Enoquiano - A Linguagem dos Anjos
"A certa altura percebi que só Deus (e através dos seus Anjos) poderia satisfazer o meu desejo, que era o de compreender a natureza de todas as suas criaturas."
John Dee
O inglês John Dee (1529-1609) foi um notável matemático, astrónomo, geógrafo, astrólogo, e ocultista, chegando até a ser conselheiro das cortes da rainha Isabel I. Ao completar 50 anos, e tendo dedicado toda a sua vida ao estudo da Natureza, Dee sentia-se insatisfeito com os seus próprios progressos, e por isso começou a debruçar-se sobre os fenómenos sobrenaturais como meio de compreender melhor o mundo que o rodeava. Dee pretendia, em particular, estabelecer contacto com os anjos: seguindo a fé cristã, Dee acreditava que Deus havia enviado anjos para comunicar com os profetas, no Passado, e que seria possível restabelecer esse contacto e assim voltar a trazer a palavra de Deus à Humanidade. As primeiras tentativas fracassaram, o que levou Dee a contratar Edward Kelly, um místico que muito o havia impressionado com as suas capacidades psíquicas. Os dois homens começaram então a realizar sessões de contacto com “anjos” através de uma bola de cristal, que envolviam preparação meticulosa com orações e jejum, em linha com a tradição cristã. Kelly, fixando a bola de cristal em transe, relatava o que via a Dee, que o anotava escrupulosamente. Os anjos começaram a ensinar a Dee e Kelley a sua própria linguagem, que deveria ser utilizada em invocações especiais no início de cada sessão. Este idioma, até então desconhecido, recebeu mais tarde a designação de “Enoquiano”, numa referência ao profeta Enoque, a única personagem desde Adão a conhecer a “linguagem angélica” (como Dee lhe chamava).
De acordo com os diários de John Dee, o Enoquiano teria sido a linguagem utilizada por Deus para criar o mundo e para falar a Adão e aos anjos. Quando foi expulso do Paraíso, Adão perdeu o conhecimento do Enoquiano, e tentou recriar esta linguagem a partir das vagas memórias que lhe restavam. Começou então a ser utilizado um idioma que viria a ser o percursor do Hebreu, e que foi universalmente utilizado até à queda da Torre de Babel.
Utilizando a linguagem angélica, Dee criou um sistema mágico hoje conhecido por Magia Enoquiana. No entanto, não se sabe até que ponto esse sistema teria sido desenvolvido e utilizado pelo próprio Dee, e foram precisos vários séculos para que os diários de Dee fossem devidamente valorizados pelos estudiosos do ocultismo, o que veio a acontecer pela mão de Samuell McGregor Mathers, fundador da Ordem Hermética da Aurora Dourada. Mais tarde, Aleister Crowley viria a escrever com e sobre o Enoquiano, contribuindo para a sua divulgação entre as diversas correntes ocultistas do séc. XX.
A Magia Enoquiana reveste-se de uma complexidade muito superior à de outras teorias mágicas. A sua interpretação requer profundos conhecimentos de numerologia, e o facto de a maioria dos manuscritos originais de John Dee ter sido destruída pouco depois da sua morte leva a que muitas das chaves indispensáveis à interpretação e utilização do Enoquiano se tenham perdido irremediavelmente. Contudo, várias escolas de pensamento utilizam hoje a linguagem angélica, estudando-a à luz das suas convicções e ensinamentos, sem nunca subestimar o imenso poder que muitos acreditam estar por detrás da linguagem dos anjos.
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