Não seja muito receoso quanto ao caminho espiritual, temendo iniciar a jornada. No lugar disso, seja cuidadoso com a raiva, cobiça e ignorância. Nosso estado mental é como uma doença. Agora é a hora de nos medicarmos, não quando estivermos no leito de morte.
Ao decidir começar a prática espiritual, determine cuidadosamente qual caminho funciona melhor para você. Cada religião tem sua própria -- e completa -- tradição, com suas próprias qualidades. Tradições espirituais nascem em resposta ao sofrimento dos seres em um lugar e tempo particulares. Cada uma oferece um método que satisfaz as necessidades de tipos variados de pessoas. Assim como um remédio não vai curar cem pessoas diferentes, o mesmo caminho espiritual não será adequado para todo mundo. O Buda ensinou 84 mil métodos para treinar a mente porque ele viu que há 84 mil maneiras de nos confundirmos.
Você não pode analisar um caminho espiritual, adequadamente, de um ponto de vista externo. É difícil saber o que ele tem a oferecer a menos que você comece realmente a praticar, assim como você não vai saber se você gosta de algo no cardápio até que prove. Você pode dizer que um caminho está funcionando para você se os venenos de sua mente reduzirem e a bondade amorosa e a compaixão aumentarem.
Todas as tradições espirituais são veículos. Se você quer chegar a algum lugar, você pode pegar uma bicicleta, carro, trem ou avião. Mas se você combinar a asa de um avião, os pedais de uma bicicleta, a direção de um carro e as rodas de um trem, você até pode chegar a seu destino; ou pode não chegar. Mas, provavelmente, você não irá a lugar algum. Pior ainda, seu veículo pode causar um acidente, machucando você e outras pessoas.
Quando você encontrar uma tradição cuja eficácia tenha sido provada com o tempo e continua a funcionar para outras pessoas, experimente. Sua vida é muito curta para desperdiçá-la em um caminho da moda, não-comprovado. Se uma tradição lhe serve bem, siga-a sem distração. Pode haver muitos caminhos seguros até o topo da montanha, mas se cultivarmos o hábito de abandonar um pelo outro assim que surjam as dificuldades, iremos apenas circundar a base da montanha, nunca chegando ao nosso destino.
Não critique ou julgue o caminho dos outros. É um erro achar que o seu é o melhor ou o único. Embora o propósito básico da religião seja ajudar as pessoas, apego ao seu caminho ou aversão pelo dos outros vai causar divisões e conflitos. A prática espiritual deve reduzir os venenos da mente, não potencializá-los. Não use a espiritualidade como uma desculpa para se permitir o orgulho, inveja, cobiça, animosidade ou pensamentos danosos. Estas são faltas sérias, tanto faz se cometidas em um contexto espiritual ou mundano. Se o remédio que tomamos produz doença, ele não é benéfico.
Temos que ter cuidado para não vestir a insígnia de nossa tradição espiritual através da pregação, julgamento ou imposição de nossas idéias. No final, cada uma e qualquer religião que ensine o valor de extender a bondade e reduzir os danos beneficia aquele que a segue sinceramente. O grande estudioso Nagarjuna disse que, independentemente da tradição, fé e disciplina moral produzirão benefícios infalíveis e aumentarão as qualidades positivas da mente. Podemos preferir comida americana, japonesa, indiana ou tibetana, mas o importante é que nos alimentemos para nos nutrirmos, não que todos comam a mesma comida.
Se você se sentir atraído pela tradição budista, meu conselho sincero é que você procure um professor. Um professor espiritual é importante porque ele nos apresenta as causas do sofrimento e os métodos para desenraizá-las. Mas é necessário examinar a estrutura, a linhagem e o treinamento de um professor para determinar se ele é qualificado e autorizado a ensinar ou se é auto-proclamado. Ele tem uma fundação firme em estudo e prática? Há alguma diferença entre suas palavras e ações? Um bom professor vai viver os ensinamentos, exemplificando o bom coração e consistentemente demonstrando compaixão, colocando as necessidades de seus alunos em primeiro plano.
Se escutar e aplicar os ensinamentos transforma a sua mente, pode ter certeza que a relação mestre-discípulo está te beneficiando. A confiança surge naturalmente. Na medida que sua mente muda, sua confiança aumenta. Na medida que sua confiança aumenta, você vai buscar por mais ensinamentos, aplicá-los, aprofundar sua confiança e por aí vai.
O objetivo de nossa prática não é ter experiências visionárias ou de clarividência, mas sim reduzir os venenos da mente e aperfeiçoar nossas qualidades positivas. Se isso está acontecendo, estamos reduzindo as causas do sofrimento. Assim que aplicamos os métodos que nosso professor nos dá, teoricamente, nós mudaremos a cada dia. Se não for assim, então a cada mês e, certamente, a cada ano. No final, mudança é a chave -- mudar o coração, descobrir a verdadeira essência da mente.
Não desconheço a dificuldade, mas devido a meu treinamento e prática, nenhuma de minhas experiências são insuportáveis. Conheço pessoalmente o poder das bençãos do lama e quão benéficas a contemplação e a meditação podem ser ao lidarmos com as circunstâncias da vida. Quando era mais novo, sempre que recebia um ensinamento, eu revisava o material 25 vezes por dia. Hoje, às vezes, esqueço o nome de alguns parentes, mas jamais esquecerei os ensinamentos, porque eles estão tão firmemente gravados em minha mente.
Independentemente de quantos anos me restam, estou em paz com o fato de que vou morrer. A morte não me assusta, porque tenho confiança em minha prática espiritual e tenho tentado ajudar os outros o tanto quanto é possível. Eu sei por experiência que esses ensinamentos vão beneficiar qualquer um que aplicá-los, não apenas nesta vida, mas no momento da morte e em vidas futuras.
Das profundezas de meu coração eu digo a vocês: um momento de bondade para com outro ser, um ato de intenção pura, vale mais do que toda a riqueza material do mundo quando você está morrendo. Então pratique agora, enquanto você pode, na maior medida possível, em qualquer situação. Isso vai preencher o propósito supremo de sua vida e, no momento da morte, você não vai ter arrependimentos.
Chagdud Tulku Rinpoche, em "Change of Heart".
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