. Parece que alguns ensinamentos místicos relacionados a um determinado grau na maçonaria foram transcritos no que é conhecido como o LIVRO DOS MORTOS. Em cada múmia egípcia de homem ou mulher, foram encontrados determinados capítulos do LIVRO DOS MORTOS. Um extenso papiro desse livro, com muitos capítulos e ilustrações, foi encontrado com a múmia Ani, do Museu de Londres. Neste papiro estão representadas cenas a serem realizadas depois da morte, onde a pessoa é conduzida pelo deus Anúbis ante o julgamento do Deus Osíris diante do qual está colocada uma balança, e perto dela permanece o deus Toth, com uma tabuleta na qual deverá ser escrito o julgamento de Osíris. Num dos pratos da balança é colocado um pequeno jarro simbolizando o coração do indivíduo; e no outro, uma pena simbolizando a Verdade. Se o braço superior da balança permanecer horizontal, a pessoa é julgada apta a viver entre os mortos bem-aventurados. Ele acrescenta, então, ao seu nome o do Deus Osíris, após o que o ser Ani é chamado depois do julgamento de Ani-Osíris. Antes do julgamento, ele narrou o que é conhecido como a «confissão negativa» em que repete: «Eu não tenho..., eu não tenho... » dizendo o que não fez, tal como espoliar as viúvas e seus filhos, remover limites de terrenos, e uma longa lista de outros atos considerados incorretos pelos egípcios. Mas, se no julgamento, a pena da Verdade eleva-se e o coração da pessoa baixa na balança, ele é condenado e lançado à boca de um monstro, descrito na cena, para que ele pereça completamente e seja aniquilado.
No Hinduísmo a suprema concepção concernente à Alma é de que é o absoluto Infinito Brahman, ou de alguma forma relacionada a Ele. Uma vez que o Hinduísmo estabelece o processo de Reencarnação como o mecanismo de libertação da Alma para a felicidade absoluta, naturalmente, não existe a idéia de que a morte do corpo físico de qualquer modo afete a consciência do indivíduo, como uma Alma. O corpo é cremado, segundo determinados ritos religiosos, e as cinzas lançadas ao mar ou a um rio sagrado. Então, uma vez que o indivíduo ainda esteja vivo, mas, de um certo modo, pode encontrar-se em situação desvantajosa, as cerimônias denominadas Shraddha são realizadas para proporcionar ao indivíduo uma tranqüila passagem para a vida mais elevada. Embora, naturalmente, haja dor pela morte de uma pessoa da família, não há o senso de desespero que se nota nas idéias de morte no Cristianismo.
As idéias da morte no Hinduísmo assemelham-se às do Budismo, que também ensina a Reencarnação. Esta religião menciona determinadas regiões invisíveis, chamadas Devalokas, ou o mundo dos Deuses. São citados alguns exemplos de mortos vivendo nesses Devalokas. Todo Bodhisattva antes de encarnar para ser um Buda fica aguardando no Tavatimsa Devaloka, o céu dos Trinta-e-três-Deuses. Um famoso incidente está relacionado ao menino Chatta Manavaka, que aos doze ou treze anos recebeu do Senhor Buda certos versos exaltando as Três Jóias e os Cinco Preceitos. Fazia parte do Karma do menino que ao voltar das férias com uma bolsa de ouro para o seu mestre, que vivia um tanto retirado, fosse assaltado por ladrões e assassinado. A história conta, então, que quando os pais e parentes foram notificados da morte do menino, reuniram-se no local da tragédia e expressaram sua dor pela catástrofe. Apareceu, então, no local, o Senhor Buda, que chamou Chatta do Mundo Celestial. Ao ser assassinado, ele se sentia tão feliz devido às Três Jóias e os Cinco Preceitos que lhe haviam sido dados, que se tornou inconsciente da morte e imediata mente passara ao Devaloka, o Mundo Celestial. Ao chamado do Senhor Buda, Chatta apareceu, com uma aura maravilhosa, visível para todos. O Senhor perguntou-lhe o que havia acontecido e o menino contou, então, em versos, o incidente de sua morte e a sua vida no Mundo Celestial. Tudo isso deu oportunidade ao Senhor para pregar um sermão aos seus pais e parentes, o que após foi dada a permissão para Chatta voltar ao céu. Vemos, portanto, que tanto no Hinduísmo como no Budismo existe uma idéia que está em contraste chocante com a que encontra mos no Cristianismo.
Porque, no Cristianismo, as idéias concernentes ao que sucede além túmulo, não somente são vagas, como intensamente materialistas. Supõe-se que algo misterioso acontece à consciência da pessoa após a morte, de forma a que cada uma de suas faculdades desaparece gradativamente, entra nas trevas, para reaparecer no Dia de Ressurreição. Durante esse tempo, a pessoa é considerada um corpo inconsciente, na sepultura. Temos um famoso hino religioso, freqüentemente cantado como um hino fúnebre, em dois versos:
«Pai, em Tua bondosa custódia,
Deixamos agora teu servo adormecido».
É esta idéia de «dormir» debaixo da terra, que é tão manifesta em todo o Cristianismo, que repetidas vezes os poetas repisam como tema, e sempre com a idéia de estar «dormindo». Assim, da poetisa Edna St. Vincent Millay, temos:
«Porque a chuva tem um som benévolo
Para quem jaz sete pés no subsolo;
E apesar da voz ou face amistosa,
O túmulo é uma morada silenciosa . »
Igualmente expressivo é Walter Savage Landor:
«Daqui a vinte anos, pode se dar
Que eu seja chamado a dormitar
Numa fria cela onde o trovoar jamais se ouvirá.
Haverá sobre meu verde arco celeste de capim
Um não demasiado suspiro triste: «ai de mim»!
E colherei esta palavra alada, antes que possas passar por mim. »
Talvez a mais lúgubre apresentação destas idéias incultas esteja em cinco versos de um hino religioso que uma vez foi cantado por crianças, na Escola Dominical:
«No adro, umas ao lado das outras,
Há muitas profundas e largas tumbas;
Algumas são cobertas por lousas,
Em outras a verde relva ressumbra.
Inúmeras crianças cristãs,
Homens e mulheres ali jazem;
E sempre passamos próximos a eles,
Quando vamos rezar.
Que idéia fúnebre é esta de apresentar à mente das crianças, acerca do túmulo e do cemitério com seus amigos que «não podem ouvir nossos passos, não nos vêem passar, não podem sentir o sol ardente que brilha sobre a relva.»
Uma tarde, num sábado depois da Sexta-Feira Santa, eu estava assistindo a um programa da BBC de Londres, durante a guerra, e ouvi um poema relativo à Crucificação, com esta estarrecedora frase, «Agora dorme o Senhor em Seu leito de pedra». Pareceu-me e parece-me ainda ser uma concepção totalmente incrível. Jesus Cristo foi o Filho de Deus, e é igual ao Pai, de acordo com o Credo de Atanásio. Embora tivesse a forma de Jesus e, no devido tempo, começado Seu ministério, Ele estava cônscio de Sua união com Deus, porque Ele disse: «Eu e meu Pai somos um», e também: «Meu Pai trabalhou até agora e eu continuo trabalhando».
Supor que depois da Crucificação todas as suas grandiosas faculdades tenham caído em uma espécie de torpor durante trinta e seis horas e que Ele jazia inconsciente «em Seu leito de pedra», é, para mim, falando francamente, blasfêmia.
É interessante notar que o Maometismo sempre reverenciou muito a Jesus Cristo, que é chamado «Issa», o filho de Miriam (Maria), mas jamais «o filho de Deus». Foi plenamente reconhecido como um Profeta de Deus, da mesma linha de profetas como Abraão, Moisés e Davi, e depois dEle, o profeta de Deus foi Maomé. É totalmente inconcebível para a mente do Muçulmano que a Divindade Universal, Alá, que criou o Universo todo, possa jamais ter tido um filho. Além disso, há a permanente lenda no Islã, de que o crucificado não foi o Profeta Issa. É inaceitável ao muçulmano imaginar que um profeta de Deus possa um dia passar pelas indignidades de crucificação, como é narrada na história Bíblica. A lenda muçulmana diz que apenas um simulacro, uma aparência, fora crucificado, porém, jamais o Profeta de Deus, Issa, filho de Miriam. Todo maometano piedoso sempre que menciona o Profeta Issa acrescenta, segundo a tradição: «que descanse em paz».
Todas as idéias do Cristianismo provêm do judaísmo, devido não terem os hebreus uma idéia clara de qualquer sobrevivência depois da morte.
Durante os três anos da missão de Jesus Cristo, Ele não discorreu sobre este assunto, porque em Sua missão era mais premente censurar a rígida formalidade do Judaísmo, no qual os líderes hipócritas «cobravam dízimos de menta, anis e cominho, omitindo assuntos mais importantes da lei, julgamento, clemência e fé.»
Por isso, quando morre uma pessoa em países cristãos, há o horrível conceito de que a pessoa amada não pode ter conhecimento do nosso amor constante por ela. Podemos continuar sofrendo devido à sua partida, porém, se lhe enviamos amor, há a idéia de que não pode tomar conhecimento dele, uma vez que está «adormecido». Possuir a firme convicção de que a pessoa amada partiu para uma espécie de extinção temporária e que tudo quanto resta está no túmulo, ocasiona dor intensa de todo desnecessária. E além disso, se apenas os cristãos concebessem a dor do «que partiu» quando ele encontra a cortina de ferro da convicção de que ele está «adormecido», da mesma forma quando ele tenta espargir consolo e reafirmar seu imorredouro amor, sente-se frustrado e apenas pode sofrer.
Hoje existem tantas provas acessíveis aos investigadores do moderno Espiritismo, que podemos ficar convencidos de que a morte não faz findar a consciência duma pessoa. É absolutamente certo que existem certas desvantagens no Espiritismo, porque não há certeza total de que a entidade comunicante seja realmente quem diz ser, embora apresente muitas provas de fatos anteriores à sua morte. Entretanto, a idéia de que na morte a pessoa «adormece» pode muito rapidamente ser posta de lado e uma idéia mais aceitável tomar o seu lugar. Enquanto eu tenho evidenciado sobre o pronunciado materialismo do Cristianismo, identificando tão intensamente o corpo físico com a Alma e sustentando que na morte a Alma permanece no túmulo em uma forma de extinção temporária, é verdade, que há, entretanto, uma outra face do Cristianismo que se expressa em muitos hinos de modo diferente. Nesses hinos a natureza devocional de oferta a Deus ou a Jesus Cristo é tão grandiosa que muitos cristãos vivem em pensamento de uma eterna comunhão no Céu com Ele. O tema, em várias formas, é «Para sempre com o Senhor». Muitos homens devotos ou mulheres ao morrerem, estavam tão intensamente conscientes deste: «Para sempre com o Senhor», que havia mui pouca idéia de jazerem em túmulo debaixo da terra. O intenso arroubo de devoção alça a consciência para além do véu do corpo tísico, e mesmo do véu do corpo astral para viver num estado de consciência mais elevado.
Ainda há a tradição na Inglaterra nas remotas partes do condado de Midland, de dizer de alguém que morreu que «ele foi para casa». Vi essas mesmas palavras: «Ele foi para Casa», em uma lápide ao norte de Londres, quando ia ser colocada no túmulo. Um nobre conceito relativo à morte é aquele que copiei duma lápide, num subúrbio de Londres: «A quem Deus levou para casa com uma mente tão pura como a laje sob a qual repousam seus restos mortais».
O exemplo mais expressivo deste elevado estado de consciência encontra-se em fato narrado no pequeno livro de Richard Hilary, intitulado: O Último Inimigo. Esta frase vem da Bíblia: «O último inimigo a ser destruído é a morte». Hilary tinha a seu crédito uma enorme folha de serviços prestados como aviador, tendo derrubado muitos aparelhos inimigos. Uma noite ele próprio foi atingido e seu avião projetou-se em chamas no Canal Inglês. Foi socorrido, com seu rosto gravemente queimado, permanecendo um ano no hospital onde os cirurgiões quase fizeram-lhe um rosto novo. Exceto nos seus olhos, houve grande mudança em sua aparência. Após ter tido alta voltou para o serviço aéreo. Continuou com seus vôos, mas novamente derrubado, sucumbiu.
No livro O Último Inimigo, Hilary narra o incidente de um aviador seu companheiro que fora derrubado e morto. Este piloto estava noivo quando perdeu a vida. Sua noiva trabalhava no serviço de guerra. Como é natural, a morte de seu amado causou-lhe um profundo golpe, mas foi notável a sua atitude para com o seu amado após sua morte. Sua convicção de que continuava vivo a seu lado era tão intensa e tão viva era essa fé, que Hilary que a conhecia muito, zombou dela por sua ilusão. Mas foi esta a, sua resposta: «Sei que nem tudo terminou entre mim e Peter. Reconheço com toda fé o que tanto você desdenha. Estaremos mais tarde juntos. Estamos juntos agora. Sinto-o constantemente junto de mim e esta é a minha resposta à sua vulgar conversa sobre os sentidos. Peter vive junto de mim. Nunca se afasta, está sempre presente. Nem mesmo quando ele era vivo, havia tanta ternura e intimidade entre nós como agora.»
«Acredito que vivemos nesta vida como se fosse em um aposento com as cortinas cerradas e as luzes acesas. Uma ou duas vezes, talvez, nos é permitido apagar as luzes e descerrar as cortinas. Então, por um momento, a escuridão de fora transforma-se em claridade e temos um vislumbre do que existe além desta vida. Não somente creio na vida depois da morte, como na vida antes da morte. Esta vida é para mim um intervalo, vivido em escuridão espiritual. Nesta vida nos encontramos num estado não de ser, mas de vir a ser.»
«Peter e eu estamos eternamente unidos; nossos destinos são idênticos». (5)
Estas palavras desta senhora tão espiritual demonstram que, embora envolta pelo véu do plano físico, era capaz de penetrar através desse véu e sentir a presença viva e intensa do ente amado, no mundo astral. É o único caso que conheço desta maravilhosa penetração dos véus.
Em geral, entretanto, a atitude para com a morte nos lares ingleses, reflete-se em seu hábito de «cerrar as cortinas» de todas as janelas. Há um lindo poema de Wilfrid Owen, um jovem poeta morto na Primeira Grande Guerra, com vinte e cinco anos de idade. Em seu «Antífona para a Juventude Condenada», as duas primeiras linhas são:
Que ressonância acompanha os que morrem como gado?
Somente o monstruoso furor dos fuzis».
Ele conclui o soneto, com três linhas, descrevendo o que acontecia ao chegar a notícia da morte de um soldado:
«A palidez do semblante das moças será sua mortalha;
Suas flores a ternura de mentes resignadas,
E cada lento anoitecer, um cerrar de cortinas.»
Na atualidade, é-nos quase que impossível conceber a lugubridade da atmosfera que rodeava um lar inglês, visitado pela morte, há sessenta ou setenta anos passados. O corpo era guardado em casa durante uma semana, enquanto se executavam os preparativos para o funeral. Tudo na casa ficava em silêncio e os que se moviam o faziam com muito pouco ruído, as vozes eram sussurradas e uma sombria atmosfera invadia a casa durante todo o tempo. Essa terrível atmosfera, como se pode imaginar, produzia uma profunda influência depressiva nas crianças. No final do período havia uma reunião das pessoas enlutadas. Todos trajados de preto, luvas pretas eram distribuídas pelo encarregado do funeral e o corpo era trazido para o andar térreo, para ser colocado no carro fúnebre, O próprio carro era preto, e naqueles dias, nos quatro cantos e no centro erguiam-se grandes penas de avestruz, tingidas de preto. Havia então a vagarosa procissão de carruagens atrás do féretro.
Ao mesmo tempo em que a atmosfera era solene, havia inevitavelmente um quê de melancolia, porque pensava-se todo o tempo: «Pai, em Tua misericórdia, deixamos Teu servo adormecido». O ritual era profundamente solene, com o sacerdote esperando o corpo no portão do cemitério, e enquanto se dirigia para o túmulo, repetia as palavras solenes: «Eu sou a Ressurreição e a Vida, disse o Senhor; quem crê em Mim, ainda que morto, viverá; e todo aquele que vive e crê em Mim, jamais perecerá.» Havia então o atirar solene de terra sobre o caixão, que já se achava a seis pés da superfície do solo, com as palavras: «Da terra à terra, das cinzas às cinzas, do pó ao pó.» Após esta parte cerimonial os parentes e amigos voltavam para casa, onde comiam uma refeição leve.
Algo desse aspecto sombrio tem diminuído, porque agora muitos cristãos (com exceção dos Católicos Romanos) dentro de três dias levam o corpo em seu caixão para o crematório, onde há um culto breve e solene. Com as palavras: «Da terra à terra» o ataúde desaparece das vistas passando a outro aposento onde imediatamente é consumido pelas chamas ou pela eletricidade.
O problema da Imortalidade da Alma não é resolvido pelas provas que o Espiritismo pode dar quanto à existência do indivíduo após a morte. Ainda que possa ser dada a prova indiscutível de que a entidade que se comunica através de um médium, é realmente a pessoa que «morreu», nenhuma prova real é dada de que a vida além túmulo é eterna, isto é, infinita no Tempo. Quem pode saber se depois de um ou de alguns séculos a alma deixa de existir? Portanto, o problema da Imortalidade é completa mente diferente.
Esta diferença encontra-se exemplificada no caso de Sócrates. Temos uma descrição completa de seu último mês na prisão, e uma real descrição de cena final. Sócrates, quando enfrentou a acusação de blasfemar contra os Deuses e corromper a juventude, sabia que seria condenado à morte por um júri hostil. Contudo, havia um elemento estranho que introduziu na vida de Sócrates um indescritível fator que ele designou como uma «voz interna» e à qual mais tarde os escritores chamaram de «demônio». Essa voz interna jamais instruiu a Sócrates sobre o que deveria fazer, mas toda vez que se propunha a fazer algo que não deveria fazer, aquela voz interna o dissuadia.
Sócrates narrou diversos casos da intervenção daquela «voz interna». Em sua alocução ao júri, depois de condenado à morte, disse que a sua sentença condenatória era justa, porque sua morte era algo de bom e não de mau. Mencionou que ao retirar-se do Tribunal, o seu «Demônio» - que o impedia de fazer o que não devia ser feito - nada disse naquela ocasião. Portanto, quando teve início a sua acusação, sabia que estava fazendo algo essencialmente bom. Depois de condenado, por determinadas razões, não lhe foi dada imediatamente a bebida mortal que é a cicuta, e um mês teria de ser transcorrido antes do dia fatal.
Naquela manhã bem cedo, seus amigos reuniram-se, como sempre, no portão da prisão e entraram em seu aposento. Por mais de um mês haviam procedido assim, e durante esse período, Sócrates continuou, como sempre, discorrendo sobre muitos temas relativos à natureza dos Arquétipos e da relação da Alma com eles. Quando chegou o dia, ele ainda estava conversando com um grupo de amigos quando o carcereiro entrou com o cálice de cicuta. O carcereiro notara que todos os que haviam sido condenados a beber a cicuta, ficavam furiosos com ele e o insultavam durante todo o tempo de prisão e de modo especial na manhã fatal. Mas como tudo foi diferente com Sócrates, que o tempo todo não se mostrara ressentido com ele, tendo realmente uma atitude amiga. Sócrates tomou o cálice como se fosse de vinho; indagou do carcereiro quais seriam os sintomas depois que o bebesse, e foi-lhe informado que deveria caminhar dentro de seu aposento até sentir suas pernas pesadas, quando deveria deitar-se. Assim aconteceu, e Sócrates deitou-se e acomodou-se para a hora final. O carcereiro, apalpando-lhe as pernas, viu que estavam ficando insensíveis e informou a Sócrates que quando a insensibilidade lhe atingisse a região do ventre o fim seria rápido. Sócrates havia coberto o rosto, mas repentinamente o descobriu e voltando-se para um amigo, disse-lhe: «Crito, devo um galo a Esculápio. Você não se esquecerá de pagar a dívida?» Crito prometeu. Sócrates, então, cobriu novamente o rosto e logo depois o carcereiro tirou-lhe a cobertura e anunciou que Sócrates estava morto. Como é natural, seus amigos sentiram intensa dor.
Esses amigos haviam sugerido a Sócrates vários modos para que se escapasse da morte, indo voluntariamente para o exílio ou aceitando uma penalidade. Sócrates não consentiu em nada que significasse fugir da morte. Ele sabia que a morte era o princípio da Imortalidade.
A atitude de Sócrates perante a morte foi devida ao fato de que já muitos anos antes ele se achava consciente de Imortalidade, através de suas especulações filosóficas, na maior parte intelectuais e sem experiências espirituais, exceto ocasionalmente, como as do seu «demônio». Sócrates encontrava-se tão embevecido na realização da Realidade Última, o Bem, a Verdade e a Beleza, assim como da real essência de toda vida visível e invisível, que em verdade viveu o tempo todo a vida da Imortalidade. Portanto, quando a morte lhe sobreveio, ainda que não possuísse informações detalhadas do que lhe sucederia, além da idéia geralmente aceita pelos gregos que se encontraria vivendo com os «mortos felizes», nos Campos Elísios, ele sentia, sabia e vivia o fato de que iria aos «Deuses» e compartilharia da Imortalidade ou indestrutibilidade no Tempo.
Um acontecimento famoso na vida de Sócrates foi o ensinamento por ele recebido, quando jovem, de Diotima, a profetiza de Delfos, relativo à Escada de Amor. Ela lhe explicou que pela descoberta da finalidade do Ser, que é a Beleza Absoluta, Verdade e Bondade, é essencial que se deva amar. Instruiu a Sócrates que primeiro o indivíduo deveria amar uma pessoa, e somente uma, com um sentido de perfeita oferenda. Uma característica desse amor seria a de quem ama, criar belas formas de pensamento, palavras e atos, resultantes da capacidade de amar, que tenha desenvolvido. Então, continuou Diotima, embora o amor se inicie como amor pela beleza exterior da pessoa amada, tempo virá em que amará alguém desprovido de toda a beleza. Mas ele persistirá em seu grande amor criando formosas dádivas para dar ao mundo.
Assim, como se galgasse uma escadaria, Diotima explica que a descoberta seguinte é que, se quem ama vê o que é digno de amar no seu amado, ele notará, também nos outros, essa mesma qualidade digna de ser amada, e começará então a amá-los. Em seguida, continuou Diotima, galgando a Escada de Amor, o amante começará a amar a beleza das Ciências e das Leis, e finalmente no topo da Escada se defrontará com a Beleza Absoluta, que foi o princípio dirigente em toda a sua longa experiência de amor.
Essa Beleza Absoluta não pode ser descrita em linguagem de experiência humana, nem tampouco por nenhuma analogia a qualquer ser ou coisa existente na terra. Mas, quem ama sabe que foi este princípio de Beleza Absoluta que o guiou todo o tempo para o cume da Escada de Amor, para finalmente realizar a descoberta da Beleza Absoluta. Não é preciso dizer que ver a Beleza Absoluta «face a face», por assim dizer, ser uno com a Imortalidade, e portanto, todo o sentido de morte desaparece da vida de quem ama.
A palavra «amor» tem muitos significados. Quando Cristo disse que o Primeiro Mandamento é amar a Deus, acrescentou: «o Segundo, semelhante a este, é que deverás amar teu próximo como a ti mesmo». É óbvio que não podemos «amar» nosso semelhante com a mesma intensidade de devoção e abnegação com que a mãe, por exemplo, ama seu filho ou um amante sua amada. A palavra «amor» nas palavras de Jesus Cristo possuía bem mais o sentido de Caridade perfeita, que jamais cometerá qualquer injustiça contra seu semelhante e compartilhará com ele o que de bom tenha encontrado.
Há uma espécie de amor raríssimo, embora tenha existido em alguns homens ou mulheres. É quando o amado é visto como uma visão do Divino, uma senda para Deus. Temos, pois, a primorosa narrativa do amor de Dante por Beatriz. Ao final de sua Vita Nuova (A Nova Vida) em um dos muitos sonetos fala de Mona Bice, que e a dama Beatriz. Ao concluir Vita Nuova, Dante escreveu: «se eu viver mais alguns anos, espero dizer dela o que jamais foi dito de mulher alguma». A última parte da Divina Comédia, Paraíso, é inseparável da vida, no céu, de Beatriz.
Na grande criação de Dante, A Divina Comédia, duas entidades o guiam em sua jornada. No purgatório, o poeta Virgílio vem ao encontro de Dante, enviado, diz ele pela mensagem de uma dama no céu, para guiá-lo na sua jornada pelo mundo dos mortos. Virgílio é o símbolo da perfeita sabedoria humana. Porém, chega o momento na jornada de Dante, em que ao passar do Purgatório para o Paraíso, uma outra pessoa vem para conduzi-lo. É Beatriz, a sua amada, que é o símbolo da Sabedoria Divina. É ela quem o guia de uma esfera celestial para a outra. Imediatamente ele fica de tal forma absorvido na maravilhosa beleza de Beatriz, que cai em êxtase. É então que, «cativando-me com um sorriso», dirige-me estas delicadas palavras: «Presta atenção ao que te rodeia. porque não somente em meus olhos existe o Paraíso». Realmente, somente enquanto estava absorto na visão de Beatriz, é que descobre que passou de uma esfera celestial para a outra mais elevada.
É esta mesma intensidade de um apaixonado para com a sua amada, que encontramos na lenda persa, onde Zuleica fala de seu querido Yusufo:
«Eu enrolarei o tapete da vida quando vir
De novo teu querido rosto e deixar de existir;
Porque o Eu se perderá nesse êxtase, e todos
Os meus pensamentos se terão ido embora.
Serás a minha alma no lugar da minha própria alma,
Todos os pensamentos do Eu se varrerão da minha mente,
E Tu, só Tu, em meu lugar te encontrarás;
Mais precioso que o céu e a terra mais querida,
Meu Eu será olvidado se Tu estiveres perto.»
Da mesma forma a monja Heloísa expressa o seu amor a seu esposo Abelardo, o monge:
«Meu coração não estava comigo, mas contigo.
Porém, agora, mais do que nunca, se não está
contigo, não está em parte alguma. Porque sem
ti ele não pode existir em parte alguma...
Privei-me de todos os prazeres para obedecer-te.
Nada reservei para mim, salvo ser
inteiramente tua. »
No incidente da senhora inglesa narrado no livro de Richard Hilary, ela transcendeu os limites da morte, porque seu amado estava com ela o tempo todo. Viveu nesse tempo, com um sentido de imortalidade. Porém, uma vez que a nossa natureza humana é construída de tal forma, que as memórias se desvanecem lentamente, pode muito bem ser que no seu caso a intensidade de sua realização de unidade com o seu amado tivesse diminuído paulatinamente. Mas isso não significa que desaparecesse completamente de sua vida. Seria uma transformação como a descrita por Ruskin, que desde criança notara a beleza, a cor e o contorno das nuvens. Esta compreensão de sua beleza aumentou ao atingir a maturidade e em seus trabalhos sempre mencionou as nuvens. Ruskin, já idoso, conta que sua resposta emocional à beleza das nuvens diminuíra com a idade, indubitavelmente. Contudo, disse que, em substituição à resposta emocional, adquirira um sentido espiritual mais profundo da beleza das nuvens. Em outras palavras, se na fase de sua vida, via as nuvens através do véu do mundo físico, e do véu do mundo astral, chegara uma época em que ele transcendera mesmo o véu da consciência astral, e «vira» as nuvens através do véu mais sutil do corpo mental.
A respeito de duas almas que são totalmente devotadas uma à outra, cujo amor é baseado no espírito de sacrifício, temos a extraordinária exposição feita em 1875 por um Adepto da divisão egípcia da Grande Fraternidade, assinada sob o nome de «Serápis».
«Saiba, á meu Irmão, que onde um verdadeiro amor espiritual busca consolidar-se duplamente por uma união permanente e pura de duas pessoas, no seu sentido terreno, não comete nem pecado nem crime aos olhos do Grande Ain-Soph, porque nada é senão a divina repetição dos Princípios Masculino e Feminino - o reflexo microcósmico da primeira condição da Criação. Em uma união como esta, podem os anjos até sorrir! Porém, são raras, Irmão meu, e só podem existir sob a supervisão sábia e amorosa da Loja, a fim de que os filhos do barro não se degenerem totalmente e o Amor Divino dos habitantes das Altas Esferas (Anjos) pelos filhos de Adão, continue. Contudo, mesmo estes têm de sofrer, antes que sejam recompensados. O Atma do Homem pode permanecer puro e altamente espiritualizado enquanto unido ao seu corpo material; por que duas almas em dois corpos não permaneceriam assim puras e incontaminadas, não obstante a união passageira e terrena destes últimos?...» (6)
Serápis
Deve-se notar que o Adepto não fala de dois amados comuns, por mais devotados que possam ser, mas sim dos que são caracterizados por um «verdadeiro amor espiritual», isto é, daqueles em que ambos se empenham no grande trabalho de redenção da humanidade, dirigidos pela Grande Hierarquia. Em outras palavras, os dois são discípulos dos Mestres da Sabedoria, ainda que necessariamente não o sejam do mesmo Mestre, porque provavelmente pertencem a dois Raios diferentes.
No caso de duas almas assim, tem lugar então um ato especial da Grande Hierarquia fazendo dessas duas almas «uma e não duas». Porém, este ato especial é exclusivamente com o propósito de fazer com que os dois tornem-se um canal maior para as forças do alto. Se designar mos cada uma delas pelo número 1, pode então ser dado no caso comum de devoção, como 1 + 1 = 2. Mas quando tem lugar o ato especial dos Adeptos, não é mais 1 + 1 = 2 e sim 2 ao quadrado, isto é, 2² = 4. Em outras palavras, o canal para o fluxo das forças mais elevadas não se constitui de dois canais de valor 1, porém, de um grande canal unido com o valor 4.
Além disso, quando estas duas almas devotadas ao Grande Trabalho, através de um crescente amor mútuo revelam cada vez mais a Luz interior, sua qualidade como um canal unido para o Trabalho e para aquela Luz aumenta em proporção geométrica, em cada vida. Quando iniciam com 4, na vida seguinte tornam-se 2 x 4 = 8, e na outra 2 x 2 x 2 x 2 = 16, e assim por diante num esplendor e utilidade sempre crescentes.
Porém, o iniciado especifica que ainda que esta união «somente possa ser criada sob a sábia e amorosa supervisão da Loja», «mesmo estes devem sofrer antes de serem recompensados». Por que deve o sofrimento ser um elemento inevitável deste processo de união altamente espiritual? Apenas posso sugerir a resposta com uma analogia. Nestes dias de vôos a longa distância, o piloto ficará uniformizado todo o tempo, mesmo durante os poucos dias de espera, no seu destino, para voltar a viajar. Levará consigo um mínimo de bagagem, possivelmente apenas roupa interior. Esta diminuição do número usual de sacos, malas, etc., é necessária devido às condições do vôo. Do mesmo modo duas almas entregues à Grande Obra, devem libertar-se de muitos tipos de carma pesado, que limitaria a sua eficiência no trabalho. Este «pagamento do débito cármico» necessariamente envolve muito sofrimento agudo, estendendo-se provavelmente por muitos anos. Mas quando esta tragédia da «crucificação» estiver terminada para cada um, naquela vida, pode ocorrer a ação da Grande Loja. A partir daquele momento as duas almas passam a ser «uma» e não «duas».
Há o fato interessante a partir do momento em que as duas almas tornam-se «unificadas» pela ação dos Adeptos, pois os seus carmas se interpenetram. É como se os dois carmas fossem dois tanques ligados por um tubo. Se o nível de um eleva-se, o do outro também se eleva, até que ambos fiquem no mesmo nível. Se o nível de um tanque diminui, ocorre o mesmo ao outro. O sofrimento de um é compartilhado pelo outro, bem como a alegria de um junta-se ao regozijo do outro. E assim através das idades, ambos caminham lado a lado, passo a passo.
A Escada do Amor elevado e perfeito não é a única escada pela qual as almas podem alcançar o reino da Imortalidade. Existem outros meios de resposta. Um deles é a resposta à mensagem dada pela Natureza. Entre os poetas da Inglaterra, Wordsworth sentiu mais intensamente esta mensagem. Era necessário que estivesse só para a grande experiência descrita nas seguintes palavras:
«aquela abençoada maneira,
Em que o fardo do mistério,
Em que o pesado e molesto peso
De todo este mundo ininteligível
É iluminado; aquela serena e abençoada maneira,
Em que as afeições gentilmente nos conduzem,
Até que o alento desta corpórea estrutura,
E mesmo a circulação do nosso sangue humano,
Quase suspensa permanecemos adormecidos
No corpo, e nos tornamos uma alma vivente;
Enquanto que com a visão serenada pelo poder
Da harmonia, e do profundo poder da alegria,
Vemos a íntima vida das coisas».
Oferece-nos uma descrição muito clara daquela experiência - «permanecemos adormecidos no corpo, e nos tornamos uma alma vivente». Porque ele tornou-se «uma alma vivente» desde que soube o que era Imortalidade, ainda que dificilmente a tenha concebido no sentido em que agora emprego «Imortalidade».
Há também outros meios de realização. Cada Alma tem o seu próprio caminho para o Mais Elevado. Algumas respondem à mensagem da Natureza, ao ouvir essa mensagem de uma grande cadeia de montanhas; para outros, a mensagem vem do mar; para outros, ainda, das colinas, dos vales ou dos lagos; alguns a encontram numa flor, bela como o lótus, ou numa rosa, porém, de igual modo, se existe a forma adequada de resposta, a Imortalidade pode ser encontrada na mais pequenina flor silvestre.
O mesmo acontece com a música em alguns. Há determinados momentos intensos de resposta nos quais, em realidade, o ouvinte está «adormecido» no corpo e torna-se uma alma vivente».
Não é possível sentir isto nos modernos salões de música, em que imediatamente após a música, ruidosos aplausos rompem completamente o encantamento. Mas, em Londres, tenho ouvido música fina, em meu próprio aposento, executada pela orquestra da B. B. C. de Londres. Naturalmente, assim que termina a música tenho de levantar-me e desligar o rádio, a fim de não ser interrompido o meu encantamento, pelos horrorosos aplausos. Mas tenho percebido ao final de uma sonata ao violino, quando o violinista termina com uma determinada nota, que vai morrendo, que tenho entrado em contato com a Imortalidade.
Algo dessa mesma percepção da Imortalidade é possível para todos ao ouvirem a abertura de Lohengrin, de Wagner. Esta descreve o Santo Gral enquanto descansa no céu rodeado por anjos adoradores, que o trazem lentamente para a terra e depois o levam de volta. Nesta abertura que descreve o Gral, no Céu, os violinos tocam suavemente uma nota muito aguda durante várias dezenas de compassos. Lentamente são os violinos seguidos por outros instrumentos, todos com muita delicadeza, revelando na música a lenta descida do Santo Gral. Vem, então, o momento em que o Gral carregado pelos anjos atinge a terra, e a orquestra toda triunfantemente une-se num magnífico volume de sons durante algum tempo. Este grande volume de música diminui lentamente enquanto os anjos voltam com o Santo Gral para o Céu, e finalmente a música, como de início, resume-se em uma nota aguda dos violinos, que lentamente se esvai.
É estranho que algumas vezes em música a realização final da grande mensagem transmitida por ela, possa ser sentida através de uma simples pancada dum timbale. Há um exemplo em Anel de Nibelungos, de Wagner, onde à medida em que a música termina lentamente, há essa suave pancada final no timbale, que se assemelha a uma chave que abre a porta do mistério.
É um fato em nossa experiência de que os momentos de realização são intermitentes. É como quando ascendemos ao cume de uma montanha e de lá observamos um grande panorama. Porém, depois descemos ao vale. Carlyle, ao descrever certa vez o efeito produzido pela música, disse: «A música é uma espécie de expressão inarticulada, insondável, que nos conduz à orla do infinito e deixa-nos por momentos a fitá-lo». De igual modo, cada um, de acordo com o seu próprio temperamento, tem estes instantes do vislumbre do que existe além da vida transitória na imortalidade.
A questão é, seria possível ter-se a concepção da Imortalidade, da vida Infinita, o tempo todo, sem interrupção? Isto requer novo e elevado tipo de Ioga. Apenas posso descrevê-lo por uma comparação. Em primeiro lugar estamos equivocados ao supor que o passado é passado. Há uma maravilhosa verdade na frase: «O Eterno Presente». O passado pode ser revivido no presente se conhecemos a técnica. O primeiro passo é recordar o que sentimos no topo da montanha e, então, reviver a intensidade de nossa experiência ainda que algo dela se tenha esvaecido de nossa consciência. Então todos os momentos de arroubo - não somente na Escada do Amor como em qualquer outra Escada - precisam ser revividos por nós. Temos que dispor cada experiência do passado como se fossem pérolas enfiadas em um fio de prata (ou cento e oito contas, como na Índia) e fazer delas um rosário.
A pessoa devota segura o rosário em suas mãos e pegando cada pérola ou conta repete uma pequena oração. Isto é feito horas seguidas, exceto quando há preces mais longas e formais. Igualmente, devemos fazer dos momentos de exaltação do passado um rosário, de forma que quando vivermos de novo esses momentos, todo o passado se transforme para nós em um vivente Presente. Cada momento do passado, quando estávamos no cume da montanha e olhando além víamos um panorama, significava realmente viver no tempo em comunhão com a Imortalidade. Por conseguinte, quando nos adestramos com nosso rosário, o Tempo cessa com seus elementos de morte, porque estamos vivendo sempre na Eternidade, unos com a Imortalidade.
Se, como na minha tese e na de Sócrates, se é consciente da Imortalidade, durante toda a vida e desde que toda a vida é uma prisão, pode-se perguntar: Por que não escapar da prisão pelo suicídio?
Os romanos consideravam-se donos de suas próprias vidas, e quando perdiam o interesse pela vida, suicidavam-se, considerando o seu direito absoluto nesse particular. Era usualmente executado tomando banho quente e secionado as veias, ou como o fez o famoso Catão, de Utica. Catão fora derrotado por César, mas não fora morto em batalha; ele não podia admitir tornar-se prisioneiro de César, pois supunha que este iria proclamar-se rei e abolir as liberdades de Roma. Catão leu então o Phaedo, diálogo de Sócrates sobre a Imortalidade, e persuadiu um escravo a segurar uma espada fixa em um determinado local, e então caiu sobre ela.
No Japão, quando dois amantes, possivelmente um deles casado, viram negada pelo destino a realização de seu amor, e fugindo de um para outro lugar, sentiram que estavam em vias de serem capturados pela polícia, resolveram suicidar-se, afogando-se. Como budistas, acreditavam na continuidade da vida após a morte. Assim, no drama de Chickmatsu, O Suicídio de Amor em Imajima, os dois amantes suicidam-se dizendo: «Seja-nos permitido renascer juntos no lótus», que significa: Seja-nos permitido gozar perpétua bem-aventurança no Paraíso.
Ninguém os criticou, porém, compadeceram-se deles. Contudo, um poeta japonês se abalança a dizer que os dois não deviam ter-se rebelado contra o destino e que melhor seria se tivessem escrito um poema sem expressar rebeldia, mas um outro pensamento sobre a vida, deixá-lo sobre a margem e então pular na água.
Sócrates, em sua réplica à questão do suicídio, tomou uma outra direção. Disse que não nos pertencíamos, e que éramos «servos de Deus» e, portanto, devíamos esperar a Sua decisão pa ra então sermos libertos da prisão desta vida.
A tarefa de tornar-se uno com a Imortalidade não pode ser realizada pelas experiências de uma existência, ainda que espirituais. Reconhecer a Imortalidade enquanto em um corpo mortal, significa possuir a faculdade de ver através dos sete véus que envolvem a consciência. De outra forma, significa viver num corpo físico como uma personalidade e ao mesmo tempo como Mônada, que é eternamente una com o Divino - «O Filho no seio do Pai.» Muitas vidas de experiências são necessárias, e em cada uma haverá um Calvário e uma Crucificação. Porque toda a escória deve ser lançada fora dos veículos da alma, e todo o mau Carma, quer dizer, Carma negativo, tem de ser esgotado, a fim de contemplar com visão clara a Alma das Coisas, e sentir em sua pureza máxima a sístole e a diástole da Alma do Mundo.
Entre as Almas existem sete temperamentos fundamentais, e por todos eles uma vereda a ser trilhada. Usei a comparação da Escada. Há urna Escada de Amor, uma Escada de Sabedoria, outra de Devoção e ainda mais quatro outras. Em cada existência um ou mais degraus serão galgados. Faz parte do destino de cada Alma galgar todos os degraus da Escada. Daí ser o sofrimento inevitável, porque até que atinjamos o último degrau da Escada, nossa vida é como um padrão de tecido em uma fazenda, cuja trama e urdidura constituem os sofrimentos e as alegrias. Dia virá em que quando «todas as mortes se tiverem cumprido» e a Alma for una com o Fulgor Eterno, o sofrimento será apenas um sonho da noite que terminou.
É meu Darma, minha Tarefa, como um fragmento do Divino, trilhar a Escada do Amor. Deve ser trilhada não no interesse de um amor no qual devo regozijar-me - ainda que esse amor seja inevitável - porém, no interesse da Grande Obra. O tema da vida a ser vivida foi apresentado pelo Senhor Buda ao enviar Seus primeiros mensageiros a «tocar o tambor do Imortal» (amatam, amritam), para que os homens ouvissem falar do Caminho: bahujana hitãya, bahujana sukhãya, lokãnukampãya, sukhãya devamanussãmãm - «para o bem estar de muitos, para a felicidade de outros, por meio da piedade do mundo, para a felicidade dos Devas e dos Homens». Mas palmilhar a Escada do Amor acarreta carregar a Cruz pela estrada do Calvário e lá sofrer a Crucificação.
Há trinta e oito anos, quando viajava sozinho num vagão ferroviário, tive uma visão do Caminho à minha frente. Rapidamente transcrevi a visão nos versos que se seguem. Penso que a facilidade e a rapidez da composição devem-se a uma profunda recordação de experiências tidas em muitas vidas passadas, enquanto galgava um degrau após outro na Escada do Amor.
A mais alta conquista do Amor
São apenas despojos,
Não esqueças coração;
Cada prazer agradável
É apenas a medida
De uma nova dor.
Quanto mais doce o amor,
Mais rápida a constatação
Da alegria que é sofrimento;
Ainda que nuvens ocultem o sol,
Não pares no caminho,
Jamais.
Sorrisos e risos de amor,
Em seguida a renúncia,
Se o Amor floresceu;
Até que o resplendor do sol
Intrépido possas fitar,
E, contudo, sobreviver.
Pela Escada do Amor,
Sem sim ou não,
Deves agora galgar;
O coração fanado, mas florescente,
Negado, mas dotado -
Ó destino sublime.
Não sabia então que a visão era a profecia do que me esperava em dias futuros, O fato é que cada um «sem sim ou não, deve galgar» a sua Escada. Uma vez entrando na Senda, não há retorno, nem certamente parada, exceto durante um breve tempo de recuperação de suas forças para galgar os degraus seguintes. Além disso, uma vez tenha a Alma visto a ofuscante visão de luz, permanecerá «até que o resplendor do sol intrépido possas fitar, e contudo sobreviver». A Alma bastante atemorizada preferiria recusar-se, mas não pode. Deve aprender a técnica de revelar aquela Luz a todos os homens, regulando sua deslumbrante glória para satisfazer a seus olhos. A Vida, enquanto paga os seus débitos ao Carma, o negará de quando em quando. A despeito de toda a angústia e atribulações, deve prosseguir «dotando» a outrem com as dádivas do espírito. O destino escolhido é em realidade «um sublime destino». Apenas conhece a agonia da Crucificação, e ainda não lhe foram reveladas a Ressurreição e a Ascensão. Contudo, o «Pai em Deus», por quem está sendo treinado e de cujo trabalho participa, vê por ele a inevitável Ressurreição e a glória da Ascensão; «os sempiternos braços dos Líderes» envolvem-no e, aquele «Pai em Deus», uno com ele em camaradagem e Fraternidade, vigia-o e o mantém em suas terríveis provas. Apesar de sentir-se totalmente isolado e só, e a tarefa parecer-lhe superior às suas forças, não deve perder a fé, dizendo mesmo no mais profundo abismo do inferno: «Ele sabe, Ele sabe».
POSFÁCIO
Quando esta pequena obra Os Sete Véus Sobre a Consciência for publicada, terei completado meus setenta e sete anos de idade. Posso agora olhar retrospectivamente e ver qual o resultado de meu trabalho. Consta de duas partes; a primeira, como um trabalho teosófico, e a segunda, na minha vida privada, como um indivíduo à procura de felicidade.
Meu bom Carma de vidas passadas concedeu-me o privilégio de nascer num ambiente budista. Isto trouxe duas vantagens. A primeira de ter entrado rapidamente sob a influência do Senhor Buda, Sua Lei e Sua verdadeira Sangha. Como menino, conheci naturalmente as idéias sobre a Reencarnação e Carma, e além disso, familiarizei-me com a idéia dos Grandes Seres denominados Arats. A segunda foi de que tendo nascido de uma família budista, estava completamente livre do preconceito de casta, que teria influenciado meu caráter, em criança, se tivesse nascido em uma família hindu. Atualmente muitos dos nossos ativos teosofistas na Índia, ainda que nascidos brâmanes, tiveram que se desembaraçar dos grilhões da casta, mas, não obstante, alguma coisa dessa deformação original permanece.
Um irmão de uma vida passada, C. W. Leadbeater, foi enviado a Ceilão em 1886, relacionado a um trabalho sobre a educação budista. Antes de partir, seu Mestre o havia informado de que um irmão seu, assassinado quando eles eram meninos, reencarnara-se no Ceilão (7). Deveria, então, encontrar aquele irmão, e depois de durante alguns anos observar vários meninos, finalmente o descobriu em mim. Falou-me, então, acerca dos dois Mestres relacionados com o Movimento Teosófico, e perguntou-me qual deles eu queria seguir. Decidi sem hesitação pelo Mahatma Koot Hoomi - presumo que devido a elos anteriores com meu «Pai em Deus».
A partir daquele momento da decisão, um novo Carma começou a operar-se imediatamente, porque era necessário, como candidato a colaborador no serviço dos Mestres, que eu fosse levado para a Inglaterra para ser treinado de diversas maneiras. A dificuldade surgiu quando cautelosamente sugeri a meus pais a idéia de deixar o Ceilão, pois demonstraram violenta oposição, porque para eles, em 1889, a Inglaterra era uma espécie de Ocidente selvagem e bárbaro. Disseram-me que iam mandar-me ao colégio em Colombo. Fazer o que, então? Sem dúvida, havia somente uma saída, a de fugir de casa. Meu irmão cuidadosamente planejou tudo e entrou em contato com o imediato de uma escuna, no porto de Colombo, no qual ele e alguns de nós crianças costumávamos nadar de vez em quando. Foi combinado que o imediato me receberia e esconderia até o navio deixar Colombo, a caminho da Inglaterra, via Cabo. Meu irmão ficou de encontrar-me mais tarde em determinado ponto do Canal Inglês. Tudo deveria ser feito em segredo, a fim de não ser. descoberto.
Comprei uma sacola e nela coloquei algumas roupas e um volume de Júlio Verne, Vinte Mil Léguas Submarinas. Numa determinada tarde fui com minha sacola a uma estação suburbana na qual encontrei um marinheiro a quem a entreguei. Tinha de fugir nessa noite. Como de costume, minha mãe visitava alguns amigos ao escurecer e eu a acompanhei. Como fora planejado, enquanto ela se encontrava com seus amigos, fugi, encontrando meu irmão na praia. Era tempo das monções e soprava um vento forte com arrebentação das ondas do mar. Meu irmão informou-me que não muito longe estava um bote para o qual devia nadar. Estava apenas de paletó e tanga, que lhe entreguei, e então, nu como viera ao mundo, lancei-me ao mar. Afortunadamente não tive que nadar para muito longe e logo encontrei o bote e fui içado para dentro. Lembro-me vividamente que, enquanto estava agachado no bote, nu, sentia o frio vento das monções. Fui recolhido pela escuma, recebi do pelo imediato e levado para o camarote do capitão que se encontrava em terra por alguns dias até a partida do barco. Fiquei fechado em seu camarote, com um haede para as minhas necessidades fisiológicas. Minha sacola estava no camarote, onde traziam-me as refeições. Ali, permaneci durante trinta e seis horas.
Nesse ínterim houve naturalmente grande alvoroço em casa, porque eu não havia voltado. Minha família procurou-me por toda a parte, até que no dia seguinte, meu pai teve a idéia de que meu irmão C. W. Leadbeater talvez soubesse onde me encontrava. Foi procurá-lo e ameaçou-o com um revólver, mas meu irmão naturalmente não disse uma única palavra acerca de meu paradeiro. Ao fim de trinta e seis horas a família havia se conformado com a situação e prometeu que se eu voltasse, poderia partir com meu irmão, com a sua bênção formal. Aconteceu que o navio que já deveria ter partido, adiou sua partida por mais alguns dias. Voltei, então, com meu irmão, para a casa de meus pais. Senti muito ter perdido a oportunidade de ser marinheiro.
Um fator estranho em todo esse incidente foi o de não ter tido o mais leve momento de vacilação nem de excitação pela aventura. Foi como se tivessem escrito um drama em que eu era meramente um ator, sem nenhum sentimento pessoal no assunto.
Com o decorrer dos anos, obtive meu diploma na Universidade e meu conhecimento de Sabedoria cresceu com regularidade. Possuía uma aptidão natural para abarcar amplas perspectivas e assim todos os ramos de conhecimento como Religião, Ciência e Artes, foram consolidados em uma única filosofia teosófica. Tudo isso fazia parte de minha vida - como um trabalhador teosófico.
Desejo agora revelar, pela primeira vez, algo de minha vida íntima, esperando que os que o lerem, vendo qual foi o meu destino, permaneçam firmes em sua dedicação ao trabalho a eles confiado, a despeito do que o Carma possa trazer-lhes.
Minha primeira crucificação foi na noite em que o navio deixou o porto de Colombo. Movia-me em meio do estranho drama acima narrado, e fugira de casa sem sentir estranheza alguma do que estava fazendo. Mas naquela primeira noite dei-me conta do que havia perdido. Eu gostava imensamente de meu primo, menino mais moço do que eu um ano. Nunca havia manifestado a minha amizade por ele. Mas naquela noite no mar, compreendi que me afastava para longe dele e chorei amargamente. Meu irmão que se achava no camarote, sentou-se ao meu lado, mas nada disse. Que poderia ele dizer? Finalmente adormeci chorando.
Aquela noite, meu «Pai em Deus» chamou-me a Si e recebeu-me como um discípulo em prova. Resultou verdadeiro, no meu caso, o que é dito em «Luz no Caminho»: «Antes que a alma possa permanecer em presença do Mestre, seus pés devem ser lavados no sangue do coração». Naquela noite, os pés de minha alma foram lavados no sangue de meu coração. Eu tinha então treze anos e esta foi a primeira de minhas muitas crucificações, que o Carma me havia assinalado, tanto para purificar-me como para tornar-me mais eficiente como trabalhador na Grande Obra.
Transcorreram-se os anos desde a meninice até a maturidade, marcados pelo esforço de minha vida interior. De vez em quando havia breves períodos de felicidade, mas também de crucificações. Chegou, então, o dia em que teria de carregar a mais pesada cruz de todas as minhas vidas passadas e empreender uma longa peregrinação para o Gólgota, e lá sofrer a mais pungente crucificação. Levou vinte e dois anos, e não houve hora, dia e noite, em que não sentisse sua pungente agonia. Porém, nada demonstrava em meu rosto, enquanto atendia aos meus afazeres. Meu único alívio era o rosto das crianças. Ninguém o sabia a não ser meu «Pai em Deus». Ele, porém, apenas vigiava, porque há muito Ele dissera: «quem corre rapidamente deve pagar por sua rapidez». Porém, finalmente, esta crucificação terminou e houve um breve período de paz e alguns momentos de alegria. Mas como os débitos do Carma deviam ser pagos, uma outra crucificação iniciou-se.
Aguardam-me, em vidas futuras, algumas crucificações, porém, menos angustiantes e por períodos mais breves, à medida que diminua a conta de meu Carma negativo. Somente quando houver transcendido os sete véus, e encontrar-me no umbral da Divindade, as crucificações cessarão. Ingressarei, então, na Luz, embora nunca toque a chama. (8)
Meu «Pai em Deus», a fim de dar-me a visão e a força para um trabalho maior, por duas vezes revelou-me alguns vislumbres do futuro. Não explicarei como se pode ver o futuro. A primeira visão é de um longínquo futuro concernente ao trabalho que terei de realizar quando a onda da vida for transferida para o próximo globo. Vagarosamente registrei algo daquela visão usando a facilidade de escrever que eu possuía. Apareceu em um pequenino livro intitulado Flores e Jardins. Em outros livretos, A Criança Maravilhosa e Libertação, tentei expressar outros aspectos do futuro.
A segunda visão do futuro foi-me dada exatamente quando a longa crucificação de vinte e dois anos teve início. Rapidamente escrevi sobre aquele futuro em outro livreto, Oferenda. Porque esta visão foi-me revelada por meu «Pai em Deus», a fim de que, embora tivesse de suportar terríveis sofrimentos, haveria um dia em que eles cessariam, e o trabalho que eu tivesse de realizar na Eternidade, não teria nenhuma sombra de dor, porém, seria repleto de sublime alegria.
Há quarenta e um anos em Chicago, num arroubo de inspiração, delineei meu Plano de Devachan, meu futuro Mundo Celestial, e escrevi estas três frases abaixo. Dou este plano para todos examinarem. «Ji» é um gato, meu amigo, que se individualizou em uma alma jovem. «Jack» era um fox-terrier e «Nick» um grande cachorro viralata mantido em ordem pelo pedigree Jack. Ambos pertenciam aos meus amigos Sr. e Sra. W. H. Kirby, da Itália, em cuja casa freqüentemente me hospedava. Todos verão que em meu Mundo Celestial não há lugar para falar de teosofia ou escrever livros. Contudo, em todas as vidas futuras exporei a Sabedoria em palestras, livros e poemas. Porém, antes de poder eu dar mais do que possa ter dado, preciso receber mais. Temos que compreender que a Sabedoria não é somente encontrada em livros ou através de Gurus. Ela se revela onde houver vida ou forma. Todas as «janelas» em meu Plano abrem-se para Luz do Logos. Por esta Luz fluirão sobre mim novas revelações da Sabedoria. Receberei então diretamente do Logos, visões e realizações de novas dimensões, uma após outra, da Sua maneira de dar-se a Si mesmo para nós, na máxima plenitude do Bem, Verdade e Beleza.
Nãnyab panthãh vidyate ‘yanãya.
«Não há outro Caminho a seguir»
* *
Dahin! Dahin!
Möcht’ ich mit dir, o mein Geliebter, ziehm!
Para lá! Para lá
Ó meu Amado, precisamos caminhar!
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(1) QUANTUM, s.m. (pl. QUANTA). Quantidade discreta de energia transportada por um fóton e que é emitida ou absorvida num processo elementar único. (N.T.)
(2) Aconteceu em Adyar. Olhando para o Ocidente, da varanda superior, do Edifício Central.
(3) Micrótomo é um aparelho usado na técnica histológica para obter cortes de tecidos com espessura microscópica. (N. T.)
(4) Zoroastrismo ou Masdeísmo é a religião de Zaratustra, o deus supremo dos povos iranianos, na qual se admitem dois princípios - o do Bem e o do Mal - e se adora o fogo como símbolo. (N.T.)
(5) Transcrito com a permissão dos editores, Srs. Macmillan e Cia.
(6) Carta 19. Cartas dos Mestres da Sabedoria - Segunda Série.
(7) A história de minha prévia e (gloriosa) morte no Brasil, está narrada no capitulo «Salvo por um Espírito» em Perfume do Egito, por C. W. Leadbeater. O velho crucifixo de prata e ébano, em uma corrente, como narrado na história, foi dado por ele ao seu pupilo J. W. MatIey, que em sua morte fez com que o mesmo me fosse entregue.
(8) Luz no Caminho - Regra 12.
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Versos escritos em 1911 para o «Plano do Devachan»
Assim planejarei e sonharei o longevo dia
De meu Jardim de Rosas pelo Tâmisa celestial:
Por que deveria o triste AGORA impedir-me de brincar
Do ditoso DEPOIS que vejo através dos sonhos?
Ali andarei com o Meu outro Eu
De mãos dadas como duas inocentes crianças;
Ali realizaremos cada anelada intenção
Reduzida a nada na terra pelo Destino.
Ó Vide de Amor e Amor na Vida, ordena
Que termine logo, para mim, esta fatigante noite;
Concede que Eu e meu outro Eu possamos estar
Perpetuamente Contigo, em nosso Lar de Luz.
1º de dezembro de 1952
(Traduzido e editado pelo "Serviço de Divulgação Teosófica" da Sociedade Teosófica no Brasil.)
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