O tubo digestivo, repleto de nossa última refeição, usa de todos os recursos para obter os nutrientes que irão sustentar a vida.
Dispõe, para tanto, de enzimas que degradam gorduras, proteínas e carboidratos, de ácidos e bases capazes de corroer uma barra de ferro, e de emulsificantes, quelantes e adstringentes, um verdadeiro laboratório bioquímico completo à nossa disposição, para fazer-nos vitoriosos dentro da natureza, permitindo que aquilo que colhamos possa ser transformado em energia.
Trabalham incessantemente para que possamos viver, sonhar e amar.
O tubo digestivo não pára por aí.
As funções absortivas são mero detalhe.
Nosso órgão ambiental deve ter a capacidade de selecionar o que é bom e o que é ruim, defender-se de um intruso com más intenções, e manter os que pegam carona e nos ajudam.
Falo das bactérias.
São centenas de gêneros delas, fazendo um total de um quatrilhão de bactérias que, dependendo da alimentação, podem ser grandes amigas de nosso corpo, ou grandes inimigas.
Para manter essa enorme população de bactérias, nem sempre pacíficas, as paredes do tubo digestivo contam com a maior massa de tecido do corpo:
o sistema de células M e as placas de Peyer.
Esses sistemas imunológicos podem identificar e destruir moléculas que não nos servem ou selecionar e absorver moléculas complexas que sejam necessárias à economia do nosso organismo.
Os processos digestório e imunológico permitem a absorção de enzimas da dieta, e podem neutralizar e destruir bactérias nocivas ou relacionar-se diplomaticamente com elas, e até dar suporte a populações de bactérias benéficas.
Se ingerirmos alimentos cozidos,
antes de um exame de sangue:
(café com leite e pão com manteiga são suficientes),
nosso corpo iniciará uma resposta imune que eleva a contagem de glóbulos brancos a um valor parecido ao de uma apendicite aguda.
Essa resposta orgânica é chamada de leucocitose digestiva. É por isso que os laboratórios pedem sempre que se fique em jejum antes de um exame de sangue. Esse fato, entretanto, não ocorre após a ingestão de alimentos crus.
As bactérias podem gerar efeitos diametralmente opostos na economia corporal, dependendo do seu gênero:
• Benéficas:
trabalharão incessantemente fermentando, degradando, digerindo, produzindo vitaminas, interferon (o mais potente remédio contra os vírus), antioxidantes, degradando colesrol nocivo e mantendo nosso sistema imune estável e ativo.
• Nocivas:
trabalharão incessantemente produzindo colesterol nocivo, enterotoxinas, produtos carcinogênicos e imunossupressores, radicais livres do oxigênio e tornando o sistema imune instável e auto-agressivo.
As pregas intestinais fazem com que a área do intestino aumente 3 vezes.
Um aumento adicional de sete a dez vezes é garantido por centenas de milhares de pregas minúsculas, as vilosidades. E, ainda por cima, dentro das vilosidades, na borda das células intestinais, estão as microvilosidades (bordas em escova) que fazem essa área aumentar mais 15 a 40 vezes.
Hipócrates já dizia em 400 a.C. que somos aquilo que comemos. É uma verdade absoluta. Mas hoje a ciência da probiótica deixa claro que :
"Somos o que temos de bactérias em nosso intestino".
Nosso respeito por elas aumenta a cada dia: a qualidade das bactérias que ocupam o intestino determina nossa saúde.
Hipócrates era um analista dotado de grande intuição e percebeu tudo isso pela observação e anotação de dados.
Os alimentos cozidos, irradiados, embutidos, os açúcares e as gorduras saturadas são os alimentos prediletos de bactérias hostis.
Alimentando-se assim, mantemos em nosso intestino um viveiro de serpentes venenosas, que transformam tudo o que aparece em toxinas fortíssimas e degradam substâncias presentes nessa forma de dieta, em produtos que fabricam o câncer, podendo agir diretamente na parede do intestino ou ser absorvidos, gerando um enorme problema para nosso corpo se livrar.
Causa surpresa que esses alimentos sejam considerados inofensivos pela Saúde Pública.
Michacl Gershon, um eminente pesquisador americano, publicou em 2002 o livro O segundo cérebro.
Simultaneamente, no Brasil, foi publicado pelo Dr. Helion Póvoa o livro O cérebro desconhecido. São leituras interessantíssimas acessíveis a leigos (com algum sacrifício).
Nosso tubo digestivo, feioso, na obscuridade abdominal, capaz de produzir puns e coco, é na verdade um cérebro sensível, pensante, emocionável, irritável, magoável.
Além de ter memória emocional, é capaz de emitir sinais transmissores sutis ao cérebro branquinho e chique lá de cima, na cabeça.
Assim, o que temos nos intestinos pode influenciar nosso pensamento e felicidade.
De forma análoga, a ciência comprovou que o uso de tranquilizantes ou terapia pode fazer uma pessoa melhorar no âmbito psicológico, mas se nada mudar na alimentação, os intestinos desses mesmos indivíduos continuarão a apresentar suas próprias psiconeuroses.
Existem milhões de neurônios no tubo digestivo, fazendo-o senhor de seu próprio controle, e há relativamente poucas conexões com o sistema nervoso central, além das fibras vagais.
O que é mais surpreendente ainda:
se fossem desligados de vez todos esses circuitos integrativos, ainda assim o tubo digestivo seria capaz de funcionar com algum grau de coordenação. Segundo Gershon, "a voz do cérebro certamente se faz ouvir no intestino, mas não em linha direta com todos os membros da congregação entérica”.
Esse e outros fatos comprovados pela ciência levaram os fisiologistas a determinar o que hoje se denomina de "divisão entérica" do sistema nervoso, ou seja, a parte do sistema nervoso relativa especificamente aos intestinos.
O tubo digestivo tem importantes efeitos sobre o comportamento humano.
E um complexo computador de informações do ambiente que pode harmonizar-se com o hospedeiro ou rebelar-se contra ele.
O maior mediador do pensamento, a serotonina, tem 95% de sua produção feita nos intestinos.
Se considerarmos ainda que os intestinos possuem funções de regulação de todas as glândulas do corpo, que é estratégico para a formação do sangue, que é a base de nossa imunidade, e a origem de nossa alegria interior e bem-estar, poderemos afirmar:
A paz começa nos intestinos.
Texto extraído do livro Lugar de Médico é na cozinha - Dr. Alberto Gonzalez