Duas vezes por ano uma quinta-feira se destava com uma luz singularmente festiva no decurso do ano: o dia que precede a sexta-feira Santa e o dia da Ascensão. Embora pertencente à semana mais séria do ano, a quinta-feira Santa se relaciona misteriosamente com a outra quinta-feira, seis semanas mais tarde, quando toda a natureza primaveril já se desenvolveu em luz e perfume emitidos pelas flores. Não seria quinta-feira santa ocultamente uma segunda véspera de Natal? Sua luz misteriosa é a do crepúsculo que precede as trevas da sexta-feira Santa mas é, também, mais ainda, a aurora da Páscoa.
Após ultrapassarmos o meio da Semana Santa, após os três primeiros dias repletos com a ruidosa e dramática luta com o ambiente, incompatível com o Cristo, desce o silêncio sagrado. Na noite da quita-feira Santa, penetramos na esfera do silêncio sagrado. De repente, o barulho cede ao silêncio. De dia, os ruídos do povo em movimento nas ruas, milhares de peregrinos a comprar e a discutir, atingiram seu auge.
Depois, pouco antes do ocaso do sol, esfera purpúrea, e enquanto nascia, do outro lado, a enorme lua cheia prateada, as trombetas do templo deram o sinal para o início dos preparativos. Inicia-se a noite do Passah durante a qual os fiéis da Velha Liga se preparam para o sábado de Passah que se iniciará na noite seguinte. CEssa o barulho retumbante. Nas casa logo se reúnem os parentes ao redor das mesas a fim de comerem o cordeiro pascal. As ruas ficam subitamente vazias. Desce o silêncio oprimente. É a magia da noite do Passah, na qual circula, como outrora no Egito, o Anjo Exterminado.
E Jesus com seus discípulos também se retira para a sala onde terão a ceia do Passah. Os destinos querem que o silêncio desta sala seja múltiplo, já que ela se encontra em uma casa que não é uma habitação privada, mas serve de convento a um círculo sagrado dos esseus. A ordem dos esseus tem aí sua sede em local sagrado e antiquíssimo, Monte Sion, onde há milênios, antes da história da Velha Liga ter o seu centro neste lugar, já existia um antiquíssimo santuário da humanidade. Em local muito antigo e sagrado encontra-se o cenáculo que os irmãos esseus deixam à disposição de JEsus e seus discípulos para a véspera do Passah.
Diretamente em frente, também em um localização tradicional e antiquíssima, encontra-se a casa de Kaifás, casa-matriz da ordem dos saduceus. Lá também se reúne um grupo para comemorar o Passah. São os inimigos cheios de ódio, quase incapazes de pensar na festa vindoura, pois estão sendo movidos por um plano de ódio e inimizade. forçosamente, a luta está suspensa. É preciso aguardar até depois da hora sagrada. E os inimigos, eles próprios ordenam: “Procurem agarrá-lo, mas não antes da festa”. Na sala onde estão reunidos Jesus e seus discípulos, cumpre-se o 23° salmo: “Preparas diante de mim uma mesa, a vista de meus inimigos”. Desceu o silêncio, é verdade, mas a fatalidade sombria da noite do Passah se incorpora nos espectros noturnos daqueles outros comensais, na casa vizinha.
O que há sobre a mesa ao redor da qual se instalaram Jesus e os discípulos? Este grupo também obedece à velha lei e cumpre a tradição. Foi preparado o cordeiro pascal. Jesus se prepara com os discípulos a comê-lo, recordando devotadamente o sacrifício do cordeiro que, na época de Moisés, fora o sinal pelo qual o povo judeu foi libertado da escravidão.
Mas o cordeiro pascal na mesa deste Cenáculo adquire um sentido modificado. À mesa está sentado aquele do qual João Batista pôde dizer: “Eis o cordeiro de Deus, que assume (carrega) os pecados do mundo”. Em nenhum outro lugar àquela hora, nem antes, nem depois, o cordeiro pascal esteve tão próximo daquele que ele simboliza. Através de milênios a ceia do cordeiro pascal foi um costume profético. Agora, eis que a profecia se cumpre, logo o apóstolo Paulo poderá dizer: “Nós também temos um cordeiro pascal. É o Cristo que se sacrifica por nós”. (1° Cor. 5,7)! No Cenáculo encontram-se a profecia e seu cumprimento. A sala está cheia de pesado pressentimento. Pesam no ar a separação e a tragédia. O sacrifício do Cristo já lança antecipadamente sua sombra. O consciente dos discípulos passa por uma dura prova.
Através do cordeiro pascal sobre a mesa, esta cena inclui a reminiscência dos antigos sacrifícios sangrentos; atua a magia do sangue, que é o sentido de todos os sacrificios sangrentos da época pré-cristã. O sentido dos antigos sacrifícios residia no seguinte fato: o fluxo de sangue fresco de animais sacrificiais puros possuía a força de induzir as almas humanas – ainda não tão ligadas ao corpo – em alienação extática, de modo que forças divinas do além podiam refletir-se nas condições humanas.
No Cenáculo do Monte Sion o velho sacrifício perde definitivamente o seu sentido. o mais alto ser divino veio, ele próprio, do além apra a terra. O cordeiro perde seu significado próprio e passa a ser apenas a imagem, o reflexo do mistério do Cristo presente. O antigo sacrifício sangrento torna-se definitivamente superfluo. A força que antigamente se tentava – cada vez com menor sucesso – atrair do além pelo sacrifício do sangue, está presente agora para se ligar inseparavelmente com o mundo terreno. O cordeiro pascal não pode mais ser um meio mágico, pois na própria existência terrena forma-se um núcleo de germinação e brotação de forças celestes. O cordeiro se transforma em puro símbolo do amor divino que se sacrifica.
na mesa da Santa Ceia não vemos, entretanto, apenas o cordeiro pascal. Há também, incidentalmente, pão e vinho. E após cumprirem a velha tradição da ceia do Passah, os discípulos se admiram ao verem o Cristo tomar em mãos os símbolos, presentes por acaso, do comer e beber e adicionar à ceia do Velho Testamento uma nova refeição. Algo de totalmente novo, inesperado, acontece quando ele oferece aos discípulos o pão e o vinho, dizendo: “Tomai, pois este é o meu corpo e este é o meu sangue”. Em realidade, estes símbolos não estão na mesa por acaso. Da penumbra de mistérios ocultos surge à luz aquilo que sempre já existira na humanidade. No exterior dos velhos templos havia sacrifícios sangrentos oferecidos em presença do povo; do mesmo modo, ao abrigo exotérico de certos santuários que cultivam os mistérios solares, sempre houve pão e vinho como os verdadeiros símbolos do deus do sol. No mesmo local onde o grupo está agora reunido para a ceia, dois mil anos antes, nas grutas rochosas onde estavam agora sepultados os Reis e Davi, existira o santuário de Melquisedeque, o supremo iniciado solar. Melquisedeque levara pão e vinho para oferecê-los, no vale do Kidron, à Abraão, que regressava vitorioso.
Mas pão e vinho jamais puderam representar, mesmo nos templos dos mistérios pré-históricos, a função que adquirem neste momento. Sempre foram apenas símbolos do deus sol que os veneradores tinham que procurar em outras esferas. Agora, no entanto, são mais do que símbolos. No Cristo está presente o próprio alto espírito solar, e ele pode dizer, ao oferecer o pão: “Este é o meu corpo” e, ao oferecer o cálice: “Este é o meu sangue”. Sua alma, ao oferecer-se penetra no pão e no vinho. Pão e vinho se iluminam na semi-escuridão. São envolvidos em um brilho dourado, em uma luminosa aura solar. ao se transformarem no corpo e no sangue o pão do próprio espírito do sol. todos os mistérios solares da pré-história foram apenas profecias. Neste momento estão sendo cumpridas. Na passagen dos sacrifícios sangrentos da pré-história para o sacrifício sem sangue do pão e do vinho ocorre, para toda a humanidade a decisiva interiorização da idéia de sacrifício; todos os sacrifícios antigos eram materiais, agora está infundido o sacrifício da alma. Inicia-se na prática do sacrifício um fluxo de verdadeira interiorização. São despedidos os sacrifícios lunares da pré-história e substituídos pelos sacrifício solar. O Cristianismo, verdadeira religião solar, encontra nesta noite sua aurora.
O Cristo não apenas liga a velha ceia à nova; antes e depois da ceia executa atos importantes, de modo que surge um todo de quatro partes. Pela primeira vez reluz a lei que, doravante, será sempre renovada e revelada nas quatro partes do sacramento cristão central. antes de comer o cordeiro pascal, Jesus pratica o ato do amor simples, inesgotável e indescritível do lava pés. Obedecendo e elevando um rito comum na ordem dos esseus, ele se abaixa e lava os pés dos discípulos, inclusive de Judas. Surge uma imagem comovente daquilo que de fato está ocorrendo: o Cristo se dá aos seus, totalmente, com amor. A morte na cruz selará essa dedicação.
Tal como introduziu as duas ceias com o lava-pés, assim também as encerrara. Acompanhando o costume praticado nesta hora em todas as casas, segundo o qual termina a refeição do Passah, os pais de família liam ou recitavam a Hagada, a tradicional história do povo sob forma de lendas, o Cristo também faz seguir-se à ceia um ensinamento. Temos no Evangelho de João a mais maravilhosa reprodução de suas palavras de despedida, que culminam com a oração.
São quatro as etapas atravessadas: lava-pés, cordeiro pascal, pão e vinho e discurso de despedida. A lavar Jesus os pés dos discípulos, estes parecem já experimentar a mais íntima comunhão das suas almas com a alma de Cristo. Mas, em realidade, o lava pés nada mais é do que o último resumo simbólico de todos os ensinamentos que Cristo deu a seus discípulos. Por isso, ele lhes diz: “Dou-vos uma nova lei: amai-vos uns aos outros”. O lava-pés é, de certo modo, a última parábola aos discípulos, parábola que já não foi falada, mas praticada. O amor é a meta final da doutrina que o Cristo lega aos discípulos.
Após a leitura do Evangelho, feita em total devoção de alma comer o cordeiro pascal é a etapa do ofertório. Surge a imagem do sacrifício: Cristo – o cordeiro sacrificial que morrerá na cruz no dia seguinte pela humanidade.
Segue-se a terceira etapa: Cristo oferece aos discípulos pão e vinho. Pela primeira vez realiza-se então o mistério da transubstanciação, terceira parte do sacramento, após a leitura do Evangelho é o ofertório. O celeste transpenetra o terreno, o espiritual reluz na matéria. Como uma estrela fulgurante revela-se o sol da Transubstanciação que, mais tarde, atingirá seu pleno brilho.
Na quarta parte, nos discursos de despedida, parece que o Cristo dá aos discípulos apenas ensinamentos e instruções para seus caminhos. Em realidade, no entanto, ele se transmite a sim mesmo da mais íntima maneira possível. estas palavras que captam o eco espiritual da Santa Ceia são, mais ainda, do que pão e vinho, corpo e sangue do Cristo. Nelas, a alma do Cristo se oferece à mais alta comunhão e reunião com as almas dos discípulos. Mas os discípulos só ouvem estas palavras com em sonho. só há um deles, João, próximo ao coração de Jesus, capaz de ouvir o que fala o coração do Cristo e, por isso mesmo, capaz de preservar para a humanidade, em seu evangelho, uma réplica desse momento.
O grande sacramento, de quatro partes, dessa hora, está repleto do amor cósmico que se difunde, que jorra do coração do Cristo. A plenitude da palavra do Cristo forma o final, nos discursos de despedida, e este fato abre uma porta luminosa para o futuro da humanidade. O Cristo do qual parte o fluxo de amor cósmico fala, ao mesmo tempo, como alto espírito da Sabedoria. É como se Júpiter, deus da sabedoria, reaparecesse entre os homens sob uma forma nova.
O santo grupo de comensais é dissolvido de modo dramático. O costume do Passah e a rigorosa lei proibiam que se saísse à rua nesta noite. Quem o fizesse encontraria o Anjo Exterminador. As ruas ficavam vazias, Não obstante, em determinado momento, vemos alguém sair; nada o reteve após ter recebido sua parte da refeição da mão de Jesus. o evangelho de João adiciona: “Era noite”. Em seu interior também reinava a noite; Satanás penetrou nele nesse instante. Judas vai à casa em frente, onde o círculo de Kaifás também cumpre o rito da ceia pascal, mas estão ansiosamente dispostos para as negociações que Judas pretende fazer com eles.
Judas falhou diante do mistério do sacramento. Já na véspera fora tomado pelo demônio da inquietação quando na casa em Bethânia espalhou-se o ambiente sacramental. No cenáculo deparou-se pela segunda vez com a substância do sacramento. E, portanto, aquilo que poderia oferecer-lhe paz o precipita no mais auto grau da ausência da paz, na perda arimânica do Eu, na alienação possessa.
Mais uma vez é rompida a proibição do Passah. Assustando os discípulos, Jesus se ergue e lhes faz sinal para segui-lo. Saem para a noite escura. A luz clara da lua se apagara quase totalmente. Houvera um eclipse. a lua no céu parecia uma esfera cor de sangue. As tajadas frias que acompanham a despedida do inverno começam a soprar quando Jesus chega com seus discípulos a Getsemane.
A dupla saída* (*ver Apêndice) é a imagem de processos interiores. A saída de Judas revela que seu gênio bom, seu verdadeiro Eu, o abandonou. Judas realmente encontra, lá fora, o anjo da Morte. Espíritos arimânicos o transformam em seu instrumento. A saída do Cristo é a imagem do livre derramamento da alma que, desde a origem, foi portadora, no cosmos, da idéia de sacrifício (ofertório). Quando Judas sai a escritura diz: “Era noite”. É noite também na alma de Judas. Quando sai o Cristo, podemos dizer: “era dia”. Um fulgor dourado se mistura à noite tenebrosa. Um mistério solar envolve o Cristo quando ele desce com os discípulos pelo mesmo caminho pelo qual Melquisedeque dois mil anos antes levara pão e vinho. Um sol brilha em plena noite. Por isso pode acontecer mais tarde que o Cristo subjuga o Anjo Exterminador em Getsemane.
A luz solar que os homens viram brilhar no ser do Cristo no domingo de Ramos já penetrou em camadas muito mais profundas. Ninguém o percebe. Não obstante, o mundo recebe uma nova luz nesta noite santa, que mais é uma véspera de Páscoa do que véspera de sexta-feira da Paixão. No dia da Ascensão, outra quinta-feira, seis semanas mais tarde, o germe de luz cujo crescimento começa no cenáculo já terá adquirido onipresença terrena e força cósmica.
À medida que a Semana do Silêncio realmente desemboca no silêncio, a atitude de Jesus parece modificar-se. A volição combativa e cintilante não aparece mais como antes. Quando, entre meia-noite e a aurora, os encarregados vêm prender aquele que Judas beijaria, ele não se defende. Pelo contrário, impede Pedro de defendê-lo. Vemo-lo assim, agarrado por mãos britas, arrastado de um lado para outro da cidade, aparentemente incapaz de escapar à crueldade dos que o flagelam, lhe colocam espinhos na testa, cospem e batem no seu rosto. O expectador é tomado da mais profunda emoção e tristeza quando, finalmente, os carrascos dão ao exausto a pesada cruz para carregar e depois o fixam à cruz com pregos. Onde ficou a força combativa que ainda nos primeiros dias desta semana o envolvia como em relâmpagos e centelhas? Abandonou ele a luta diante da cegueira e maldade dos homens?
Apenas em aparência exterior a atitude combativa e heróica foi substituída por uma aceitação passiva do destino. Os homens não estão maltratando e crucificando apenas um homem. Nas cenas da Paixão esconde-se o destino de um Deus: a luta que nos dias precedentes era travada por meios humanos continua agora em esfera oculta. Ao abrigo de olhares externos, esta luta assume agora dimensões muito mais poderosas. O Cristo não luta com carne e sangue, mas com os poderes invisíveis dos adversários, de cuja tirania ele quer libertar a humanidade. Luta contra as potências luciféricas, contra os seres ardentes da luz enganadora que tentam alimentar o homem da terra. Mas luta também contra os poderes arimânicos que contraem, enrijecem o homem e querem prendê-lo à matéria morta. Se adquirimos a faculdade da visão capaz de ver além do primeiro plano das cenas da Paixão, então veremos como o Cristo luta vitoriosamente, primeiro contra as potências luciféricas, depois contra as potências arimânica. No domingo de Ramos fora uma atividade da espiritualidade luciférica que desencadeara nos homens os gritos de “hosana”, uma pseudo-espiritualidade irresponsável, inútil. vimos como o Cristo recusou e despediu na segunda-feira esta antiga espiritualidade que se tornara luciférica. Na terça-feira vemo-lo entrar em outra arena de luta: na camada do intelecto esperto e astuto, sobre o qual ele lança suas palavras com grande força espiritual. Os questionadores que pretendem preparar-lhe uma cilada representam a fria astúcia e esperteza arimânica. Vemos como ele começa a enfrentar esses outros adversários mais obscuros.
Mas o poder arimânico age, mais do que na esfera humana, na esfera da matéria. Age em campo oculto. E se, aparentemente, o Cristo entrega as armas no decorrer do drama da Paixão, em realidade ele apenas persegue o poder arimânico em suas camadas ocultas para aí subjugá-lo.
O poder que Ariman possui sobre os homens se torna mais evidente e triunfante quando ele se aproxima do homem sob a forma da morte. No decorrer da evolução da humanidade, até o final da Antiguidade, a morte, inicialmente, um amigo paternal do homem, cada vez mais assumira os traços do Ariman. A fatalidade que paira sobre o homem, o fato de ser ele mortal, foi aproveitado pelo sinistro espírito, que dela faz sua mais contundente arma em sua luta contra a humanidade. O poder que a morte detém sobre nós não consiste unicamente no fato de termos que morrer, porém revela-se mais ainda depois da morte. Então, deve revelar-se a nós, após entregarmos nosso corpo terreno, ainda podemos continuar ligados àquilo que acontece na terra com aqueles aos quais nos relacionamos, dos quais fazemos parte. O poder total da morte reside nesta faculdade de nos arrancar ao terreno e nos lançar em uma vida no além sem relação alguma ou ponte que ligue à vida na terra. O poder mortal de Ariman burla o homem. durante a vida terrena o liga ao mundo da matéria, promete-lhe todas as realizações terrenas para não mais cumprir as promessas após a morte. Quanto mais terreno ou materialista o homem é durante a vida, tanto mais inexorável será o seu exílio no além. Somente aqueles que já se firmaram no espiritual durante a vida poderão continuar agindo sobre a vida na terra após a morte e continuar auxiliando aqueles que ainda permanecem na terra. Nós só possuímos, após a mote, tanto poder espiritual sobre a matéria quanto adquirimos na terra durante a vida.
Tocamos assim a esfera na qual o Cristo, ao prosseguir-se o drama da Paixão, continua a luta. Ele avança tanto mais potente nesta esfera quanto mais a aparência exterior sugere que ele se entrega passivamente aos que o capturam. ele não se defende contra os homens, não quer evitar exteriormente o sofrimento e a morte. Não se contenta apenas em defender-se, mas conquista uma vitória após a outra sobre o poder arimânico-satânico que a morte quer ter sobre a essência interior do ser humano.
Quando o Cristo, no cenáculo, na quita-feira Santa, oferece aos discípulos a Santa Ceia, aparentemente não há luta. No entanto, quão maravilhosa vitória sobre o espírito da gravidade e da matéria inerte! O Cristo acompanha o pão e o vinho que sucumbiram às forças materiais terrenas e os torna luminosos pela força solar do seu coração. Arranca a criatura da terrena às forças tenebrosas e a transforma em corpo e sangue da sua essência da luz. Adivinhamos: se agora, ainda encarnado, ele é capaz de animar (conferir alma) aos elementos da terra, a ponto de torná-los luminosos, ele poderá fazer o mesmo, e mais, após morrer na cruz. Em Getsemane, a luta contra o poder mortal entra em uma fase decisiva. Aqui, no tranquilo Horto das Oliveiras, onde tantas vezes se detivera com seus discípulos para ensinamentos íntimos*, ele tem que enfrentar – na mais extrema solidão – o mais perigoso ataque do adversário. O milagre da comunidade que ele acabara de oferecer no cenáculo para o bem do futuro da humanidade não vai ajudá-lo em nada. A consciência dos discípulos não está à altura do acontecimento. Judas desaparece nas trevas da traição, mas os outros também o abandonam, caindo nas trevas do sono de Getsemane, a partir do qual Pedro o negará.
O Cristo não tem que lutar contra uma fraqueza interna ou contra o medo da morte. Nada mais trágico do que interpretarmos a Paixão do Cristo como se Jesus, em Getsemane, tivesse orado para ser poupado da morte. Não é o medo da morte que o ataca, é a própria morte. A força da morte, já temerosa de perdê-lo do seu controle, se aproxima e ergue a mão contra ele. O anjo Exterminador quer agarrá-lo. O mistério da luta no Getsemane reside no fato de a morte querer enganá-lo. ela o quer antes da hora, antes que ele tenha completado sua missão, antes que o espírito tenha impregnado totalmente a terra. Quer arrancá-lo para se apoderar ao menos de uma parte do seu ser.
Durante três anos ardera em seu corpo e em sua alma o fogo solar do Eu divino. Os invólucros, sob este fogo interno, já estão perto de se incinerarem. O que resta ainda a assumir e a completar exigirá, também do lado físico, tanta força que surge o perigo da morte precoce. O poder arimânico, na tocaia, quer se aproveitar desse momento. Lucas, o médico, descreve exatamente o que ocorre; o errôneo sentido antropomorfico dado à cena é devido unicamente às traduções correntes. Onde a Bíblia de Lutero diz: “Aconteceu então que ele lutou com a morte e orou com maior intimidade”, o texto literalmente é: “ao entrar em agonia”. Portanto, em sentido médico-técnico, já começou a agonia, a luta final. Lucas diz ainda: “Dele derramavam-se gotas de suor com sangue”, definindo assim o exato sintoma da agonia.
O Cristo permanece vitorioso. Repele a morte. Ainda não chegou a hora. Com a mais potente força de oração jamais desenvolvida na terra, ele luta por ainda ficar no corpo. São ainda um eco desta luta as palavras que ele dirá na cruz: “Tenho sede”, aparentemente revelando uma fraqueza. Até o momento imediatamente anterior à expiração final, ele permanece fiel ao terreno. É neste fato que residirá sua vitória sobre a morte. ele penetra ainda mais profundamente no mundo material terreno que porta em sim pela corporeidade física. Ainda há um resto a cumprir. Não quer entregá-lo ao príncipe deste mundo, que já acredita ser a esfera material sua posse inalienável. Finalmente, é o próprio Judas que o aborda para lhe dar o beijo da traição, ajudando-o a repelir, com o perigo da morte precoce, o poder satânico.
Os outros discípulos, que se mantiveram fiéis ao Cristo, em realidade o abandonam. O traidor vem ajudá-lo, socorrê-lo, sem saber o que está fazendo.
O cenário do drama volta novamente ao contexto humano. A manhã da sexta-feira traz um encontro do Cristo com toda a humanidade, representada pelas três figuras de Kaifás, Pilatos e Herodes. Em seguida, a via leva ao Monte do Gólgota: vemos os mercenários baterem os pregos através das mãos e pés do Cristo e, aparentemente, ele tudo aceita, aparentemente se entregou à extrema passividade. Em realidade, sua essência interior adquiriu, através da mais amarga dor, o supremo poder do espírito sobre a matéria, de modo que o mundo da morte em nada mais pode afetá-lo. Os poderes arimânicos, as forças da morte sentem este fato. Entram em sena com suas últimas reservas, rugindo de raiva, bufando de ira porque falhou seu poder. Quando o sol escurece durante horas ao meio-dia da sexta-feira, parece que o demônio solar já foi mobilizado contra o deus sol. E, quando treme a terra, todos os demônios da terra parecem estar atacando para conseguir a vitória da força satânica da morte. O Anticristo move os elementos da terra e até mesmo as forças do céu. Mas o Cristo passa, sem se alterar, ao lado da força da morte.
A morte nada pode roubar à soberania de seu espírito, ao seu poder total sobre toda a essência terrestre. Os poderes cósmicos que levantam na hora do Gólgota estão em acordo com sua vontade. Ele disse aos que o prenderam em Getsemane: “Chegou agora a vossa hora. Agora as trevas têm a palavra”. (Lucas, 22, 53). Ao escurecer-se o sol, namda mais acontece além daquilo para o que o próprio Cristo dera o sinal.
Em meio à escuridão do Gólgota, revelou-se um mistério que podemos agora, cautelosamente, insinuar. O corpo na cruz começou a emitir luz. Se, em muitas regiões, nos campos e nos caminhos, encontramos crucifixos negros com um Cristo dourado, podemos ver nesta tradição popular e ingênua um importante mistério da sexta-feira santa. Um secreto brilho solar quebrou a terrível escuridão do meio dia. Revelou-se o sol do Cristo ao obscurecer-se o sol exterior. Um raio pascal já brilhou em plena escuridão da sexta-feira santa.
A última das sete palavras pronunciadas na cruz: “Está consumado” nao significa que acabou o sofrimento, significa que agora a vitória total sobre o poder da morte foi conquistada. Enquanto normalmente a morte, após burlar o home durante toda a vida com a matéria terrena, o lança ao além e o condena ao exílio, o Cristo, ao morrer, dirige-se diretamente à terra. O sangue flui de suas feridas e a alma o acompanha. Normalmente, quando um homem perde seu sangue, sangue e alma seguem caminhos opostos. Aqui a alma acompanha o sangue. E, em seguida, o corpo é sepultado. Normalmente quando o corpo é sepultado, corpo e alma seguem caminhos diversos. Aqui a alma segue o mesmo caminho em direção à terra. Este é o grande sacrifício cósmico de amor que o Cristo pode dedicar para toda a existência terrestre, porque a morte é incapaz de impedí-lo. A terra recebe corpo e sangue de Cristo. Recebe a grande comunhão, porque a morte não tem poder sobre aquele que morre na cruz. E assim incorporou-se a toda a existência terrena um fermento, o remédio da transespiritualização de toda a existência terrena material.
Durante três dias ainda persiste o efeito (Bann) da morte. De modo semelhante ao que acontece após a morte de qualquer homem, durante três dias ocorre uma certa parada sagrada do destino. Três dias após a morte física, a morte ainda uma vez mais adquire um poder implacável sobre o ser humano. Após ter afastado dele o corpo terreno, a morte separa agora também o corpo vital, o corpo etéreo, e o espalha pelo cosmo. O reluzir do corpo na cruz descortina a visão pascal: o poder da morte não será capaz, no terceiro dia, de dissolver o corpo etéreo do Cristo. Pelo poder que o Cristo detém sobre o seu próprio ser, este manto etéreo não se afastará da terra; substanciar-se-á, de modo que o Cristo terreno e o espiritual um intercâmbio semelhante à inspiração e expiração. As almas dos mortos podiam reunir-se à beira dos túmulos com os que deixaram a terra. A imortalidade, a presença das almas que viveram na terra, ainda era perfeitamente sentida e não era posta em dúvida. ERa o ar que os homens respiravam e do qual se asseguravam especialmente ao visitarem os túmulos e ao construírem sobre estes os seus templos.
No decorrer dos séculos, os homens se encarnaram cada vez mais profundamente. Quanto mais se ligavam à matéria terrena, tanto mais perdiam, para a vida post-mortem, a possibilidade de permanecerem ligados à terra. Durante a vida na terra ficavam presos à matéria, após a morte ficavam presos à uma esfera de sombras, de onde lhes era difícil aproximar-se dos homens na terra. A fenda entre a terra e o além se alargava cada vez mais, era cada vez mais intransponível. A esfera da vida após a morte transformou-se me prisão, como dizem as epístolas de Pedro no Novo Testamento. a humanidade corria o risco de perder a verdadeira imortalidade, a consciência que sobrevive à morte. Um encanto entorpecente se apoderou do reino dos mortos. Quando os egípcios mumificavam seus mortos e oravam nas proximidades dos corpos embalsamados, apenas tentavam forçar a conservação do estado antigo, tentavam prender as almas aos restos cadavéricos, apesar da intransponibilidade cada vez maior daquele abismo. Mas não era possível evitar a fatalidade. Cada vez mais se instalou, nos séculos pré-cristãos, o terror diante do mundo dos mortos. O estremecer diante da esfera dos mortos preenchia o mundo grego. No Velho Testamento desaparece totalmente a idéia de imortalidade. A crença de que a vida se prolonga somente nos descendentes substitui a idéia de imortalidade.
Não obstante, nos séculos pré-cristãos as almas ainda não estavam tão presas ao corpo como atualmente. Em consequência, os homens que viviam na terra sentiam claramente a trágica fatalidade da morte. Um peso oprimia a humanidade. Ainda se visitavam os túmulos, mas as almas dos mortos não vinham mais e os deuses permaneciam ausentes dos altares. O sentimento asfixiante da época pré-cristã era devido muito menos à miséria material do que à miséria interior. A terra transformou-se em deserto que há muito tempo não recebia chuva. A morte, outrora irmã do sono, transformou-se me terror da humanidade. É este o fundo emocional da esperança cada vez mais ardente pela vinda do Messias, esperança que atravessa todos os povos da era pré-cristã.
Estamos agora enter a sexta-feira Santa e a Páscoa. O corpo foi tirado da cruz e depositado no sepulcro. A humanidade não percebeu mas, misteriosamente, arquiimagens-pensamentos divinos se entretecem aos acontecimentos. A providência fez com que cruz e sepulcro se situassem em um local que há milênios já fora vivenciado como um ponto central da terra. Entre Gólgota, a colina rochosa que se prolonga na massa rochosa lunar da montanha do templo, e o sepulcro, cujos arredores formam o início da paisagem cultivada do Monte Sion, havia outrora uma fenda primária na superfície terrestre (Ver “Konigen und Propheten” pag. 58 e ss e “Caesaren und Apostel” pag. 193 e ss). A antiga humanidade via nesse terrível abismo o túmulo de Adão. Foi aí que, pela primeira vez, a morte desceu sobre a humanidade. E, deste modo, desde os tempos mais remotos, esta fenda, que corta em duas a face da cidade de Jerusalém, esteve ligada à idéia de ser esta a porta do Inferno. Neste local foi erguida ontem a cruz e está hoje o sepulcro.
Ao tentarmos assim penetrar no aspecto interior dos acontecimentos, parece-nos que mais uma vez é rasgada uma cortina, diante de outra esfera: o reino noturno dos mortos abre-se diante de nós, a esfera mais sagrada (o Santíssimo) na qual vivem as almas dos mortos que, no entanto, estão magicamente presas pela força da morte. Encontramos, então, uma luz inesperada na escuridão saturnina da esfera dos mortos. Agora existe ali alguém que não está dominado pela força mágica da morte e é livre de todo torpor. ele atravessa a morte carregando a plena luz solar de seu gênio. E, desta maneira, enquanto na terra reina o escuro sábado sepulcral, nasce o sol no reino dos mortos. É este o sentido da descida do Cristo ao inferno. No reino dos mortos nasce um reluzir de esperança. Afrouxa-se a força mágica da morte, porque a visão se abre sobre uma futura vitória da alma humana sobre o espectro terrível do reino dos mortos. Quando na terra ainda era sábado, no reino dos mortos já era Páscoa. Antes que os homens da terra percebessem algo da Páscoa, já a perceberam os mortos.
Como haverá de prosseguir o drama? Ainda não está decidida a questão se haverá Páscoa também no mundo da corporeidade terrena. Ocorrerá também no campo material a vitória sobre a morte? Vitória que já brilha no reino das almas?
A terra moribunda, arriscada a perder totalmente a conexão com o céu, recebeu um remédio. Recebeu o corpo e sangue do Cristo. Foram estas as primeiras partes da matéria terrestre totalmente impregnadas pelo espírito. São elas o germe de uma nova matéria transiluminada pelo espírito. O ser espiritual anímico do Cristo acompanhou o corpo depositado no sepulcro de José de Arimatéia como acompanha o sangue cujas gotas molharam o Monte do Gólgota. Pela primeira vez ficou sem efeito o exílio para o além, pela morte.
Encontramo-nos em um ponto crucial da Providência. Todo o universo participa diretamente daquilo que acontece na cruz e no sepulcro. A comunhão através da qual a própria terra absorve o remédio cósmico cresce incomensuravelmente. Já na sexta-feira Santa, no momento da morte do Cristo, iniciam-se os terremotos, o último dos quais ainda faz estremecer a manhã da Páscoa. Durante o sábado não cessão totalmente, embora as forças na natureza talvez se adaptassem ao silêncio sepulcral adequado ao dia. Embora possa ofender o cômodo raciocínio terreno, faz parte dos pontos culminantes cósmicos do mistério do Gólgota aquilo que Rudolf Steiner transmitiu como resultado da pesquisa espiritual, mas que pode ser comprovado também a partir do conhecimento dos segredos que repousam no solo de Jerusalém: o terremoto reabriu a fenda original do Gólgota, que fora aterrada por Salomão. E, assim, a terra inteira se transformou no sepulcro do Cristo. A terra aceitou a história que lhe foi oferecida, até mesmo fisicamente aceitou em toda a profundeza. Ao pronunciarmos, com as palavras da nossa religião, os acontecimentos do sábado de Aleluia: “ele foi enterrado no sepulcro da terra”, tocamos de leve o aspecto cósmico do mistério do Gólgota. Novalis sabia disto e expressou poeticamente que, quem ofereceu à terra o medicamento cósmico, não foi outro senão o próprio Cristo. O corpo do Cristo foi aparentemente sepultado por mãos humanas. em verdade, ele se entregou livremente após a morte para a cura de toda a terra:
“… Como ele, movido somente pelo amor
Se nos entregou totalmente.
E se deitou no ceio da terra
Como pedra fundamental de uma Cidade de Deus.”
A comunhão cósmica de nosso planeta terreno ocorre na sexta-feira Santa e no sábado de Aleluia, antes mesmo da vitória pascal completa. Eis porque o corpo fisicamente real e o sangue fisicamente real do homem Jesus de Nazaré foi o medicamento que a terra recebeu. O fluxo sacramental que daí se derrama pela humanidade parte da Páscoa. foi o erro do culto de relíquia medieval, nada mais do que uma relíquia de hábitos e crenças pré-cristãs, que induziu os homens a pensarem que sua vida cultural-sacramental dependia de restos físicos do corpo de Cristo. Os portadores do culto da Cristandade, tanto o catolicismo ocidental quanto o oriental, mantiveram com razão o velho princípio de construir altares sempre em forma de túmulo. Mas foi um erro ater-se à prescrição de que no altar deveria haver sempre uma relíquia, fosse da própria vida terrena do Cristo, fosse de um santo a ele ligado. Esta ordem foi um retorno a tempos pré-cristãos, em que só se podia cultiva a relação com o mundo espiritual à beira dos túmulos, onde repousavam os restos terrenos dos mortos. A refutação de todo culto de relíquias é o Sepulcro Vazio. O sepulcro de José de Arimatéia não continha resto algum do corpo do Cristo quando na manhã da Páscoa Pedro e João desceram na fenda escura.
O sepulcro vazio significa: Não olheis para o homem Jesus! Não estais diante do sepulcro de um grande e santo homem. Olhai para o Cristo! Ele é uma entidade cósmico divina. Seu túmulo não é o Sepulcro de José de Arimatéia, mas toda a terra. As verdadeiras relíquias não são quaisquer restos dos acontecimentos físicos, pois estes só poderiam captar o estado pré-pascal dos fatos do Gólgota. O significado da vitória pascal é que, doravante, o corpo espiritual do Cristo, tecido de luz, poderá reluzir em tudo o que é terreno. Pão e vinho, sendo o verdadeiro corpo e verdadeiro sangue do Cristo, são o medicamento da nova vida conquistada através da vitória pascal. Neles, a homeopatia espiritual atravessa o mundo, tendo como portadores os homens ligados ao Cristo. A sabedoria do Cristianismo original em torno deste mistério, expresso, por exemplo, por Inácio de Antiquóia, pode ser reconquistada em nossa época através do pensamento claro treinado pelas Ciências Naturais: o pão e vinho são os medicamentos da imortalidade.
Os altares do sacramento renovado também têm a forma de túmulo. E, quando as paróquias se reúnem em torno dos altares, sempre está presente o princípio do sábado de Aleluia. Somos os que esperam diante do Santo Túmulo. Sabemos que nosso altar não precisa abrigar relíquias. O medicamento está presente quando o Cristo está presente, no pão e no vinho. As arquiimagens da mesa e do túmulo se interpenetram. E à mesa do Senhor podem novamente estar presentes os nossos mortos. Aqueles que atravessam a morte após terem se ligado intimamente em vida ao novo sacramento indubitavelmente saberão achar este Santo Sepulcro. Mas facilmente até do que achar seus próprios túmulos. As almas não mantêm mais relação intensiva com os corpos de que se despojaram. Mas, quando nos reunimos em torno do altar, elas podem estar conosco e assim reforçar nosso relacionamento com o mundo espiritual. Os novos altares circundam-se com a mesma trama de arquiimagens que envolvia o sepulcro nas redondezas das plantações do Monte sion. Está sanado, aqui, o abismo entre este e aquele mundo e, invisivelmente, florece o jardim pascal onde nossa alma, como Maria Madalena, pôde ver o ressurreto como jardineiro de um novo mundo. De dentro para fora a escuridão saturnina é iluminada pelo sol pascal.
O drama da Semana Santa, com sua graduação planetária, possui significado em qualquer tempo. Em momentos cruciais de transformação na história da humanidade este drama adquire importância atual em todos os seus detalhes. O que sucedeu em Jerusalém, historicamente, torna-se transparente para as arquiimagens de validade eterna e fundamental. Épocas inteiras podem reconhecer-se (no espelho desse drama). É o que sucede nos temporais apocalípticos da nossa época. Estamos atravessando uma Semana Santa em grande estilo.
A excitação e as comoções que agitam os povos, tanto as guerras quanto as que são sentidas apenas no íntimo das almas, têm sua origem apenas aparente no plano físico. Em realidade, elas nascem pelo ingresso poderoso, na existência terrena, de forças e entidade supra-sensíveis. A nova vinda do Cristo é como uma grande e cósmica Jerusalém. A humanidade sente em surdina o advento ruidoso do mundo espiritual. Nos brados de guerra e de paz da atualidade traduzem-se, misturados, os “hosanas” e os “crucificai-o”. No entanto, estando as almas aprisionadas pelos hábitos materialistas, o grito de ódio prevalece amplamente sobre o canto de louvor.
Nitidamente revela-se ao nosso redor a lei da segunda-feira Santa. A vida espiritual tradicional entra em crise. Não vemos acaso tanta coisa que ainda há parecia em plena flor e alta estima agora com o aspecto de uma arvore seca? Muitos templos estão ruindo e só parecem que são autênticos. Implacavelmente o sol do destino expõe à luz do dia o que está obsoleto ou degenerado.
As forças marcianas acendem os fachos do Apocalipse. Quem consegue penetrar além da superfície dos fenômenos, reconhece que, por trás das lutas externas são travadas lutas espirituais. A luta da luz contra as trevas é travada por sobre as cabeças dos homens e na terra existe um grande perigo: que mesmo aqueles que, se estivessem suficientemente acordados poderiam lutar pela luz, desertam também para o lado das trevas. Não obstante, um pequeno grupo a serviço do sol espiritual pode ser vitorioso. A estes será dada – como outrora aos discípulos no Monte das Oliveiras – o eco espiritual de seus esforços, a visão apocalíptica através da qual poderão reconhecer o sentido de suas árduas lutas e sofrimentos.
Cada vez mais inequivocadamente os homens são colocados diante de decisões íntimas: ou encontram o caminho que leva à atitude sacramental da plenitude anímica ou sofrerão a maldição da inquietude, da angústia, do nervosismo, que os precipitará no abismo da loucura. Devem escolher entre Maria Madalena e Judas.
Sob o peso do destino não existe quase mais ninguém que, ao menos por instantes, não tenha estado perto do mistério da quinta-feira Santa, com sua luz de esperança no futuro. A questão é apenas se a consciência se mantém firme, se desperta como a de João, se submerge no torpor do sono getsemânico, como a de Pedro, que renegou o Senhor, ou se até mesmo sucumbe ao demônio como a do Judas, que o traiu.
O verdadeiro mistério de nossa época consiste na renovada presença do Cristo entre os homens. É possível perseguir as igrejas cristãs, exterminar o Cristianismo; o Cristo, ele próprio, pode apenas ser novamente flagelado, coroado de espinhos e crucificado. Isto acontece não só por parte dos adversários como também por parte dos próprios cristãos. Não surpreende que o sol se cubra e os elementos se enfureçam. A ira de Deus flagela o mundo com o castigo de tempestades. Não obstante, o aspecto oculto, interior, de tudo isto é o infinito amor divino. O Cristo é, ele próprio, o amor cósmico, morre mais uma vez para penetrar nesta terra, para salvação também daqueles que o perseguem e o crucificam.
Finalmente, toda a humanidade está esperando diante de um sepulcro. Começa a atual lei do sábado de Aleluia. As massas rochosas que mantêm sepultado o Cristo e, com ele a verdadeira imagem do homem, incluem não só as fábricas e os supermercados, mas também as igrejas. Tudo o que existe de enrijecido entre os homens é o próprio sepulcro rochoso. Encontramo-nos na véspera de uma manhã pascal ou terão sido em vão todas as provações e sofrimentos? Poder-se-ia pensa que a humanidade, em meio às catástrofes que ela própria provocou, esteja mais afastada do que nunca do mistério da Ressureição. Entretanto, naquela época também houve terremotos até na madrugada de domingo de Páscoa e, portanto, podemos esperar que nos tremores da terra e da alma que abalam nossa época também esteja o Anjo do Senhor, que afastará a pedra do sepulcro.
Os quatro evangelhos não coincidem quanto ao momento da noite da quinta-feira Santa em que Jesus deixa o Cenáculo e começa o caminho do Getsemane. Temos aí um exemplo de como a linguagem das contradições nos evangelhos revela importantes mistérios, mesmo quando as contradições se referem a detalhes aparentemente não essenciais.
Em Mateus e Marcos a cena da Santa Ceia e descrita de forma bastante coincidente. Após sentarem-se à mesa, Jesus e os discípulos relatam primeiro a anunciação da traição com as perguntas e respostas que se seguem. Esta conversa é a zona de prova após a qual se realiza o mistério sacramental: benção e distribuição de pão e vinho. Segue-se a misteriosa palavra de Jesus, que ele não mais beberá da parreira até que o faça de novo no reino de Deus. Logo após os comensais cantam o hino e Jesus sai de casa com os discípulos em direção ao Monte das Oliveiras. É importante, aqui, que nos dois primeiros evangelhos a conversa do cenáculo é, de certo modo, continuada a caminho de Getsemane. Se no cenáculo foi anunciada a traição, agora é anunciada a negação do Cristo por Pedro. Antes disto, o Cristo diz aos discípulos: “Nesta noite todos vos aborrecereis comigo”. além disto, é pronunciada a severa palavra da distração, derivada em grego do nome da escuridão. É verdade que ela se segue logo a anunciação da Páscoa. Jesus dus aos seus discípulos que, após a ressureição, ele os precederá a caminho da Galiléia. Como Pedro se defende, dizendo que ele não se aborrecerá com o Cristo, este vai além, anunciando a negação. Segue-se a cena de Getsemane.
As conversas apenas insinuadas com breves palavras têm significados diferentes conforme ocorram antes ou depois da saída. A saída em si, assustando os discípulos, deve ter provocado um estado de enlevo em suas almas. A palavra da distração ainda acentua mais este enlevo. A compreensão deste fato significa uma chave para a compreensão da misteriosa frase sobre a Gameia: esta frase foi dita a almas em estado de enlevo e seu conteúdo também se refere a um tal estado. Apenas são totalmente diversas as paisagens da alma para as quais levam o enlevo do momento e o enlevo posterior, pascal. É isto justamente o que se reflete no enigmático surgimento do motivo galileico, cujo sentido não é exterior, mas interior. a anunciação da negação, também feita a almas em estado de enlevo como que se refere, ao mesmo tempo, a um futuro estado de enlevo. Primeiro trata-se inteiramente de um enlevo cujo principal portador será Pedro. Talvez seja o hálito de mistério que já pode ser percebido na frase sobre o beber da parreira, um primeiro anúncio de que todas as palavras e todos os processos desta noite desembocarão em um enlevo inicialmente trágico, mas depois através da morte do Cristo, salvador.
No evangelho de Lucas, as conversas da Ceia se tornam mais detalhadas. Forma-se já uma transição para os grandes discursos de despedida do evangelho de João. O importante é que Lucas não divide os pronunciamentos em dois grupos, antes e depois da saída. Em Lucas, aquilo que Marcos e Mateus relatam como tendo sido falado a caminho de Getsemane, já é anunciado no Cenáculo. Chama especialmente a atenção o fato de até mesmo a negação ser anunciada antes da saída do Cenáculo. À saída, segue-se diretamente a cena de Getsemane. Em compensação, todas as palavras citadas por Lucas em relação à Ceia são de um caráter enigmático que só se elucida se forem compreendidas como tendo sido faladas a almas em estado de enlevo. Até mesmo a estranha discussão entre os discípulos sobre quem seja o maior, particularmente enigmática por ter lugar após a comunhão, leva logo às palavras do Cristo que, em Lucas, representam paralelo do lava-pés do evangelho de João, devendo ser entendida como um sintoma do enlevo que está se apoderando dos discípulos. Com maior razão ainda, o pronunciamento sobre as duas espadas e as perguntas e respostas que o acompanham, só pode se tornar compreensível se o considerarmos como sendo palavras de enlevo. Interiormente a saída já ocorreu, tanto para Jesus quanto para os discípulos; embora Lucas só relate mais tarde a saída física do Cenáculo. Só assim se esplica o aparentemente insignificante, mas em realidade, muito elucidativo contraste entre Lucas e os dois primeiros evangelhos, ou seja, Lucas relata o anúncio da negação como tendo sido feito no cenáculo e não no exterior. em Lucas, a saída física está relatada em horário posterior, porque Lucas torna mais explícito, em sua descrição, o processo interior de saída.
A metamorfose apenas iniciada no evangelho de Lucas, no de João se intensifica. É verdade que João nada diz sobre a instituição do pão e do vinho, mas na descrição do lava-pés e da ceia do Passah, aqui salientados em seus detalhes, enquanto nos outros três evangelhos não são mencionados, estão entretecidos os anúncios da traição e da negação. Depois, antes de serem relatadas a saída exterior e a ida para Getsemane, o evangelho de João nos conduz por três capítulos ao longo dos assim chamados grandes discursos de despedida, que culminam com a oração. Por causa disso, o anúncio da negação dirigido a Pedro, que em MAteus e Marcos é feito no caminho para Getsemane e em Lucas, no interior do Cenáculo, recua um grande passo para o interior.
O evangelho de João é o que menos deixa perceber o deslocamento a nível de consciência provocado pelo estado de enlevo. O transcurso físico dos acontecimentos nele é mais nitidamente constatável, o que significa que as palavras e os fatos são por ele apreendidos com a consciência desperta e racional, enquanto nos outros discípulos, e depois também nos três evangelistas, provocam um estado de enlevo.
Tanto mais emocionante é reconhecermos como, no evangelho de João, o tema da saída ainda ressurge mais uma vez de maneira significativa: no início do 18° capítulo, antes das palavras “e quando Jesus acabou de falar assim, saiu com os discípulos” já lemos, em meio aos discursos de despedida, no final do 14° capítulo: “Levantai-vos e partamos deste local” ou, na tradução de Rudolf Steiner: : Se vós também estais preparados, podemos tranquilamente deixar este local”. Se esta frase de Jesus não for desprezada como insignificante, vemos que ela é capaz de despertar a seguinte concepção: os três últimos capítulos dos discursos de despedida em João teriam sido falados enquanto Jesus e os discípulos já se levantaram da mesa preparando-se para sair da casa. A maior parte dos discursos de despedida seria, portanto, pronunciada na soleira da porta. Não poderíamos ter uma descrição mais explícita da saída interior que precedeu a saída física, do que esta do final do 14° capítulo do evangelho de João. Os discursos de despedida ressoam na alma do Cristo que ele já começou a desligar-se do corpo; e nas almas dos discípulos, enlevados pelo medo e pelo susto, só é captado, desses discursos, um reflexo relampejante ainda registrado de certa forma em Lucas, mas ausente na descrição sumária, puramente exterior, de Mateus e Marcos. Somente na alma de João que, desde a recente ressurreição do Lázaro, habita dois mundos, é capaz de manter o equilíbrio entre o enlevo do Cristo e o enlevo dos discípulos. Ele acompanha, compreendendo, a alma do Cristo que se revela ao desligar-se sem ser arrastado para o enlevo sombrio, escorpiônico, dos outros discípulos e, por isso, é capaz de captar as palavras sagradas daquela instrução na Santa Ceia.
Em comparação com os três primeiros evangelhos, predominantemente imaginativos, o evangelhos de João se apresenta como propriamente inspirativo. Enquanto a espiritualidade dos outros culmina em imagens, o elemento do evangelho de João é a palavra como tal. Ele dispõe de cunhos verbais em si bastante inaparentes, mas que conferem acentuação luminosa a certos pontos culminantes da vida do Cristo. Pela repetição destas fórmulas “joaninas” surgem figuras plácidas (silenciosas) que evidenciam importantes etapas e desenvolvimentos interiores.
Entre essas expressões verbais, uma das mais íntimas é a que normalmente se traduz por: “ele ergueu o seu olhar”. Repete-se em três trechos: cap. 6,3 – antes da alimentação dos 5.000; cap. 11,41 – antes da ressurreição do Lázaro; cap. 17,11 – antes da oração.
Antes da alimentação dos 5.000, a locução somente caracteriza conteúdo perceptivo. Jesus vê chegar a ele uma multidão. Antes da ressurreição do Lázaro e antes do final solene dos discursos de despedida, estas palavras introduzem palavras a oração, como se o erguer do olhar contivesse uma especial orientação em direção ao Pai: “Pai, dou-te graças”, “Pai, chegou a hora”. Enquanto se acredita que Jesus viu uma multidão faminta através de uma percepção física, existe um abismo separando o primeiro trecho dos dois outros.
Entretanto, este modo de compreender é provado errôneo já pelo fato de não estar escrito ele “vê”, mas ele “tem a visão” da grande multidão. Nos três trechos, a fórmula exprime a entrada do Cristo em estado de visão supra-sensível. a Tradução exata é a que R. Steiner deu, de João 17,1: “Jesus transportou-se para a visão espiritual”. Nisto, o importante é saber que esse estado não leva apenas à percepções, mas também ao contato com as realidades contempladas e as origens superiores das forças. Cada vez efeitos especiais resultam dessa visão que, de fato, é muito mais do que um simples erguer de olhos devoto.
Os três trechos têm um prelúdio no 4° capítulo, onde Jesus convida os discípulos a erguerem seus olhos: “Olhai os campos, como estão brancos para a safra”. (4,35). Jesus abre aos discípulos a visão interior do estado da humanidade.
O primeiro dos três trechos se relaciona diretamente com isto: a multidão que o Cristo vê chegar não está fisicamente presente; trata-se da humanidade futura que aparece em espírito. A alimentação é antes uma provisão de forças para os discípulos em sua missão apostolar do que uma manifestação momentânea de gente presente. Nos outros dois trechos podemos perceber que a visão do Cristo está intimamente ligada ao estado de oração de sua alma e que, de modo geral, oração e visão se ligam por íntima relação causal.
No final, o fruto da visão do Cristo não é tão perceptível como na alimentação dos 5.000 ou na ressurreição do lázaro. Mas não é menos importante: é todo o abençoado destino futuro dos discípulos.
(texto: Emil Bock)
Para mantermos os sites de Anjo de Luz, precisamos de ajuda financeira. Para nos apoiar é só clicar!
Ao fazer sua doação você expressa sua gratidão pelo serviço!
CHEQUES DA ABUNDÂNCIA
NA LUA NOVA.
«Que os Santos Seres, cujos discípulos aspiramos ser, nos mostrem a luz que
buscamos e nos dêem a poderosa ajuda
de sua Compaixão e Sabedoria. Existe
um AMOR que transcende a toda compreensão e que mora nos corações
daqueles que vivem no Eterno. Há um
Poder que remove todas as coisas. É Ele que vive e se move em quem o Eu é Uno.
Que esse AMOR esteja conosco e que esse
PODER nos eleve até chegar onde o
Iniciador Único é invocado, até ver o Fulgor de Sua Estrela.
Que o AMOR e a bênção dos Santos Seres
se difunda nos mundos.
PAZ e AMOR a todos os Seres»
A lente que olha para um mundo material vê uma realidade, enquanto a lente que olha através do coração vê uma cena totalmente diferente, ainda que elas estejam olhando para o mesmo mundo. A lente que vocês escolherem determinará como experienciarão a sua realidade.
Oração ao Criador
“Amado Criador, eu invoco a sua sagrada e divina luz para fluir em meu ser e através de todo o meu ser agora. Permita-me aceitar uma vibração mais elevada de sua energia, do que eu experienciei anteriormente; envolva-me com as suas verdadeiras qualidades do amor incondicional, da aceitação e do equilíbrio. Permita-me amar a minha alma e a mim mesmo incondicionalmente, aceitando a verdade que existe em meu interior e ao meu redor. Auxilie-me a alcançar a minha iluminação espiritual a partir de um espaço de paz e de equilíbrio, em todos os momentos, promovendo a clareza em meu coração, mente e realidade.
Encoraje-me através da minha conexão profunda e segura e da energia de fluxo eterno do amor incondicional, do equilíbrio e da aceitação, a amar, aceitar e valorizar todos os aspectos do Criador a minha volta, enquanto aceito a minha verdadeira jornada e missão na Terra.
Eu peço com intenções puras e verdadeiras que o amor incondicional, a aceitação e o equilíbrio do Criador, vibrem com poder na vibração da energia e na freqüência da Terra, de modo que estas qualidades sagradas possam se tornar as realidades de todos.
Eu peço que todas as energias e hábitos desnecessários, e falsas crenças em meu interior e ao meu redor, assim como na Terra e ao redor dela e de toda a humanidade, sejam agora permitidos a se dissolverem, guiados pela vontade do Criador. Permita que um amor que seja um poderoso curador e conforto para todos, penetre na Terra, na civilização e em meu ser agora. Grato e que assim seja.”
© 2024 Criado por Fada San. Ativado por
Você precisa ser um membro de Anjo de Luz para adicionar comentários!
Entrar em Anjo de Luz