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OS ACONTECIMENTOS DA SEMANA SANTA


INTRODUÇÃO

A semana que precede a Páscoa é um período significativo que se destaca não apenas no ano cristão, mas também no transcurso anual da própria Natureza. No ano cristão ela encerra toda a plenitude do drama da Paixão, a grande parte final do Evangelho. Em diversas regiões ela é designada como “Semana do Silêncio” ou também como “Semana Magna”, revelando-se assim que só pode contar com a realização da festa da Ressurreição quem é capaz de vivenciar toda a grandeza da Semana Santa.

O significado da semana que precede a Páscoa no transcurso natural do ano reside na lua cheia da primavera. Rompe-se definitivamente o encanto do inverno; a nova vida da Terra progride em saltos, com um poderoso ímpeto seivas e forças começam a germinar e brotar no reino vegetal. Na luta entre o dia e a noite, o dia alcança a supremacia vitoriosa que se consolidará em triunfo da luz no primeiro domingo após a lua cheia da primavera.

O conteúdo evangélico da Semana Santa não coincide de antemão com a natureza primaveril. Pelo contrário, opõe-se em contraste agudo. Somente no final, ao nascer do Sol da Páscoa, ele se desemboca em júbilo estivo que coincide com o rejubilar do milagre da primavera. O drama sério da Semana Santa é, no entanto, a preparação dessa consonância. A primavera da natureza irrompe por si mesma. A primavera interior da festa da Ressurreição deve ser conquistada através da peregrinação ao longo das estações na Semana da Paixão.

Os sete dias que precedem a Páscoa podem ser comparados às doze noites santas do período natalino. O período “entre dois anos” é, para os que devotadamente se entregam à trama do pleno inverno, a preparação adequada para os doze meses do ano novo. Os sete dias da Paixão dotam aqueles que participam, em atividade interior, do Mistério da Paixão, de novas forças para todo o seu destino.

Os acontecimentos que se passaram há 2000 anos na Semana Santa, entre o domingo de Ramos e o domingo da Ressurreição foram revelações arquetípicas do destino que, a cada ano, conferem aos sete dias de cada semana um novo e mais elevado sentido e cunho luminoso que plasma as almas. Os dias da semana sempre contiveram as diversas cores e os sons das sete esferas planetárias, conforme revelam seus nomes nas línguas européias: Sol (domingo = Sonntag em alemão); Lua (segunda-feira = Montag em alemão); Marte (terça-feira = Mardi em francês); Mercúrio (quarta-feira = Mercredi em francês); Júpiter (quinta-feira = Jeudi em francês); Venus (sexta-feira = Vendredi em francês); Saturno (sábado = Saturday em inglês). Naquela semana pré-pascal, entretanto, cada dia da semana recebeu, além da diferenciação cósmica, o cunho do pensamento planetário cristão.

Os dias da semana santa ainda não têm seu conteúdo plenamente realizado na sensibilidade cristã; o único a se impor foi a sexta-feira Santa, com a concepção da cruz no alto do Gólgota; para uma parte da cristandade, esta imagem se estendeu a todas as sextas-feiras, transformadas em dias de jejum. Além da sexta-feira, somente o domingo de Ramos relacionou-se a uma imagem poderosa nas regiões onde é hábito o enfeite com ramos de palmeiras: a imagem da Entrada em Jerusalém. Em realidade, porém, cada um dos sete dias revela um novo mistério cósmico sob uma forma humana e histórica.

Quando o Cristo entrou em Jerusalém no domingo de Ramos, o antigo Sol ainda reinava no céu, mas recebeu sua despedida a fim de que pudesse nascer, no domingo seguinte, o novo Sol da Páscoa. Quando, na segunda-feira, o Cristo condenou a figueira e limpou o templo na Cidade Santa, o Sol de Cristo se opôs ao princípio lunar, às forças lunares do Velho Mundo, necessitadas de uma renovação.

Quando o Cristo, na terça-feira, teve que discutir com os adversários que chegavam em grupos para induzi-lo a trair-se; quando ele teve que lutar com a arma do Verbo espiritual; e quando, finalmente, ao ressoar vespertino dessas lutas, ele se retirou com so discípulos para o Monte das Oliveiras e lhes abriu a visão profético-apocalíptica do futuro, o espírito de Marte também recebeu, por sua vez, o cunho do Cristo. Na quarta-feira, durante a unção de Bethânia e a traição de Judas, Mercúrio encontrou-se com o Sol do Cristo. E, na quinta-feira, quando o Cristo lavou os pés dos discípulos e lhes ofereceu a Santa Ceia, uma auguriosa luz de Júpiter iluminou a aflição e a tristeza das almas.

Na sexta-feira Santa ocorreu a mais milagrosa elevação de tudo o que pudera significar para o homem a idéia da deusa do amor, Venus ou Afrodite: deu-se um ato de amor, maior do que qualquer ato de amor possível. O sacrifício por amor em Gólgota foi a transformação do princípio de Venus pelo princípio solar do Cristo. Quando o Cristo repousava no sepulcro, o Sol do Cristo encontrou-se com o espírito de Saturno, no universo, até que, finalmente, no domingo, a própria oitava do Sol nasceu no firmamento, o Sol do Cristo, que vencera todas essas etapas de luta.

O drama do mistério da Semana Santa é uma unidade grandiosamente completa em si. Acompanha-se de um mistério de composição que se nos desvenda à medida que desenvolvemos o sentido em relação ao valor das etapas na vida de Jesus. O que aconteceu nos sete dias pré-pascais é uma condensação de toda a vida do Cristo. As mesmas leis originais e as mesmas etapas reveladas na sagrada biografia dos três anos ressurgem dramaticamente resumidas diante de nossa visão. A partir da semana da Paixão podemos reconhecer nos três anos da vida do Cristo toda uma grande Paixão. A Entrada em Jerusalém é uma oitava do Batismo no Jordão. Completa-se com a entrada do Cristo em nossa existência terrena. Recebe seu cunho definitivo o mistério da Encarnação que se iniciara três anos antes.

Os acontecimentos da segunda-feira, a maldição da figueira e a purificação do templo correspondem à tentação do Cristo descrita pelos três primeiros evangelhos. O Cristo se defronta aí com as velhas forças lunares do mundo. Não lhe servem, ele as afasta e vence a tentação de usá-las. Não lhe importam os sucessos externos, importa-lhe completar sua missão. A limpeza do templo relatada no Evangelho de João pertence, como vimos, aos ecos da vivência da Tentação, e, portanto, se situa no quadro das grandes correspondências da outra limpeza do templo relatada nos primeiros três Evangelhos. E quando, na terça-feira, as réplicas na discussão com os adversários reluzem como golpes de espada e quando, a noite, os relâmpagos apocalípticos atravessam a conversa com os discípulos, repete-se, em um nível mais elevado, o que ocorreu quando Jesus teve que se separar de sua terra natal e de seus parentes de sangue em Nazaré, a fim de se dedicar ao parentesco espiritual, ao círculo de seus discípulos. O Apocalípse do Monte das Oliveiras corresponde ao Sermão na Montanha, no qual foi firmada a dedicação decidida à família espiritual. Aos acontecimentos da quarta-feira, unção em Bethânia e traição do Judas, corresponde, na grande vida do Cristo, a tragédia de João Batista. É a mesma crise, a mesma conjunção. O Lava-Pés e a Santa Ceia são a oitava, a última repetição decisiva, do mistério que já reluzira na alimentação dos cinco mil e na perambulação a beira mar.

O que aconteceu na sexta-feira nada mais é do que a acentuação final e a realização total da Transfiguração da Montanha. O Sepultamento no Sábado de Aleluia leva mais adiante, no âmbito das decisões cósmicas, aquilo que já estava encerrado na decidida partida para a Judéia, na partida para o campo de batalha da decisão. Na manhã de domingo da Páscoa confundem-se os dois círculos, o grande dos três anos e o pequeno dos sete dias. A Semana Santa como um todo corresponde, na vida do Cristo, à irrupção do Sol que, dentro da Semana Santa, só ocorre na manhã do domingo da Ressurreição.

CAPÍTULO 1

DOMINGO DE RAMOS































No primeiro dia da Semana Santa, o Cristo entra na Cidade Santa. Apresenta-se-nos uma imagem irrelevante. Vemo-lo atravessar as portas da cidade montado em um burro, seguido por seus fiéis. Mas, como se fora o próprio deus da primavera, sua entrada provoca repentinamente um êxtase na alma da multidão. É como se algo do antigo êxtase solar das festas pagãs da primavera se apoderasse dos homens: ascende-se uma faísca. Ao cortar ramos de palmeiras, o povo renova um hábito muito antigo, volta-se, às festividades de honra ao sol no início da primavera, comuns entre os povos pré-cristãos. Pois a palmeira sempre foi considerada a árvore e o símbolo do sol, do sol natural que no céu primaveril desenvolve uma força tão nova. O povo enfeita o caminho com símbolos solares. Será ele talvez realmente o alto amigo e senhor do sol, anunciado aos homens como o grande rei da luz? Deverá ser quebrado o encanto do significado original da cidade de Jerusalém, que abrigava, na montanha de Sion, um dos mais antigos templos do sol, antes que o templo de Salomão, na montanha da lua, superasse tudo em importância? Ressurgirá a época de Melquisedeque, o grande iniciado do rito solar? Parece mesmo que o Cristo encontrará agora o acesso à Humanidade. O alto espírito solar já habita há três anos um corpo humano, já atravessou destinos humanos, terrenos. Manteve-se afastado, em silêncio. Se aparecia uma vez ou outra, encontrava incompreensão e inimizade por parte dos homens. Será diferente, agora? Será que o destino levará agora diretamente a uma grande salvação, em meio a jubiloso êxtase?

Não, estamos no início da mais séria semana da História da Humanidade. Os mesmos homens que espalham ramos de palmeiras e inrompem extasiados em gritos de hosana, gritarão fanaticamente, alguns dias mais tarde, cheios de ódio: “Crucificai-o!”. Ao símbolo da vida, ramo de palmeira, virá se juntar o símbolo da morte, a cruz do Gólgota.

O próprio Cristo contribuiu para essa reviravolta. Atravessa em silêncio, sério, o povo que vibra em êxtase. Percebe nesta recepção a sua superficialidade. Visa camadas mais profundas. Quer algo bem diferente.

Em termos humanos poder-se-ia perguntar, por que Jesus não ficou na Galiléia, sua terra, naquela época do ano em que justamente ao redor do Lago de Genezaré ocorrem os milagres de cor primaveris? Tivesse ficado na Galiléia não teria morrido. Mas podemos igualmente perguntar, porque o Cristo, sendo deus, não ficou nos mundos espirituais, nas esferas celestes? Não ficou nas bem-aventuradas alturas divinas. Deixou o céu e se fez homem. Realizou todo o sentido de seu ser através deste sacrifício, desta renúncia. Ao entrar em Jerusalém, sabendo exatamente que estava atirando a luva sobre aqueles que tinham poder sobre ele, completava-se sua estada neste mundo terreno. No início da grave semana repete-se, ainda uma vez, em outro nível, aquilo que três anos antes significou o começo de sua vida terrena. Do mesmo modo que abandonara o céu, abandona agora a natureza paradisíaca da Galiléia.

Quando ele desceu do céu à terra, os homens nada perceberam. João Batista, que prestou auxílio sacerdotal àquela encarnação na existência terrena, apenas supunha o que estava acontecendo quando Jesus de Nazaré tronou-se portador e continente do Cristo. Mas, através do Homem, o fato foi percebido. Ressoa a palavra: “Este é meu filho amado”. Agora, no domingo de Ramos, nessa hora misteriosa, festivamente excitada, os homens o percebem. À palavra que naquela ocasião ressoara apenas das alturas espirituais corresponde agora o “hosana” dos homens extasiados. Subitamente, os homens percebem, como em uma renovação instantânea da antiga clarividência, que não é penas homem aquele que vem montado no burrinho. É como se a alma do povo se precipitasse para perceber o brilho irradiante, a aura solar que emana de Jesus de Nazaré. O ser divino do Cristo teve que se reter durante três anos pois, se não o fizesse, teria violentado os homens com sua força divina. Agora, no entanto, o fruto dessa reserva é que o divino que se sacrificara, que se rebaixara entrando no humano, transforma-se em poderosa decisão volitiva. Primeiro, o divino ofuscava, escondia na figura do Cristo. Agora, o humano arde em fogo divino. E é deste fogo de volição que parte a faísca que acende o entusiasmo da massa popular. A embriaguez de uma premonição primaveril se apodera do povo, mas este só sabe interpretar o fato politicamente.

O Cristo sabe melhor. Sabe que está trazendo algo à Cidade Santa, quintessência de toda a evolução pré-cristã da Humanidade. Está introduzindo algo de totalmente diferente de tudo, até das maiores maravilhas que a Natureza terrena pode produzir. É uma semente de fogo que virá transformar o mundo pela base. A superfície bem pode estar agora concordando excitada. Mas isto nada significa. Poucos dias depois vemos que a superfície pode tão bem imprecar quanto abençoar. Trata-se apenas de ondulações superficiais. A natureza da terra em que penetrou o Cristo pelo batismo no Jordão só pode lhe dar, em fim, a morte. A cidade que grita “hosana” só pode finalmente crucificá-lo.

Salta a faísca, acende-se o fogo, mas Cristo atravessa as ondas de entusiasmo sem alterar-se. Quer penetrar a camada mais profunda. Quantas maravilhas não nos doa o sol natural quando nasce a manhã e pare o dia! Mas o sol exterior, o sol antigo, relacionado apenas com o homens – ser natural, se põe todas as tarde. Após o solstício de verão, ele se afasta da terra, vem o outono e o inverno. O sol natural vem, mas vai, como a vida natural que sempre nasce e sempre morre. Às alegrias da infância segue-se sempre a dor da morte. Cada qual terá que morrer algum dia, por mais cheio de vida que tenha sido quando criança e quando jovem. O domingo de Ramos é o dia do velho sol. O domingo de Páscoa será o dia do novo Sol. Este não é o sol natural, é o Sol espiritual. Não se põe. É permanente. Pode até mesmo ser mais facilmente encontrado nas trevas de destino grave, na miséria, na doença e na morte, do que no arrebatamento da alegria, da infantilidade despreocupada. O Cristo entra na velha Jerusalém. É domingo de Ramos. Mas ele traz para o mundo em ocaso, moribundo, a nova Jerusalém. Não compartilha da trilha primaveril do sol exterior. Por quê? Para acender, no mais íntimo da terra e da humanidade, o novo Sol, o Sol perene, fiel e onipotente. Este é o caminho que vai do domingo de Ramos ao domingo de Páscoa, do velho ao novo Sol.

Na história da entrada em Jerusalém reconhecemos o caráter falacioso de todos os estados extáticos. Todo o entusiasmo apenas extático surge quando o homem obedece apenas à Natureza. É bom, sem dúvida, que sejamos capazes de vivenciar a alegria e entusiasmo diante das imagens da primavera, no convívio com crianças, no encontro dos milagres da juventude e do amor. Certamente não gostaríamos de dispensar esse entusiasmo natural. Mas devemos saber e reconhecer que é perigoso confundi-lo com a própria vida. O entusiasmo apenas natural se origina, em realidade, do homem apenas corpóreo. Só em momentos ocasionais se ergue à altura do espírito. O verdadeiro entusiasmo, que persiste no “hosana” e não se transforma em “crucificai-o”, não se forma de baixo para cima, mas de cima para baixo, nasce quando o espiritual se enraíza no ser humano, quando a faísca divina se realiza e se encarna na terra.

CAPÍTULO 2

SEGUNDA-FEIRA SANTA



















No caminho que Jesus e seus discípulos fizeram todas as manhãs e tardes da Semana Santa, da cidade para Bethânia à tarde ou vice-versa de manhã, existe um local tranquilo que ainda hoje esté envolto no denso ambiente de um mistério. Partindo de Jerusalém, atravessamos o culme do Monte das Oliveiras e, lentamente, descemos pela outra encosta, onde vemos brilhar, em meio ao deserto da Judéia, o espelho mágico do Mar Morto; a meio caminho entre o Monte das Oliveiras e Bethânia encontramos um local cercado por altos muros. Ciprestes negros despontam por trás dos muros e parecem graves e solenes sinais apontando para o céu. Havia aí, no tempo de Jesus, uma pequena vila: “Betfagé” (a casa dos figos). Não devemos imaginar uma aldeia como outras aldeias. O grupo de pessoas que para lá transferira sua vida comunitária era unido por um esforço psico-espiritual especial.

As modestas cabanas eram cercadas por um pomar de figueiras. Mas essas figueiras não eram apenas plantas frutíferas; eram, para aqueles habitantes, árvores sagradas, sinais visíveis de seus esforços espirituais. Tratava-se de pessoas que, em seu círculo, procuravam conservar o mistério (segredo) espiritual da antiga Humanidade, mistério que surge, uma vez, também no Novo Testamento, na história de Nathanael. Os moradores de Betfagé praticavam o “sentar-se sob a figueira”, o estado vidente atingido através de exercícios, em parte físicos, em parte meditativos.

Betfagé, a casa dos figos, era um sítio onde se praticava a antiga clarividência. Foi de lá que Jesus, na manhã do domingo de Ramos, mandou Pedro e João trazerem o jumento e o burrinho. Lá existiam árvores sagradas e, do mesmo modo, animais sagrados. Os jumentos ali mantidos nao eram animais de carga. Também eles expressavam um mistério naquele círculo de pessoas. Na corrente do Velho Testamento estava bem viva a memória daquele mago que fora mandado certa vez da Babilônia a fim de conjurar o impedimento de entrada do povo de ISrael à Terra Prometida.

Bileam era descrito montado numa jumenta. Sabia-se, no entanto, montar em jumenta não era apenas um modo de locomoção. Expressava um bem definido estado de alma, a saber, aquele enlevo sonâmbulo sob o qual o mago babilônico começava a falar, não em estado de consciência humana, mas como que espiritualmente possesso; entretanto, sem que ele soubesse como, a imprecação mágica que ele queria lançar contra Israel transformou-se em bênção. Os animais sagrados de Betfagé revelam que a visão ali praticada era de natureza inconsciente e ligada à corporeidade física; aliás, até nos contos de fadas mais recentes o jumento é simbolo do corpo físico humano.

O filhote de jumento, no qual o Cristo montou para entrar na Cidade Santa no domingo de Ramos, pertence à esfera de imagens de Betfagé. Mas, quando ele teve a audácia de entrar na cidade montado no branco animal sagrado, não foi ele quem mergulho no estado bileâmico de “montar uma jumenta”; quem caiu em alienação extática, ao vê-lo, foi a massa popular. Foi como se um linguajar bileamítico se apoderasse do povo quando esse chamava “hosana” àquele que chegava no dorso do jumento.

À noite, Jesus, como também faria nas noites seguintes, fora com seus discípulos para Bethânia para repousa. Durante a noite, o eco do êxtase popular, gritando “hosana, ergueu-se em sua alma. Ele e seus discípulos não são mais os mesmos como no dia anterior, ao voltarem no dia seguinte para Jerusalém. Novamente passam por Betfagé. Na fisionomia do Cristo lê-se algo extremamente grave, inexorável. Acontece, então, o fato misterioso: ele se aproxima das figueiras de Betfagé. Os discípulos se admiram, pensando que ele quer comer figos quando não é época destas frutas. E ouvem-no pronunciar a estranha e grave sentença: “Ninguém mais comerá destes figos, para todo o sempre”. Talvez naquele momento apenas supuseram que era submetido algo de mais importante do que uma simples afirmação sobre a árvore e sua fertilidade. Mas não tiveram sua visão desvendada.

Os discípulos passam, então, um dia em Jerusalém com o Cristo, este dia que desenvolve dramaticamente toda a grave severidade. Ao atravessar a soleira do templo, irrompe o caos. Espalha-se o pânico, derrubam as mesas, o dinheiro rola no chão. Dá-se a inversão do êxtase jubiloso da véspera. O terror se apodera de todos os que estão na zona do templo.

Após pernoitarem novamente em Bethânia e, passando de manhãzinha outra vez por Betfagé, os discípulos subitamente têm a visão da árvore seca e pedem a JEsus que lhes explique o mistério. Não aconteceu nenhum milagre grosseiro no qual JEsus teria, com suas palavras iradas, privado de vida uma criatura da terra. como poderia ele ter destruido uma árvore pertencente àquelas que lhe haviam oferecido a jumenta e o filhote! O que aconteceu foi um ato espiritual que significa um importante entroncamento no drama do mistério da Semana Santa, nesse dia aparentemente de pouca importância.

No domingo de Ramos, embora a ressurreição do Lázaro desse o sinal para a luta decisiva, todo o ser do Cristo estava em atitude de dar, de oferecer. Foi uma impressão positiva de seu ser que tocou a alma do povo. Devemos lembrar-nos também do simples significado humano do momento. Jesus foi ao Templo para orar e sacrificar como os outros fiéis, preparando a festa da Páscoa. Mas a previsão de importantes decisões apoderou-se de todo o seu ser. Impossível continuar inofensivo. A aura volitiva do seu ser, lançando faíscas de luz, contribuiu para induzir o povo na visão extática de sua grandeza solar. O Cristo perscruta a superficialidade e consciência deste entusiasmo apenas natural, mas ainda nao tem um pretexto para realizar sua defesa e seu contra-ataque. O povo tem razão. Não clamariam “hosana” se não tivessem percebido algo de seu verdadeiro ser. Ele não pode dizer que estão errados, como se confirmará no dia seguinte ao repetir-se a cena na zona do templo. Desta vez é um grupo de crianças que grita “hosana” porque um raio de seu verdadeiro ser penetra em suas almas. OS adversários perguntaram, astutos: “Que dizer quanto ao fato de crianças te aclamarem com ‘hosana’”? ele retruca: “Jamais leste, nas Escrituras, o trecho: da boca dos inocentes preparei-lhe louvores”?

Mas agora ele passou a noite em Bethânia. tomou certa distância da vibração do domingo de Ramos. Aproxima-se das figueiras de Betfagé. Quer mostrar aos discípulos o quanto val o “hosana” da véspera. Fora apenas o último fruto da árvore da clarividência. Um resíduo da antiga força visionária ligada à natureza e ao corpo. Através das palavras que ele fala à figueira, ele renega todo o mundo das velhas visões extáticas. Sentimos algo de uma grande decisão apra a Humanidade. Jesus desvaloriza o “hosana” do povo e, ele mesmo, induz a transição apra o “crucificai-o”! Ele possui a incrível coragem de aceitar e, pessoalmente, aduzir a cegueira espiritual pela qual os homens deverão, fanaticamente, exigir sua morte. Para ele é mais importante que a humanidade trilhe os seus caminhos da consciência que, embora trágicos, levarão à liberdade; embora sabendo que esta necessária cegueira espiritual levará os homens a crucificá-lo.

Quando os discípulos, na terça-feira de manhã, revêem as figueiras de Betfagé, os acontecimentos da segunda-feira só afastam o sonho dos seus olhos. Perderam uma ilusão. Experimentam uma salutar sobriedade. Onde ainda há pouco viam um alto valor, vêm agora s imagem da árvore seca. A antiga clarividência ligada ao corpo eram um dom da Lua, uma intervenção de forças lunares na natureza humana. Era relativo à noite, porque só estava à disposição dos homens em estado inconscientes. Agora os discípulos percebem que as forças resumidas na imagem da figueira estão velhas, ultrapassadas.

O que Jesus lhes ensina agora é um prelúdio daquilo que lhes dará na misteriosa noite da mesma terça-feira no alto do Monte das Oliveiras. Revela-lhes que a humanidade alcançará algum dia uma nova vidência, a “fé” é o germe da nova visão. Jesus diz aos discípulos: “Se tiverdes um grãozinho de fé, sereis capazes de tudo. Bastará que digais a esta montanha: afasta-se, e ela se afastará. A visão se liberta; a montanha do mundo sensorial, que vos oculta a visão, desaparecerá. Através dos rochedos da existência terrena, percebereis a verdadeira essência de origem divina das coisas”. A visão antiga era de natureza lunar, a nova será solar. A força solar da fé fará abrir-se no coração humanos o olho da nova visão, como diz o trecho das bem-aventuranças: “Bem-aventurados os puros de coração, pois eles verão Deus”. Entre a visão inútil e a nova visão do coração que se torna solar, situa-se o período de trevas, de cegueira diante do espírito. E, a partir desta cegueira espiritual, os homens crucificarão o Cristo.

Na segunda-feira santa o Cristo se defende de uma tentação. Se ele atasse sua atividade aos antigos estados de alimentação clarividente, ele poderia ser reconhecido pelos homens. Não o clamariam apeas com “hosana”, mas o escolheriam como rei. Revela-se agora, definitivamente, que o Cristo não quer atar-se às velhas forças. Trata-se para ele única e exclusivamente de fazer com que a humanidade encontre o caminho da consciência e da liberdade. No começo dos três anos, ele enfrenta a tentação de transformar a morte em vida. Agora, no final de sua caminhada, na defesa contra a tentação até mesmo executa isto, de transformar vida em morte. Não é uma maldição, por carência de amor, que ele executa nas figueiras daqueles que lhe ofereceram a jumenta e o filhote. Não! O efeito parte de sua essência. Ele é o sol. e, quando nasce o sol, a lua empalidece. Assim empalidecem as forças lunares da antiga vidência. Revela-se que elas não têm futuro quando nasceu o sol da nova luz da alma.

O Cristo chega à praça do templo, o antiquíssimo e sagrado morro da Lua na mais velha cidade da humanidade. Já se inicia aí o grande movimento da Páscoa. Já aparecem muitas centenas de peregrinos. ao redor do templo praticam-se compras, vendas, pechinchas e negócios. e, no próprio recinto do templo reina uma atividade febril, pois o conteúdo das cerimônias pascais será o oferecimento de animais e o sacrifício da ovelha pascal. Isto permite fazer negócios porque tudo o que será sacrificado tem que ser primeiro comprado. E, por isso, formou-se uma quermesse no lugar onde deveria reinar o mais sagrado ambiente cultural. O velho Hannas, o mais notório “pão-duro” da História, sabe fazer seus negócios. Já extraiu enorme fortuna do mercado do templo. Como presidente do conselho de altos sacerdotes saducenos, Hannas é também a força motriz dos compromissos políticos nos quais se baseiam os negócios ligados ao templi. Para comprar, os peregrinos devem cambiar o dinheiro que trouxeram de todos os países, em moeda oficial, nacional. Ora, esta moeda é de Cesar. E, portanto, o local de vendas é, ao mesmo tempo, uma bolsa de valores romana. Admitem-se os funcionários e alfandegários romanos, embora se soubesse que eram fiéis ao culto dos césares. Permitia-se-lhes o acesso, temendo que, caso contrário, os romanos pudessem roubar o Santíssimo templo. E, assim, estabelecera-se uma extrema materialização e profanação daquilo que fora uma vida puramente cultural. Na imagem da figueira seca, os discípulos viram a decadência da antiga consciência religiosa. Na imagem do mercado que se expandia na zona do templi revelava-se a decadência do culto religioso.

É neste local que penetra o Cristo. Vem para cumprir os ritos das festas. Mas o fogo, as faíscas de sua seriedade produzem efeito. Ele nem precisa falar muito; os homens são logo tomados de pânico. a pessoa de Cristo lhes revela, de modo terrificante, a decadência em que caíram. No começo dos três anos, na primeira festa pascal, sucedera algo semelhante. O efeito de grande terror partira então do caráter divino do Cristo, não obstante a grande reserva que Jesus ainda se impunha. Mas, agora, a divindade, nele, se transpôs inteiramente em caráter humano. Transformou-se em flamejante intensividade volitiva. Ele tem direito de arrancar a máscara do mundo degenerado do templo e a desencadear a tempestade. Sua atitude chega a ser em si mesma uma defesa contra a tentação, a saber, a tentação de permanecer atado ao antigo estado das coisas. Torna-se algo bem claro: o que poderá dar à humanidade em futuro espiritual só pode ser algo de radicalmente novo. No campo da consciência humana a vidência lunar tem que morrer, mesmo que isto acarrete uma penosa caminhada pelo deserto. O futuro só poderá florecer pela fé, pela vidência solar do coração. Também na esfera do culto, o antigo tem que ser despedido sem escrúpulos. Nada pode mais ser ligado ao antigo, por mais venerável que este tenha sido. Algo novo tem que entrar na vida. É o sol do Cristo que apaga no morro lunar Morija a luz da lua. O sol rechaça os fantasmas noturnos. A zona do templo, grandiosamente situado com vista para o mundo, é silenciosamente substituída, no morro Sion, na modesta sala da Santa Ceia, pelo germe de um novo fluxo cultural, solar. A religião da Lua é substituída quando, na quinta-feira santa, o Cristo oferece pão e vinho aos discípulos no morro solar de Sion.

CAPÍTULO 3

TERÇA-FEIRA SANTA


















Em silêncio, sem provocar as mesmas excitações, realiza-se nas manhãs seguintes o mesmo que no domingo de Ramos. Jesus entra com seus discípulos na Cidade Santa. Já se acalmaram as grandes ondas de entusiasmo aprovador. Jesus, embora já envolvido nos relâmpagos e tensões da decisão que se aproxima, quer obedecer a lei até o fim. Cumpre o rito sagrado de preparação para a festa pascal. Traz suas oferendas. Mas já sentimos: é ele mesmo que será crucificado e elevado ao céu. As inimizades e o ódio das pessoas o atingem. No domingo ainda podia parecer que o sol espiritual que nele acendia sobre o horizonte do drama estivesse em coincidência com o sol natural que acende o entusiasmo primaveril nas almas dos homens. Mas, na segunda-feira, o engano se esclarece. Na terça-feira santa, o drama-mistério ultrapassa a simples despedida do velho mundo. Jesus marcha cada vez mais majestoso para a cidade. Quanto mais silenciosa a massa, tanto maior o ardor da volição (vontade) na fisionomia do Cristo. Nasceu o dia de Marte: inflama-se a luta. A massa calou-se. Seus líderes têm medo e o medo é a raíz do ódio, que passa à agressão. Cada tropa do exército inimigo envia na vanguarda seus atacantes. Um grupo após o outro aborda o Majestoso. Sucedem-se as perguntas traiçoeiras. Disfarçam sob a forma de questões aquilo que deveria ser um golpe na face ou um golpe de espada. Chegam primeiro os sacerdotes, os sábios das Escrituras e os presbíteros, ou seja, todos os membros do Sinédrio judeu. Mandam perguntar a Jesus com que autoridade age. Exigem que se justifique. Chegam depois outros, os fariseus, com os seguidores de Herodes, e pousam a questão embaraçosa: “é justo pagar tributo a César?”. Seguem-se os saduceus, querem saber o que pensa Jesus sobre a ressureição dos mortos. Finalmente, chega um indivíduo que, acreditando poder comprometê-lo perante todo o povo, pergunta qual e’, em sua opinião, a mais nobre das leis. Esses ataques, representando a atração das inimizades, constituem a melhor prova de quão intensamente era sentida a majestade do Cristo. Os cães só latem quando têm medo. Assim também essas questões, em realidade golpes de ódio, partem do medo. As forças das trevas tremem porque está nascendo o sol.

Jesus responde a cada uma das quatro questões. Mas não se contenta em aparar os golpes investidos contra ele; aceita o desafio e luta com as armas do espírito. Desenrola imagens potentes. Do mesmo modo que nos três anos passados falava aos discípulos em parábolas maravilhosamente poéticas, responde agora aos seus adversários em parábolas de combate. Conta a parábola dos viticultores aos quais fora confiado o parreiral e que se recusam a entregar a safra, matam os mensageiros do dono das parreiras e, finalmente, até seu próprio filho. Os adversários sentem a potência combativa da parábola. Sentem que se refere a eles próprios. De fato, Jesus prediz aos seus inimigos, pela parábola, que eles o matarão. ele não o faz para ganhar fama de profeta. Sua parábola é uma luta final pelas almas de seus adversários. Quiçá elas ainda desaparecerão. Quiçá ainda serão aterrorizados pela visão de si mesmos.

O Cristo lança a seus adversários mais uma parábola: a parábola do casamento real. É inestimável a grandeza micaélica desta parábola combativa. Trata-se daqueles que seriam indicados como convidados. Todos falham. O convite é feito, então, a estranhos, a fente que, normalmente, nem seria levada em consideração. Os estudiosos oficiais de Deus revelaram-se como mentirosos hipócritas, e a Divindade apena então para pessoas cuja aparência não revela estarem à procura de Deus. Isto se dirige diretamente contra os adversários, contra os eclesiásticos privilegiados pela tradição. Ao ser descrita, enfim, a imagem e o destino daqueles que não estava usando a roupa adequada para a festa, toda a humanidade pode ver-se em rigoroso espelho. Mas, mesmo dirigida, em última análise, contra todos, a parábola das bodas reais é, sem dúvida, o mais potente golpe desferido no dia de Marte da Semana Santa.

O Cristo prossegue. ele mesmo dirige agora uma questão àqueles que lhe pousam perguntas capciosas: “De quem é filho o Messias?”. Respondem: “É filho de Davi”. O Cristo tem que lhes mostrar, citando 110° salmo que eles conhecem, no qual Davi designa o Messias como seu senhor. E pergunta: “Como pode ele chamar o Cristo de seu senhor quando se trata de seu filho?” O Cristo desmascara os que o cercam como estranhos ao espírito e sua devoção como desprovida de espiritualidade. Os homens só olham para o terreno. Para compreender o divino, a primeira condição seria ver que o Messias é filho de Deus e não dos homens. O Cristo mostra aos homens o que deveriam reconhecer nele; mas não o reconhecem.

E vem, então, o quarto contragolpe pelas armas espirituais do Cristo: as nove “ai-de-vós” sobre os fariseus, desembocando na lamentação sobre Jerusalém, mundo destinado ao declínio. No início de sua atuação, Jesus, no círculo familiar de seus discípulos, pronunciou as nove bem-aventuranças do Sermão da Montanha, revelando as nove partes do Ideal Luminoso do homem-espírito. Agora, no final de sua vida terrena, ele põe as nove sombras ao lado das nove luzes. Os “ai-de-vós” são o desmascaramento combativo da humanidade inimiga de Deus, assim como as bem-aventuranças foram a revelação das nove faces do relacionamento ente o homem e Deus. A lamentação sobre Jerusalém inverte a palavra do Sermão da Montanha sobre a “Cidade na Montanha” que, pela primeira vez fez reluzir a imagem da Jerusalém celeste.

Eis um conteúdo bem pouco silencioso para a “Semana do Silêncio”. Os golpes de espada cintilam de um lado e de outro. Luta-se e briga-se. O poder marcial do Verbo se precipita se precipita daquele que mais tarde não se lamentará ao carregar a cruz para o alto do Gólgota.

Ao declinar o dia, quando Jesus com seus discípulos, como todas as tardes, deixa a cidade e, do outro lado do vale do Kidron, galga o Morro de Getsemane através dos jardins onde tantas vezes ensinara na intimidade do círculo de seus discípulos, desta vez nao dirige seus passos para Betfagé e Bethânia. No alto do Monte das Oliveiras, em meio ao maravilhoso bosque da paz, convida seus discípulos a se acomodarem. Ainda estremecendo da luta que travou durante o dia, começa a falar aos discípulos pela última vez ao ar livre. E as palavras destes ensinamentos não são certamente menos poderosas do que as palavras de combate espiritual contra os adversários. Os corajosos atos da alma realizados durante o dia conclamam o eco dos deuses. O Cristo é capaz, mais do que nunca, de oferecer revelações aos discípulos. O que lhes oferece nesta noite – costumamos chamá-lo de “Apocalípse do Monte das Oliveiras” – é uma intervenção nos grandes futuros dos destinos da humanidade. Rasga-se a cortina do futuro. Abrem-se grandes perspectivas apocalípticas.

É sempre assim na vida. Quando o dia registrou verdadeiros atos, a tarde e a noite convocam o eco celeste destes atos. Os resultados do dia não residem unicamente naquilo que foi diretamente criado; quando a atividade diurna bateu às portas do mundo espiritual, podem abrir-se, à noite, as portas de um outro mundo. E (deste mundo espiritual) flui o correspondente à genuína força interior empregada durante o dia.

O presente torna-se transparente. Os discípulos passaram o dia com o Cristo contemplando o templo. Revelou-se que tudo isto está condenado a desaparecer. A destruição de Jerusalém e do templo é uma necessidade espiritual. Se não fosse executada, 40 anos depois, pelos romanos, teria que ser consumada de alguma outra maneira. Na visão que surgiu do declínio do templo transparece a visão de uma grande catastrofe. Todo um mundo submerge. O Cristo pinta, aos olhos dos discípulo, as cores de um ocaso do mundo. E se, durante o dia, se anunciava uma separação dos espíritos em inimigos de Cristo e em um pequeno grupo disposto a formar o apostolado, este fato também se torna transparente: todo o transcurso da História Universal nada mais será do que uma seleção dos espíritos. Alguns tendem para o divino, os outros tendem contra ele. E, por mais imponentes que sejam as realizações destes últimos na terra, tudo não passará de produtos de um medo oculto. E aquilo que, silenciosamente, germinará no grupo – talvez peque – daqueles que se unem ao divino portará em si o futuro do mundo.

Jesus continua o apocalípse vespertino que apresenta aos discípulos. Como lançara aos adversários parábolas combativas, assim dá aos discípulos as mais íntimas parábolas que lhes poderia dar: as duas parábolas de sua volta. No apocalípse dissera que, sob o bramir do temporal universal, o Filho do Homem aparecerá sobre as nuvens do céu. Apontou para um futuro no qual, em meio ao barulho do fim do mundo, a nova revelação do Cristo terá que abrir caminho. Agora, ele mostra aos discípulos, nas parábolas das dez vigens e dos talentos (dinheiro) confiados, o que devem fazer os homens a fim de se preparar para a volta do Cristo. Um dia chegará o noivo da alma. Um dia voltará aquele que, ao partir, confiou aos seus servos o dinheiro; voltará para exigir as contas. Embaixo, no templo, os “ai-de-vós” ressoaram como antibem-aventuranças. Agora o dia desemboca em um elevado Sermão da Montanha. Com os últimos e mais íntimos ensinamentos, o Cristo fornece aos discípulos uma provisão de coragem para milhares de anos. As parábolas do retorno e, especialmente, a visão final da seleção dos espíritos em ovelhas e bodes, na qual finaliza todo o Apocalípse do Monte das Oliveiras, são uma provisão que manterá os discípulos através de muitas encarnações. A luz do apocalípse, que ilumina a noite que desce, é o dom solar conquistado com Marte.

As palavras pronunciadas pelo Cristo na terça-feira santa são, em conjunto, uma maravilhosa linha de orientação para toda a luta enter as trevas e a luz, para toda a luta pelo apostolado de Cristo contra os inimigos de Cristo. A palavra de Goethe, afirmando que toda a história mundial nada mais é do que uma lita constante da fé contra a descrença, já representa uma procura pela chave fornecida em detalhe pelo transcurso da terça-feira santa. Toda oposição contra o Cristo e toda inimizade contra o espírito tem suas raízes na incredulidade, em uma falta de força, em um medo profundamente oculto na alma humana. O apostolado de Cristo se afirma e mantém através da fé germinando força-coragem interior. A campanha cuja estratégia pode ser deduzida do conteúdo da terça-feira santa não é, entretanto, em primeiro lugar, uma campanha de guerra netre dois mundos humanos. É uma luta que deve ser travada interiormente. Em toda alma humana mistura-se o medo e a coragem, o oponente e o discípulo do Cristo.

As parábolas combativas dirigidas aos oponentes expõem sempre o medo como raiz da inimizade contra o espírito. O egoísmo dos viticultores que não queriam entregar o produto da safra é, como todo egoísmo, um produto da fraqueza do medo interior. Nasce no homem o primeiro germe de coragem quando ele aprende a tudo abandonar e tudo sacrificar porque se compenetra do sentimento de que tudo que possui e pode possuir pertence à Divindade.

Os “ai-de-vós” são, de modo especial, o desmascaramento da descrença. Iniciam-se pelas palavras que, de imediato, arrancam a máscara não só à renegação do espírito, mas também a qualquer tipo de tutela sobre as almas humanas: “‘Ai-de-vós’, escribas e fariseus! Desviastes as chaves das portas do céu, onde não podeis entrar e, portanto, não quereis que entrem os que se esforçam para entrar!”

A maior coragem é exigida pelo trabalho na própria alma. “A luta contra si mesmo é a mais difícil das lutas. Vencer a sim mesmo a mais bela vitória”. Na luta travada no interior de nossa própria alma, conquistamos os mais maduros dons das forças marcianas. Já na parábola combativa das bodas reais reluz, na imagem do trage matrimonial, o ideal da auto-transformação meditativa. A alma que adquire luminosidade através da purificação e da oração é o traje matrimonial.

MAis ainda, as parábolas das dez virgens e o dinheiro confiado são uma provisão para o trabalho interior. O óleo nas lâmpadas é uma imagem das forças que devem ser adquiridas pela alma; o dinheiro confiado simboliza os órgãos espirituais desenvolvidos no ser humano.

A resposta dada pelo Cristo à questão dos impostos revela comose impõe a genuína coragem de adquirir através do esforço interior. Quem se esforce de maneira salutar pelo espírito, não se distancia na terra, mas sabe manter o equilíbrio entre deveres terrenos e ideais espirituais e, justamente assim, adquire a soberania solar sobre tudo o que é terreno. É capaz de dizer, mesmo se, como era o caso naqueles dias, o trono está ocupado por uma fera: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

Na grande visão final da seleção dos espíritos revela-se, finalmente, o segredo da coragem interior. “O fizestes a qualquer um de vossos mínimos irmãos, a mim o fizestes”. O fato de um homem estar trilhando corretamente o caminho de sua alma e de seu espírito revela-se em sua capacidade de amar. Amor é o verdadeiro antônimo do medo. Todo verdadeiro esforço ou tendência em direção ao espírito começa pela coragem interior e desemboca no amor. O verdadeiro amor pelos homens é idêntico ao amor pelo próprio Cristo. Os poderes marciais do dia são, embora caia a noite, totalmente irradiados pelo sol do Cristo quando todas as palavras de luta espiritual culminam na palavra amor.

CAPÍTULO 4

QUARTA-FEIRA SANTA


















Em realidade a Semana silenciosa o é a partir da sua metade. No domingo de Ramos, estremece o ambiente psíquico de toda a cidade; na segunda-feira são derrubadas as mesas dos vendedores do templo; a na terça-feira, golpes de espada são trocados na luta espiritual entre o Cristo e seus adversários. Somente a última parte da semana é invadida pelo mistério do silêncio, embora seja um silêncio cósmico-dramático aquele que, na noite de quita-feira envolve a mesa da ceia e, mais ainda, aquele que cerca a morte do Cristo na cruz, e o que reina sobre o sepulcro. Lembremos apenas o terremoto que parte das profundezas da terra na sexta-feira santa. Entretanto, a parte do Cristo nos acontecimentos passa ao silêncio na segunda metade da semana enquanto na primeira metade ainda estava totalmente envolvida no ruidoso primeiro plano. O dia que chamamos de “Mittwoch” (quarta-feira em alemão) por representar o meio (Mitte) da semana (Woche), mas que, em outras línguas é designado como dia de Mercúrio, conforme o efeito planetário que o rege, dia mercurial ou movimento vivo, este dia estabelece de maneira significativa a transição entre os dias ainda não silenciosos da Semana do Silêncio e os dias em que se entretece o crescente mistério do silêncio do Cristo.

Ao cair da tarde deste dia, destaca-se uma cena que já teve suas similares nos dias anteriores mas, agora, no dia do meio e do equilíbrio, alcança um significado especial. O Cristo voltou do movimento da cidade para o local tranquilo além do Monte das Oliveiras, voltou para Bethânia. Encontra-se entre aqueles aos quais está particularmente ligado. Os amigos lhe preparam uma refeição. Nas outras noites também houve refeições, mas hoje é como se já incidisse na sala um prenúncio da luminosidade que incidirá sobre a ceia da noite seguinte. Há em meio aos comensais como que um presságio da Santa Ceia.

A aldeia de Bethânia, por tranquila que seja, foi, ainda há pouco, o cenário daquele acontecimento que significou o sinal para a luta: a ressurreição do Lázaro. Lázaro é um dos comensais. É ele que, na noite seguinte, conforme descreve o Evangelho, estará encostado no coração de Jesus. É ele que, no círculo da Santa Ceia, está interna e externamente mais próximo do Cristo. Entre os comensais, há também duas mulheres designadas pelo Evangelho de João como irmãs de Lázaro, MAata e MAria Madalena. Ingressam através de algumas circunstâncias do destino neste círculo que é mais uma família espiritual do que uma família por laços de sangue. Na vida de cada uma dessas três pessoas, há um acontecimento que provocou uma transformação fundamental. PAra Lázaro, foi a ressurreição do sepulcro na rocha, a grande libertação do espírito de João para seu vôo-de-águia pelas alturas.

Para Maria Madalena foi um acontecimento mais remoto, designado pelo Evangelho como um exorcismo. Foi curada de uma tragédia e fatídica alienação e experimentou a libertação e purificação de sua alma. No caso de Marta também ocorreu um evento semelhante, conforme a tradição cristã: a cura da mulher hemofílica. O destino havia introduzido em sua vida uma doença que impediu seu organismo de manter suas forças. Através do encontro com aquele que pôde curá-la, uma força de coesão, força plasmadora instalou-se em seu corpo, como se instalara, na alma de MAria Madalena, a paz interior. Foi através das curas do espírito, da alma e do corpo que os três irmãos de Bethânia se tornaram amigos íntimos do Cristo.

O primeiro acontecimento sempre designado como característico da quarta-feira santa foi o seguinte: ao estarem todos reunidos à mesa, Marta ungiu os pés do Cristo com um precioso óleo e os enxugou com seus cabelos. O Evangelho de João relata que o perfume do sacrifício impregnou toda a casa.

Maria Madalena já fizera algo semelhante um ano e meio atrás, quando fora salva pelo Cristo. Também naquela ocasião, segundo o Evangelho de Lucas, ela, espontaneamente, para manifestar sua gratidão, ungira os pés do Cristo e os enxugara com seus cabelos. Na introdução do relato sobre a ressurreição do Lázaro, o Evangelho de João (11,2) recapitula esta cena. O que é revelado pelo ato de Maria Madalena, que o Evangelho de Lucas, ao relatar a primeira unção, designa como grande pecadora e que talvez tenha realmente sido , conforme dizem as velhas tradições, uma prostituta perseguida por demônios no mundano balneário de Tibéria , perto de sua terra natal, Magdala? A unção é típico ato sacramental. a alma de MAria Madalena se ergue ao nível de praticá-lo. E, portanto, o Cristo, quando os outros declaram insensata esta atividade e se impacientam, pôde pronunciar palavras como se aceitasse o ato dessa mulher como um sacramento de morte, como uma extrema-unção. Na primeira unção ele dissera: “Calem-se. Ela amou muito e muito será perdoado”.

E adivinhamos como Maria Madalena conseguiu transformar as forças do amor natural, as forças terrenas do amor, que podem também desviar-se para a aberração, como conseguiu interiorizá-las e transformá-las em devoção, em intenso sentimento religioso e em capacidade sacramental de sacrifício.

Uma nota em falso interrompe o silêncio solene. Surge um personagem diametralmente contrastante com Maria Madalena, É um dos discípulos que perde o controle e a contenção ao ver o ato de Maria Madalena. É o Judas. alega, na verdade, que seu protesto se baseia em considerações práticas e sociais. Diz que o dinheiro desperdiçado em óleo poderia ser dado aos pobres, aliviando muita miséria. Mas o Evangelho de João já nos permite perceber nitidamente que os verdadeiros motivos do seu comportamento não são idênticos aos que ele propõe. em realidade, é algo muito diferente que se passa em sua alma. O Evangelho nao o poupa, designa-o como ladrão. Vemos: justamente o aborrecimento sobre o ato de Maria Madalena dará ao Judas o último impulso para a sua traição. Excitadíssimo, há muito tempo espera pelo surgimento público de Jesus e peo milagre político que ele acredita será a consequência dessa aparição. Tudo o que leva ao silêncio da interiorização lhe parece, em sua impaciência febril, como sendo desperdício de tempo. Em Bethânia ele perde a paciência. Descontrola-se e sai para se juntar àqueles que perseguem o Cristo. O segundo conteúdo clássico da quarta-feira santa é a traição de Judas.

O motivo planetário do dia lança uma luz sobre as duas figuras tão constantes à mesa do jantar em Bethânia. Ambos, Judas e MAria Madalena, são figuras tipicamente mercuriais e têm a mobilidade e temperamento. Possuem a qualidade de não serem enfadonhos. Ao seu redor sempre algo acontece. A roda das suas vidas não pára. Mas Maria Madalena domina a intranquilidade. Transforma-a em devoção, em paz, em capacidade de amor. A figura de MAria Madalena permite reconhecermos que a verdadeira e valiosa devoção só se instala quando é conquistada por uma alma vivaz, para a qual a paz não é mera inércia, mas vivacidade libertada, interiorizada. Maria Madalena foi muito manejada, sofreu muita coisa e atravessou muitas trevas. Mas, de toda intranquilidade que houve em sua vida, flui agora sua intensa religiosidade. Será esta intensidade que a destacará em seguida entre todos os outros! Será ela a primeira a ter a visão do Cristo ressuscitado!

Judas é o outro homem mercurial. É, aliás, o tipo do homem inquieto, que precisa sempre exercer uma atividade exterior. Alega que quer agir em prol dos pobres. A atividade social, por boa e louvável que seja, é frequentemente apenas um auto-entorpecimento. O impulso nem sempre reside em um idêntico ímpeto social mas, muitas vezes, na própria intranquilidade interior. Muitas pessoas ficariam profundamente infelizes se fossem obrigadas a passar algum tempo inativas. Revelar-se-ia, então, que a atividade social não é uma real produção interior, mas que elas cedem apenas a uma fraqueza inconfessada. Em Judas vemos esse tipo de alma mercurial desembocar na mais tenebrosa fatalidade. Nele, a intranquilidade nasce de um medo profundamente oculto. De modo semelhante ao que acontece nos adversários, nele rumoreja a intranquilidade do medo essencial. Este é que acarreta a traiçào do Cristo. A partir de tal estado de alma, o homem não pode ser devoto, não pode, em particular, amar. Um homem intranquilo não é capaz de amar. O amor só é possível quando a alma já adquiriu a força da paz. E vemos assim nas duas figuras, Maria Madalena e Judas, dois caminhos que se separam como em uma encruzilhada. Um deles leva à proximidade do Cristo, o outro ao abismo da loucura, à tragédia do suicídio.

Marta, a outra irmã de Lázaro, é uma espécie de transição entre Judas e Maria Madalena. O Evangelho de Lucas não relata em vão, em trecho anterior da vida de Cristo, a história de Maria e Marta. <arta é eternamente ativa. Não pode abster-se de empreender, a todo momento, algo útil a serviço de alguém. Não podemos deixar de reconhecer a autenticidade de sua dedicação. Mas, tampouco podemos deixar de ver a intranquilidade física da qual foi curada, mas permaneceu existindo em sua alma. Maria, que ouve em silêncio reverente, é designada, em comparação com MArta, como aquela que escolheu a melhor parte.

As figuras da cena da quarta-feira santa nos mostram a encruzilhada que encontramos antes de podermos esperar sermos admitidos na esfera da quinta-feira santa. Diante do mistério sacramental, separam-se os caminhos. Judas é o homem sem culto. Ao se deparar com um ambiente de verdadeira devoção cultural, ele não fica só irrequieto, mas perde a concentração. Maria Madalena é a alma sacramental.

Na noite seguinte, quando o sacramento se estenderá sobre o círculo de discípulos como uma cúpula celeste, revelar-se-á quem é mais Maria e quem é mais Judas.

Mercúrio, deus da cura no mundo greco-romano, mas também deus dos comerciantes e dos ladrões, aproxima-se do sol do Cristo. A cena em casa de Lázaro e de suas irmãs em Bethânia mostra como o deus da cura, Mercúrio, pode ser curado pelo sol do Cristo.

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Co-criando A NOVA TERRA

«Que os Santos Seres, cujos discípulos aspiramos ser, nos mostrem a luz que
buscamos e nos dêem a poderosa ajuda
de sua Compaixão e Sabedoria. Existe
um AMOR que transcende a toda compreensão e que mora nos corações
daqueles que vivem no Eterno. Há um
Poder que remove todas as coisas. É Ele que vive e se move em quem o Eu é Uno.
Que esse AMOR esteja conosco e que esse
PODER nos eleve até chegar onde o
Iniciador Único é invocado, até ver o Fulgor de Sua Estrela.
Que o AMOR e a bênção dos Santos Seres
se difunda nos mundos.
PAZ e AMOR a todos os Seres»

A lente que olha para um mundo material vê uma realidade, enquanto a lente que olha através do coração vê uma cena totalmente diferente, ainda que elas estejam olhando para o mesmo mundo. A lente que vocês escolherem determinará como experienciarão a sua realidade.

Oração ao Criador

“Amado Criador, eu invoco a sua sagrada e divina luz para fluir em meu ser e através de todo o meu ser agora. Permita-me aceitar uma vibração mais elevada de sua energia, do que eu experienciei anteriormente; envolva-me com as suas verdadeiras qualidades do amor incondicional, da aceitação e do equilíbrio. Permita-me amar a minha alma e a mim mesmo incondicionalmente, aceitando a verdade que existe em meu interior e ao meu redor. Auxilie-me a alcançar a minha iluminação espiritual a partir de um espaço de paz e de equilíbrio, em todos os momentos, promovendo a clareza em meu coração, mente e realidade.
Encoraje-me através da minha conexão profunda e segura e da energia de fluxo eterno do amor incondicional, do equilíbrio e da aceitação, a amar, aceitar e valorizar  todos os aspectos do Criador a minha volta, enquanto aceito a minha verdadeira jornada e missão na Terra.
Eu peço com intenções puras e verdadeiras que o amor incondicional, a aceitação e o equilíbrio do Criador, vibrem com poder na vibração da energia e na freqüência da Terra, de modo que estas qualidades sagradas possam se tornar as realidades de todos.
Eu peço que todas as energias e hábitos desnecessários, e falsas crenças em meu interior e ao meu redor, assim como na Terra e ao redor dela e de toda a humanidade, sejam agora permitidos a se dissolverem, guiados pela vontade do Criador. Permita que um amor que seja um poderoso curador e conforto para todos, penetre na Terra, na civilização e em meu ser agora. Grato e que assim seja.”

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