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Texto de Marina Silva sobre Avatar.

"Teve um momento, vendo Avatar, que me peguei levando a mão à frente

para tocar a gota d´água sobre uma folha, tão linda e fresca. Do jeito

que eu fazia quando andava pela floresta onde me criei, no Acre. A

guerreira na'vi bebendo água na folha como a gente bebia. No período

seco, quando os igarapés quase desapareciam, o cipó de ambé nos

fornecia água. Esse cipó é uma espécie de touceira que cai lá do alto

das árvores, de quase 35 metros, e vai endurecendo conforme o tempo

passa. Mas os talos mais novos, ainda macios, podem ser cortados com

facilidade. Então, a gente botava uma lata embaixo, aparando as gotas,

e quando voltava da coleta do látex, a lata estava cheia. Era uma água

pura, cristalina, que meu pai chamava de água de cipó. E aprendíamos

também que se nos perdêssemos na mata, era importante procurar cipó de

ambé, para garantir a sobrevivência.

Me tocou muito ver a guerreira na'vi ensinando os segredos da mata.

Veio à mente minhas andanças pela floresta com meu pai e minhas irmãs.

Ele fazia um jogo pra ver quem sabia mais nomes de árvores. Quem

ganhasse era dispensada, ao chegar em casa, de cortar cavaco para

fazer o fogo e defumar a borracha que estávamos levando. A disputa era

grande e nisso ganhávamos cada vez mais intimidade com a floresta,

suas riquezas e seus riscos.

A gente aprendia a reconhecer bichos, árvores, cipós, cheiros.

Catávamos a flor do maracujá bravo pra beber o néctar, abrindo com

cuidado o miolinho da flor. Lá se encontrava um tiquinho de mel tão

doce que às vezes dava até agonia no juízo, como costumávamos dizer.

É incrível revisitar, misturada à grandiosidade tecnológica e plástica

de Avatar, a nossa própria vida, também grandiosa na sua simplicidade.

Sofrida e densa, cheia de riscos, mas insubstituível em beleza e

força. Éramos muito pobres, mas não passávamos fome. A floresta nos

alimentava. A água corria no igarapé. Castanha, abiu, bacuri, breu, o

fruto da copaiba, pama, taperebá, jatobá, jutai, todas estavam ao

alcance. As resinas serviam de remédio, a casca do jatobá para fazer

chá contra anemia. Folha de sororoca servia pra assar peixe e também

conservar o sal. Como ele derretia com a umidade, tinha que tirar do

saco e embrulhar na folha bem grande, que geralmente nasce em região

de várzea. Depois amarrava com imbira e deixava pendurado no alto do

fumeiro para que o calor mantivesse o sal em boas condições. Aprendi

também com meu pai e meu tio a identificar as folhas venenosas que

podiam matar só de usá-las para fazer os cones com que bebíamos água

na mata.

O filme foi um passeio interno por tudo isso. Chorei diversas vezes e

um dos momentos mais fortes foi quando derrubam a grande árvore. Era a

derrubada de um mundo, com tudo o que nele fazia sentido. E enquanto

cai o mundo, cai também a confiança entre os diferentes, quando o

personagem principal se confessa um agente infiltrado para descobrir

as vulnerabilidades dos na'vi. E, em seguida, a grande beleza da cena

em que, para ser novamente aceito no grupo, tem a coragem de fazer

algo fora do comum, montando o pássaro que só o ancestral da tribo

tinha montado, num ato simbólico de assunção plena de sua nova

identidade.

O filme também me remeteu ao aprendizado ao contrário, quando fui para

a cidade e comecei a aprender os códigos daquele mundo tão estranho

para mim. Ali fui conduzida por pessoas que me ensinaram tudo, me

apontaram as belezas e os riscos. E também enfrentei, junto com eles,

o mal e a violência da destruição.

Impossível não fazer as conexões entre o mundo de Pandora, em Avatar,

e nossa história no Acre. Principalmente quando, a partir da década de

70 do século passado, transformaram extensas áreas da Amazônia em

fazendas, expulsando pessoas e comunidades, queimando casas, matando

índios e seringueiros. A arrasadora chegada do "progresso" ao Acre

seguiu, de certa forma, a mesma narrativa do filme. Nossa história,

nossa forma de vida, nosso conhecimento, nossas lendas e mitos, nada

disso tinha valor para quem chegava disposto a derrubar a mata,

concentrar a propriedade da terra, cercar, plantar capim e criar boi.

Para eles era "lógico" tirar do caminho quem ousava se contrapor. Os

empates, a resistência, a luta quase kamikaze para defender a

floresta, usando os próprios corpos como escudos, revi internamente

tudo isso enquanto assistia Avatar.

A ficção dialoga muito profundamente com a realidade. Seres humanos,

sem conhecimento sensível do que é a natureza, chegam destruindo tudo

em nome de um resultado imediato, com toda a virulência de quem não

atribui nenhum valor àquilo que está fora da fronteira estreita do seu

interesse imediato. No filme, como o valor em questão era a riqueza do

minério, a floresta em si, com toda aquela conectividade, toda a

impressionante integração entre energias e formas de vida, não vale

nada para os invasores. Pior, é um estorvo, uma contingência

desagradável a ser superada.

Encontrei na tela, em 3D e muita beleza plástica e criatividade, um

laço profundo e emocionante com a nossa saga no Acre, com Chico

Mendes. E percebi que, assim como no filme, éramos considerados

praticamente alienígenas, não humanos, não portadores de direitos e

interesses diante dos que chegavam para ocupar nosso espaço.

É uma visão tão arrogante, tão ciosa da exclusividade do seu saber,

que tudo o mais é tido como desimportante e, consequentemente, não

deve ser levado em conta. É como se se pudesse, por um ato de vontade

e comando, anular a própria realidade. Como se o que está no lugar que

se transformou em seu objeto de desejo, fosse uma anomalia, um

exotismo, uma excrescência menor.

E, afinal, essa arrogância vem da ignorância e da falta de

instrumentos e linguagem para apreender a riqueza da diferença e

extrair dela algum significado relevante e agregador de valor. Numa

inversão trágica, a diferença é vista apenas como argumento para

subjugar, para estabelecer autoritariamente uma auto-definida

superioridade. Poderíamos chamar tudo isso de síndrome do invasor,

cujo principal sintoma é a convicção cega e ensandecida, movida a

delírios de poder de mando e poder monetário, de ser o centro do

mundo.

No Acre nos deparamos com muitos que viam nossos argumentos como

sinônimo de crendices, superstição. Coisa de gente preguiçosa que

seria "curada" pelo suposto progresso de que eles se achavam

portadores. Por outro lado, também chegaram muitos forasteiros que,

tal como a cientista de Avatar e o grupo que a seguiu, compreenderam

que nosso modo de vida e a conservação da floresta eram uma forma de

conhecimento que poderia interagir com o que havia de mais avançado no

universo da tecnologia, da pesquisa acadêmica e das propostas

políticas de mudanças no modelo de desenvolvimento que eram formuladas

em todo o mundo. Com eles, trocamos códigos culturais, aprendemos e

ensinamos.

Fiquei muito impressionada como esse processo está impregnado no

personagem principal de Avatar. Ele se angustia por não saber mais

quem é, e só recupera sua integridade e identidade real quando começa

a se colocar no lugar do outro e ver de maneira nova o que antes lhe

parecia tão certo e incontestável. Sua perspectiva mudou quando viu a

realidade a partir do olhar e dos sentimentos do outro, fazendo com

que a simbiose presente no avatar, destinado a operar a assimilação e

subjugação dos diferentes, se transformasse num poderoso instrumento

para ajudá-los a resistir à destruição.

Pode-se até ver no filme um fio condutor banal, uma história de Romeu

e Julieta intergalática. Não creio que isso seja o mais importante. Se

os argumentos não são tão densos, a densidade é complementada pela

imagem poderosa e envolvente, pelo lúdico e a simplicidade da fala. Se

houvesse uma saturação de fala, de conteúdos, creio que perderia

muito. A força está em, de certa maneira, nos levar a sermos avatares

também e a tomar partido, não só ao estilo do Bem contra o Mal, mas em

favor da beleza, da inventividade, da sobrevivência de lógicas de vida

que saiam da corrente hegemônica e proclamem valores para além do

cálculo material que justifica e considera normais a escravidão e a

destruição dos semelhantes e da natureza.

E, se nada mais tenho a dizer sobre Avatar, quero confessar que aquele

povo na'vi tão magrinho e tão bonito foi para mim um alento. Quando

fiquei muito magra, na adolescência, depois de várias malárias e

hepatite, me considerava estranha diante do padrão de beleza que era o

das meninas de pernas mais grossas, mais encorpadas. Sofria por ser

magrinha demais, sem muitos atributos. Agora tenho a divertida

sensação de que, finalmente, achei o meu "povo", ainda que um pouco

tarde. Houvesse os na´vi na minha adolescência e, finalmente, eu teria

encontrado o meio onde minhas medidas seriam consideradas

perfeitamente normais."

 

”Aprendi com a primavera

a deixar-me cortar

e voltar sempre inteira.”

C. Meireles

Uma unidade de encontro é como um poema

que se desenvolve ao som,

ritmo e compasso da sinergia.

Há sempre beleza e encantamento quando abrimos

espaço para o universo amplo

do encontro humano.

Roberto Crema

 

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Muito oportuno essa postagem, agradeço.

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Co-criando A NOVA TERRA

«Que os Santos Seres, cujos discípulos aspiramos ser, nos mostrem a luz que
buscamos e nos dêem a poderosa ajuda
de sua Compaixão e Sabedoria. Existe
um AMOR que transcende a toda compreensão e que mora nos corações
daqueles que vivem no Eterno. Há um
Poder que remove todas as coisas. É Ele que vive e se move em quem o Eu é Uno.
Que esse AMOR esteja conosco e que esse
PODER nos eleve até chegar onde o
Iniciador Único é invocado, até ver o Fulgor de Sua Estrela.
Que o AMOR e a bênção dos Santos Seres
se difunda nos mundos.
PAZ e AMOR a todos os Seres»

A lente que olha para um mundo material vê uma realidade, enquanto a lente que olha através do coração vê uma cena totalmente diferente, ainda que elas estejam olhando para o mesmo mundo. A lente que vocês escolherem determinará como experienciarão a sua realidade.

Oração ao Criador

“Amado Criador, eu invoco a sua sagrada e divina luz para fluir em meu ser e através de todo o meu ser agora. Permita-me aceitar uma vibração mais elevada de sua energia, do que eu experienciei anteriormente; envolva-me com as suas verdadeiras qualidades do amor incondicional, da aceitação e do equilíbrio. Permita-me amar a minha alma e a mim mesmo incondicionalmente, aceitando a verdade que existe em meu interior e ao meu redor. Auxilie-me a alcançar a minha iluminação espiritual a partir de um espaço de paz e de equilíbrio, em todos os momentos, promovendo a clareza em meu coração, mente e realidade.
Encoraje-me através da minha conexão profunda e segura e da energia de fluxo eterno do amor incondicional, do equilíbrio e da aceitação, a amar, aceitar e valorizar  todos os aspectos do Criador a minha volta, enquanto aceito a minha verdadeira jornada e missão na Terra.
Eu peço com intenções puras e verdadeiras que o amor incondicional, a aceitação e o equilíbrio do Criador, vibrem com poder na vibração da energia e na freqüência da Terra, de modo que estas qualidades sagradas possam se tornar as realidades de todos.
Eu peço que todas as energias e hábitos desnecessários, e falsas crenças em meu interior e ao meu redor, assim como na Terra e ao redor dela e de toda a humanidade, sejam agora permitidos a se dissolverem, guiados pela vontade do Criador. Permita que um amor que seja um poderoso curador e conforto para todos, penetre na Terra, na civilização e em meu ser agora. Grato e que assim seja.”

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