PENSO, LOGO EXISTO.
“Para bem conduzir a própria razão
e procurar a verdade nas ciências”
Introdução ao Discurso do Método
“Assim, Descartes busca uma verdade primeira, que não possa ser posta em dúvida, que resista a toda dúvida. Quer dizer que, por um movimento sutil do seu espírito, Descartes converte a DÚVIDA em método. Como? Negativamente, aplicando a DÚVIDA como uma PENEIRA, como um crivo que coloca ante qualquer proposição que se apresente com a pretensão de ser verdadeira; e então exige das verdades não somente que sejam verdadeiras, mas também que sejam certas. Tudo o que o preocupa é buscar a certeza, e o critério de que se vale é a DÚVIDA....A DÚVIDA se converte, pois, em método;”
Fundamentos de Filosofia – Lições Preliminares – Manuel Garcia Morente.
O filósofo René Descartes nasceu em 1596 em La Haye (hoje chamada de Descartes) na França. O filósofo viveu no fim do século XVI e meados do século XVII, período em que o pensamento da humanidade passou por uma revolução sem precedentes. Vindo, ele mesmo, tal qual Copérnico e Galileu, a contribuir decisivamente nesta revolução espiritual. Apesar da aparência sisuda que sua imagem nos passa através dos retratos pintados por diversos pintores de sua época, Descartes, ao contrário, não levou uma vida reclusa – um tipo nerd – usando uma linguagem mais atual. Verdade que ocasionalmente ele se retirava do convívio social para refletir e tentar resolver questões que o instigava, mas teve, durante toda a vida, uma razoável atividade social.
Descartes foi um verdadeiro buscador. A curiosidade e vontade de aprender o levou, inclusive, a se alistar no exército do príncipe de Orange, Maurício de Nassau, não com a intenção de participar de alguma batalha, mas como ele mesmo afirmou: “Como passaporte para o mundo”.
Apesar de Descartes ter se formado em Direito, nutria uma grande paixão pela matemática e, foi a matemática que o levou, inevitavelmente, à filosofia e não ao contrário, muito embora possamos imaginar que ambas existiam concomitantemente em sua vida. O fato é que suas pesquisas matemáticas terminaram conduzindo-o às suas produções filosóficas e científicas.
O filósofo que revolucionou o espírito Ocidental viveu numa época em que o pensamento (e a liberdade de pensar) pertencia exclusivamente à Igreja Católica. Em sua época, Galileu Galilei (1564-1642) foi obrigado a se retratar e desmentir o que a sua ciência experimental havia apontado. E Galileu o fez para preservar a sua vida. Ou seja, negou, a contragosto, as conclusões de suas pesquisas, afinal, não fazia muito tempo que o filósofo italiano Giordano Bruno (1548-1600), por ter defendido as idéias do astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), que afirmava que o sol é o centro do Sistema Solar - afirmação contrária aos dogmas da Igreja que persistia com a idéia de que a Terra era o centro do universo - fora torturado e queimado vivo numa fogueira da Inquisição. A intolerância religiosa havia chegado ao seu extremo e a liberdade de pensamento era uma utopia naqueles tempos.
Desta forma, podemos situar a revolução que foi o pensamento cartesiano. Além do aspecto puramente metafísico, dando uma guinada no rumo do próprio filosofar, a máxima “Penso, logo existo” também tem uma significação importantíssima no contexto histórico em que surgiu.
Descartes valoriza o Eu e, ao fazê-lo, traz o conhecimento e a verdade a todos os indivíduos. Assim, o monopólio do conhecimento e da verdade estava com seus dias contados. Hoje, todas as democracias têm como pressuposto a liberdade de pensamento. Mas, para compreendermos a importância do pensamento cartesiano basta lembramos o momento que ele se inseriu. A profundidade do pensamento cartesiano é tamanha que, apesar de algumas resistências, se alastrou como uma praga benéfica.
Refletindo como o conhecimento era adquirido, Descartes começou a questionar tudo. O inconformismo com o ensinamento tradicional da escolástica (o ensino engessado, perpetuado e monopolizado pela Igreja) levou Descartes a ter uma atitude cética a respeito de toda informação que até então era tida como verdade absoluta. Assim, Descartes fora paulatinamente descartando todas as informações que não se mostravam seguras e que não tinham bases científicas, matemáticas, lógicas.
Descartes percebe que os nossos sentidos não poderiam nos dar informações precisas. Então, o que restava como certeza? A conclusão que chegou é de uma beleza excepcional: a única certeza que se poderia ter, conclui Descartes, é que pensamos.
O racionalismo chega a seu ponto máximo!
Equivocadamente, no entanto, alguns espiritualistas vêem um limite no racionalismo cartesiano e em sua metafísica. Crêem que a lógica cartesiana é uma limitação e, portanto, vai de encontro à permissividade espiritual que defendem, pois, julgam-na verdadeiramente profunda e, consequentemente, irrestrita.
Primeiro, esta é uma leitura superficial e simplista do pensamento cartesiano. De fato, o cartesianismo gera mais um necessário e saudável ajuste, ajudando, assim, a eliminar todas as loucuras que muitos insistiam (e insistem) em associar à espiritualidade. A afirmação (ou conclusão) de Descartes reforça o aspecto puramente abstrato, metafísico e espiritual do ser humano. Nada mais anti-materialista do que o pensamento de Descartes!
Para Descartes, assim como fora para o filósofo grego Sócrates (469-399 a.C), a verdade está na alma humana. Portanto, se há algum lugar para procurar a verdade, este lugar é dentro de cada um de nós. A grandiosidade deste pensamento é crucial para a evolução da prática da verdadeira espiritualidade, principalmente numa época em que a superstição e o medo eram sinônimos de espiritualidade e bases de todas as crenças. No Discurso do Método ele mesmo afirma “E resolvendo não procurar outra ciência senão a que poderia encontrar em mim mesmo, ou então no grande livro do mundo...” reforça a sua fé, como místico, em seu Eu Interior.
Descartes trouxe-nos a importância do ceticismo e fortaleceu em nós a autoconfiança. Com isso, aprendemos a refletir de forma livre e segura. Diríamos que o cartesianismo nos legou um mapa, digamos assim, para encetarmos a nossa caminhada espiritual de forma segura e bem fundamentada.
E, aquilo que é colocado como uma falha ou limitação no pensamento de Descartes, por parte de alguns espiritualistas, na verdade, é o seu ponto forte. A lógica chega à espiritualidade como prova da presença divina no homem. Ela elimina todas as formas de superstições, ajudando a eliminar, portanto, todo obscurantismo que até então existia em torno deste assunto. De certa forma, com Descartes a metafísica ganha uma base científica segura. Esta ciência tem como fundamento a lógica.
Descartes traz para a humanidade a luz do pensamento divino.
Assim, é inaugurado um novo pensamento espiritualista (que, de fato, já era trazido há séculos pelos rosacruzes, porém silenciado pelo obscurantismo repressor religioso reinante na época).
Para os rosacruzes, que vêem no Cósmico a manifestação das Leis Divinas, o pensamento cartesiano é uma ponte magnífica que confirma a ciência da verdadeira espiritualidade, livre, portanto, de toda superstição que, até hoje, tem contaminado o espírito da humanidade.
Se pensarmos, por exemplo, nos Princípios Herméticos – geralmente tão mal interpretados e, assim, recheados de superstições – constatamos, assim como também a Cabala, que se tratam de Leis e, portanto, estão condicionados às lógicas implícitas as suas naturezas. Ou seja, ninguém pode transgredir estes Princípios. O que nos resta é conhecê-los e dominá-los.
Ou seja, no campo da espiritualidade nem tudo é possível, exceto dentro da Lei. Nem toda manifestação é plausível senão tiver a Lei (da manifestação) como apoio, caso contrário, tratar-se-á apenas de uma conclusão equivocada, supersticiosa.
O fato é que não existe nada mais “lógico” do que os Princípios Herméticos (e a Cabala). Não foi à toa que Pitágoras afirmou: Deus geometrizou o universo e assim chamava Deus de “O Grande Arquiteto do Universo”, expressão tão conhecida pelos maçons. Em virtude da constatação da existência das Leis Universais (físicas e metafísicas) é que Pitágoras se dedicou a matemática. Sabia ele da exatidão da criação divina e que, consequentemente, toda manifestação estava condicionada a estas Leis.
A questão é que para alguns, “lógica” e espiritualidade se contrapõem. Nada mais equivocado!
Há uma afirmação nossa conhecida que diz que “O Cósmico é Deus em Ação”. E, como age Deus? Deus age através de suas Leis. Assim, o Cósmico é as Leis divinas e o ser humano é o seu maior agente. O homem, consequentemente, é o Cósmico em ação. Portanto, para compreendermos a natureza divina devemos aprender a apreender como Deus se manifesta. E, a primeira constatação que fazemos da natureza divina é a existência de suas Leis (vide Pitágoras).
Ou seja, percebemos que todas as manifestações seguem uma admirável lógica. Enfim, a lógica não nega a natureza divina (transcendente ou imanente) das coisas, mas ao contrário, a confirma. Portanto, a lógica é uma magnífica ferramenta de compreensão do divino e da conseqüente ciência da verdadeira espiritualidade.
Neste sentido, Descartes tem uma importância fundamental. Primeiro, porque seu método nos ajudou a depurar todas as falsas crenças que permeavam este campo (da espiritualidade) e, assim, ajudou o espírito humano a dar um salto fabuloso, sistematizando o pensamento. E, ao contrário do que afirmam alguns, não limitou a espiritualidade e, sim, ajudou a retirá-la da obscuridade em que estava mergulhada. Segundo, que contribuiu imensamente pra a liberdade de pensamento. Depois de suas conclusões a humanidade jamais seria a mesma. A escravidão intelectual tinha os seus dias contados.
O método cartesiano, ao contrário do que imaginam alguns, é um acréscimo e não uma substituição à apreensão da verdade. O ceticismo é uma ferramenta de depuração. Não podemos esquecer que Descartes era um místico e como tal usava a intuição. Descartes era uma pessoa extremamente inspirada e criativa.
A proximidade do estudante rosacruz com o pensamento cartesiano é tamanha que ele é conhecido como um ponto de interrogação ambulante e está numa contínua metamorfose. Ou seja, o estudante rosacruz não aceita uma afirmação – seja de que autoridade for – sem antes exercer suas próprias reflexões, pois, tem como grande guia o seu Mestre-Interior (o seu verdadeiro e único Mestre). É isto que faz a senda rosacruz, dentro da espiritualidade, ser tão inusitada e especial. Afinal, verdadeiramente todo estudante rosacruz é um filósofo.
Como livres pensadores os estudantes rosacruzes têm, nesta máxima de Descartes, o mais magnífico guia em sua jornada na senda da espiritualidade: Penso, logo existo!
Descartes fez a transição na cidade de Estocolmo, Suécia, no ano de 1650, com a idade de 53 anos. Contudo, seu pensamento permanece vivo e instigantemente atual. Sem ele teríamos de contar outra história ou, pior, simplesmente silenciarmos.
O fato é que podemos dizer que o pensamento cartesiano está muito ajustado à filosofia rosacruz e isto, como sabemos, não é à toa.
Hideraldo Montenegro F.RC.
Leituras Recomedadas: O Discurso do Método –Ediouro
O Caderno Secreto de Descartes – Amir D. Aczel – Jorge Zahar Editor