O Santo Daime é uma manifestação religiosa surgida em plena região amazônica nas primeiras décadas do século XX. Consiste em uma doutrina espiritualista que tem como base o uso sacramental de uma bebida enteógena, o ayahuasca, com o fim de catalisar processos interiores e espirituais sempre com o objetivo de cura e bem estar do indivíduo. A doutrina não possui proselitismo, sendo a prática espiritual essencialmente individual, sendo o autoconhecimento e internalização os meios de obter sabedoria.
Segundo seus adeptos, a doutrina do Santo Daime é uma missão espiritual cristã , que encaminha os seus praticantes ao perdão e a regeneração do seu ser. Isto acontece porque o daimista, ao participar dos cultos e ingerir o Santo Daime inicia um processo de auto conhecimento, que visa corrigir os defeitos e melhorar-se sempre, para que possa um dia alcançar a perfeição.
Nos rituais sempre há uma forte presença musical. São sempre cantados hinos religiosos e são usados maracás, um instrumento indígena ancestral, na maioria dos locais de culto.
Surgiu no estado brasileiro do Acre, no início do século XX, tendo como fundador o lavrador e descendente de escravos Raimundo Irineu Serra, que passou a ser chamado dentro da Doutrina e por todos que o conheciam como Mestre Irineu. Após conhecer a bebida sacramental chamada de ayahuasca pelos nativos da região Amazônica, Irineu Serra teve uma visão de características mariana, em que um ser espiritual superior lhe entrega a missão do Santo Daime.
A história do Santo Daime
Raimundo Irineu Serra nasceu em São Vicente Ferrer, no Estado do Maranhão em 1892. No final da primeira década do século, embarcou para o então Território do Acre para trabalhar nos seringais, onde se estabeleceu próximo à cidade de Brasiléia, na fronteira com a Bolívia. Foi ali que Raimundo Irineu Serra, conhecido pelos discípulos como Mestre Irineu, teve sua iniciação com a ayahuasca (um dos muitos nomes da beberagem), recebendo a missão de uma entidade feminina associada com a Virgem Maria (Virgem da Conceição ou Rainha da Floresta) de expandir a doutrina e utilizar todo o conhecimento nela inserida para a cura.
Mestre Irineu não inventou a ayahuasca, foi antes responsável pela cristianização do seu uso, rebatizando a bebida a partir do rogativo "Dai-me Amor", "Dai-me Firmeza", etc. A nova religião mesclou elementos culturais diversos como as tradições caboclas e xamânicas, o catolicismo, o espiritismo, e tradições afro-brasileiras.
Na década de 30 inicia seus trabalhos espirituais com um pequeno grupo de seguidores nos arredores de Rio Branco e, com o passar dos anos, viu esse grupo aumentar em tamanho e importância no cenário acreano. Raimundo Irineu Serra faleceu em em 6 de julho de 1971. Após seu falecimento, houve dissidências, sendo a mais famosa, a liderada por Sebastião Mota de Melo, responsável pela expansão da Doutrina para outros estados e países a partir do início da década de 1980.
Em 2006, estimava-se em aproximadamente 10.000 os seguidores dessa doutrina no Brasil e no mundo. Há centros legalmente instituídos em quase todos os estados brasileiros e em países como Espanha e Países Baixos, além de grupos que celebram os cultos em países como Estados Unidos, Canadá, Japão, Argentina, Chile, Uruguai, Venezuela e Portugal.
A doutrina ficou então dividida em duas vertentes principais:
O Centro de Iluminação Cristã Luz Universal (CICLU) - Alto Santo - dirigido pela viúva do mestre, Peregrina Gomes Serra.
O CEFLURIS, fundado pelo Sebastião Mota de Melo, natural de Eirunepé, Amazonas. O Centro Eclético de Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra ( CEFLURIS ) foi registrado em 1974, com sede na cidade do Rio Branco, como um centro espírita estruturado sob a forma de sociedade religiosa sem fins lucrativos, responsável pela organização da Doutrina e pela feitura e distribuição da bebida sacramental utilizada nos rituais.
Inúmeros centros independentes ou não diretamente ligados ao CICLU ou ao CEFLURIS surgiram após a expansão para o resto do país. Um dos mais recentes desdobramentos desta expansão é o surgimento de centros independentes, que promovem sincretismos com a Umbanda, O Espiritismo, o Hinduísmo, etc.
A discussão sobre o uso ritual de substâncias psicoativas como a ayahuasca vem sendo discutida em vários países. No Brasil, a legislação permite o uso apenas ritualistico.
Nas várias linhas atuais há diversos tipos de trabalhos, sendo considerados trabalhos oficiais da Doutrina os relativos a datas festivas (como São João, Natal), os trabalhos de concentração (realizadas nos dias 15 e 30 de cada mês), os trabalhos de cura como Estrela e São Miguel. Dentro da Linha do Padrinho Sebastião há ainda trabalhos mediúnicos como de Mesa Branca ( leia sobre Umbandaime).
A liturgia do Santo Daime é essencialmente musical e o cerimonial consiste no canto de hinos, que são recebido do astral, não sendo de própria autoria, acompanhado por instrumentos musicais como violões, tambores, flauta ou teclados, e tradicionalmente pelos maracás. Os trabalhos de concentração e cura são feitos com os participantes sentados em seus lugares (sempre divididos entre homens e mulheres, corrente de energia YANG e YIN) em volta da mesa central. Porém, na maior parte dos trabalhos ocorre o bailado, em que os participantes executam passos individuais durante a execução dos hinos (também sendo separados os homens das mulheres). São três os ritmos utilizados nas cerimônias Daimistas tradicionais, a marcha, a valsa e a mazurca. Cada ritmo tem seu próprio toque de maracá e seu passo específico. O objetivo é executar os hinos e o bailado com a máxima afinação entre os participantes (a corrente), afim de que se possa atingir um estado de elevação de consciência.
Para participar de uma cerimônia daimista, é necessário usar roupas preferencialmente claras, evitando decotes, bermudas e blusas sem manga. Além disso, as mulheres devem usar saias abaixo dos joelhos. Os Daimistas utilizam um vestuário ritual em suas cerimônias, chamadas "fardas", sendo elas de dois tipos: uma chamada de farda branca e a outra chamada de farda azul, possuindo variações para homens e mulheres. Todo Daimista fardado traz na sua farda sobre o peito esquerdo a estrela de Salomão com a águia e a lua crescente, simbolizando uma visão do Mestre Irineu.
O Santo Daime fora da Amazônia
A "doutrina da floresta" acabou por se expandir pelo Brasil e pelo mundo. Ganhou muitos novos adeptos, incluindo pessoas famosas e de destaque na mídia. Como uma das caracteristicas do Santo Daime é o conceito de Centro Livre, ou seja, o não-dogmatismo e o não-sectarismo religioso, passou a sofrer influencia de diversas tradições espiritualistas e a dar origem a outras vertentes, muitas das quais distanciaram-se muito da doutrina do Mestre Irineu. Ao penetrar em áreas onde era grande a influência de religiões afro-brasileiras, acentua-se as influências negras que já estavam presente em menor escala na doutrina. Influencia a Umbanda também, pois esta passou a utilizar o chá em alguns pontos.
É interessante também destacar que existem diversos cultos espalhados pelo Brasil e pelo mundo que utilizam a ayhuasca como sacramento, como a UDV (união do Vegetal), também proveniente do Acre, sem contar as hordas de "ayhuasqueiros" que utilizam a beberagem de forma independente ou não-ritualistica, e que não devem ser confundidos com o Santo Daime.
Nos grandes centros do país, o Daime passou também a ser praticado por grupos de pessoas que já possuíam crenças alternativas, como as religiões orientais. Portanto o Santo Daime em alguns locais recebeu essas influências, em detrimento de suas origens caboclas. Apesar disso,as linhas autênticas de Daimistas, geralmente ligados ao CICLU e ao CEFLURIS, estão empenhados e compromissados em manter e preservar as tradições do Santo Daime da forma como esta Doutrina foi vertida da floresta para o resto da humanidade.
OS SÍMBOLOS DO SANTO DAIME
Na doutrina do Santo Daime existem três principais símbolos, ou referências simbólicas, que não se constituem em iconografia. Discorreremos brevemente sobre cada um deles.
Um símbolo central do Santo Daime é o Santo Cruzeiro, fincado em tamanho gigante, à esquerda de quem adentra o templo e orna também a mesa de centro do salão de serviços. Um traço doutrinário distintivo é que esta é a Cruz de dois braços, ou Cruz de Caravaca.
A Cruz de Caravaca surgiu na história da cristandade pela primeira vez em 1232, na cidade espanhola de Caravaca, em Múrcia. No Brasil, a Cruz de Caravaca chegou há muito tempo, trazida pelos primeiros colonizadores, na esquadra de Martin Afonso de Souza.
Tida como um poderoso amuleto, passou a ser adotada pelos cruzados, templários e missionários como símbolo de proteção. Popularmente os dois braços significam fé redobrada. É comum ouvir os daimistas dizerem que o segundo braço significa o retorno do Nosso Senhor Jesus Cristo.
São muitas as interpretações: para os esotéricos, por exemplo, o lenho vertical significa a cruz do espírito; e o lenho horizontal simboliza o plano material, tendo como resultado o Homem, que é um ser que se move no plano material com opção para ascender ou descender espiritualmente. A cruz lhe recordará a sua posição na escala evolutiva, e fará com que se centre no cruzamento do espírito com a matéria.
Ao lado da Cruz de Caravaca, a doutrina do Santo Daime também adotou o Santo Rosário católico. A palavra Rosário origina-se de rosa, flor da roseira. O Rosário é uma enfiada de 165 contas, correspondentes ao número de quinze dezenas de ave-marias e quinze pais-nossos para serem rezados como prática religiosa, entremeado da contemplação dos mistérios da vida, paixão, morte e ressurreição de Cristo, sempre relacionando essa caminhada com a Virgem Santíssima.
A devoção do Rosário teve o seu reflorescimento com as aparições de Nossa Senhora em Lourdes, na França (1.858) e Fátima, Portugal (1.917). Os rituais daimistas de Hinário (bailado) iniciam-se com a reza do Terço – a terça parte do Rosário – e logo após o rosário é depositado pela "puxante" no Cruzeiro da mesa de centro, o abraçando.
A oração do Santo Rosário é considerada uma benéfica prática, impregnada de humildade, renascimento, caridade, pureza, penitência, perdão, perseverança, devoção e fé na salvação eterna. Outro importante símbolo doutrinário é a representação da lua crescente com uma águia pousada no centro. Este símbolo está presente na bandeira do Santo Daime; pode compor a insígnia portada no peito direito do adepto – no centro da estrela de Salomão – e como elemento simbólico e decorativo do salão da sede de serviços.
Esta é a representação simbólica do mito fundante da doutrina, quando numa noite de lua cheia uma Senhora apareceu para o jovem Irineu Serra dentro da lua. "E viu-se um grande sinal no céu: uma mulher vestida do sol, tendo a lua debaixo dos seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça".
Consagrada como Mãe, Rainha, Lua Branca - identificada com a Virgem Mãe Católica, Nossa Senhora da Conceição, a Senhora passa a lhe entregar a doutrina do Santo Daime através dos hinos, que são as revelações dos mistérios divinos. A Estrela de Salomão ou o "Selo de Salomão" é uma outra referência muito significativa para "os soldados do exército de Juramidam", pois este é o símbolo que ostentam no peito. Também conhecido por escudo ou estrela de David, é uma estrela de seis pontas, formada por dois triângulos equiláteros, um perfeitamente invertido em relação ao outro, que contém, entre vários atributos, os quatro elementos alquímicos: o fogo no vértice superior, a água no vértice inferior, o ar na reentrância à esquerda, entre os dois triângulos e, por fim, a terra na correspondente reentrância à direita. O hexagrama que é o Selo de Salomão reúne, na sua totalidade, além do conjunto dos elementos do universo, as qualidades fundamentais da matéria. Estas situam-se nas pontas laterais da estrela e correspondem-se, duas a duas, com os elementos: quente e seco para o fogo; frio e úmido para a água; quente e úmido para o ar; e frio e seco para a terra. Assim, na tradição hermética, o Selo de Salomão pretende exprimir, na sua aparente simplicidade, a complexidade cósmica.
O hexagrama também pode reunir os sete metais básicos: o chumbo, o estanho, o ferro, a prata, o cobre e o mercúrio - nas pontas da estrela e rodando segundo os ponteiros do relógio - e, ao centro, o ouro. O domínio alquímico desses elementos, na ciência esotérica, permite ao iniciado mover conscientemente o seu corpo astral e viajar com ele do plano físico a planos astrais superiores. O vôo astral que o Daime possibilita.
Além desses signos aqui postos, admite-se no salão de serviços daimista fotos do fundador da doutrina e de adeptos proeminentes, alguns já falecidos, que contribuíram para a formação da irmandade (fotos de seo Leôncio Gomes, Tetéo, Madrinha Peregrina Gomes Serra, Francisco Grangeiro Filho e outros).
"NO SANTO DAIME TUDO SE SOMA" OU ECLETISMO E SANTO DAIME
Em 1974 o Padrinho Sebastião Mota de Melo lidera uma dissidência, deixando o Alto Santo e funda a sua igreja na colônia em que residia, área rural do município de Rio Branco, capital do Acre. Ali na Colônia 5.000 organiza-se o CEFLURIS – Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra – que, como o próprio nome indica, desenvolverá um amplo sistema de crenças de caráter sincretista. O sincretismo é a tentativa de conciliar crenças díspares e mesmo opostas e de fundir práticas de várias escolas de pensamento. Está associado em especial à tentativa de fundir e criar analogias entre várias tradições originariamente discretas, particularmente na teologia e mitologia da religião, afirmando assim uma unidade subjacente.
A liderança e o carisma do Padrinho Sebastião, assim como a curiosidade despertada por uma religião amazônica que fazia uso da ayahuasca, atrai para a Colônia 5.000 contingentes de jovens de classe média, de comportamento social "alternativo" (hippies, mochileiros etc) provenientes em sua maioria do Sudeste brasileiro, que vão se tornando novos adeptos urbanos do Santo Daime. A atração exercida pelo Santo Daime sobre aqueles que seriam seus novos adeptos corresponde a um fenômeno surgido em diversas partes do mundo, que logo chegou ao Brasil, nas grandes cidades, que é um movimento de contestação social, ganhando adeptos entre indivíduos das camadas médias urbanas, com alto grau de escolaridade.
Um dos nomes generalizantes que se dá a esse movimento é o de contracultura. Entre as diversas tendências contraculturais existentes destaca-se a "nova consciência religiosa", formada por indivíduos representativos de trajetórias identificadas com o programa ético-político moderno, de tipo "libertário" e críticos da tradição, especialmente do "fardo repressivo" das tradições religiosas. Estes sujeitos originários do modelo individualista-laicizante, freqüentemente educados dentro de padrões racionalistas e iluministas, mostram-se crescentemente atraídos pela fé religiosa, pelos mistérios do êxtase místico, pela redescoberta da comunhão comunitária e pelo desafio de saberes esotéricos.
Paralelo ao apelo por revoluções sociais e sexuais, parte da juventude do país escolheu por estudar e conhecer civilizações orientais e a recuperação do exótico, do diferente, do original, seus mistérios transcendentais e ocultistas. Nos idos de 1970, frente ao fracasso da resistência armada à ditadura militar, adotam uma forma de transformação mais individualista adotando idéias "hippies" e da "Nova Era" que começavam a chegar ao Brasil. Para MacRae o holismo místico-ecológico substitui crenças e práticas anteriores, e o repertório sobrenatural e espiritual dos recém convertidos passa a ser povoado por lamas tibetanos, iogues, orixás, chamas violetas, discos voadores, seres extraterrestres, cristais, pirâmides, os ensinamentos de Don Juan relatados por Carlos Castañeda e outros exotismos.
Entre essas inúmeras vivências e experiências esotéricas esses "buscadores" encontram uma religião popular do norte do Brasil,
o Santo Daime, que a partir da década de oitenta se expande para as principais cidades brasileiras. Ao se converterem a um novo sistema de crença, esses novos adeptos urbanos passam por mudanças em relação aos seus modos de vida e aos códigos intelectuais, e a racionalidade é posta em suspeição como modelo de explicação do mundo. Fundam-se novos códigos de ética e de conduta moral, reconstruindo o seu self.
Ao tempo em que se convertem a um novo sistema de crença, e passam a ser influenciados por ele, também influenciam a nova linha doutrinária que surgia – a linha do Padrinho Sebastião – reinterpretando e ressignificando a cosmologia criada pelo Mestre Raimundo Irineu Serra, a ele entregue pela Virgem Mãe na forma e conteúdo dos cinco hinários da base doutrinária.
DE VOLTA AO COMEÇO: A INEXISTÊNCIA DE ICONOGRAFIA NO SANTO DAIME
Recebendo todas essas influências, nos templos daimistas passam a abundar representações iconográficas não só cristãs, mas também umbandistas e de outras linhas e sistemas de crença.
Constatamos que, mesmo entre os "velhos adeptos", a prática de colecionar ícones católicos se institui, quando em suas casas passam a ter representações da Virgem Maria e de outros ícones cristãos.Muitas vezes essa prática é levada por seus filhos que ainda residem nos lares paternos. Porém, é bom ressaltar que a Santa Doutrina entregue ao Mestre Raimundo Irineu Serra por ordem da Virgem Mãe não tem representação iconográfica. Por quê? O que lhe confere essa especificidade?
Vejamos: nos hinos dos hinários é repetido diversas vezes que a missão do Mestre Irineu é de "replantar a Santa Doutrina do Salvador". Vamos entender o que é isso lembrando das palavras de Cristo Jesus: "não cuideis que vim destruir a lei e os profetas (como era chamado o Antigo Testamento), não vim extinguir, mas cumprir".
Ao dizer isso Jesus reafirma a tradição judaica, que a sua doutrina é a continuidade da doutrina dos antigos profetas judeus, porém incorporando um essencial novo elemento ético: "eis que eu vos dou um Novo Mandamento: Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei". Sebastião Jaccoud afirma: "a maravilha desta doutrina é que ela tem seus fundamentos nos princípios. (...) Vai buscar os tempos primitivos, das tribos de Israel, Judá, Jacó, passando por Noé, Moisés e tantos outros que vieram em seus devidos tempos para disseminar os conhecimentos religiosos para aqueles que seguiam com eles, os parentes, a tribo. (...) De acordo com o que se lê nas narrações do passado, há toda uma linha que vai de Noé a Jesus Cristo dentro do povo judeu".
Alex Polari, ideólogo daimista, um dos responsáveis pela reinterpretação e ressignificação da doutrina pelo prisma New Age, paradoxalmente reafirma essa tradição judaica na doutrina de Juramidam quando escreve: "a tradição cristã apoiou-se numa tradição anterior do povo de Israel, principalmente dos essênios, que esperavam o final dos tempos e o advento de um Messias. Seu líder era denominado `O Mestre da Justiça' e esperava-se a sua reencarnação".
Em outro livro, transcrevendo palavras do Padrinho Sebastião Mota de Melo, ele continua:
"- É o que está escrito. Ta tudo acontecendo de novo. Basta ler os Evangelhos e escutar os hinos. No Apocalipse já estamos. A gente só não sabe qual trombeta que está tocando. São 144.000 os que vão se salvar, né? A Bíblia não diz isso? A chave para nós é só essa. Renascer, compreender o que é a vida e lá permanecer. Vir aqui só em missão. Ficar livre da necessidade de encarnar." E Sebastião Mota continua a nos dar belas lições na rica verve polariana, que não transcreverei aqui para não nos alongar, porém recomendo entusiasticamente a leitura.
CONCLUSÃO
Bem, se os daimistas são – ou podem vir a ser - os "novos judeus", "povo eleito", "escolhido"... como se depreende da percepção do Jaccoud ou do Polari... não sei. Entretanto, que Mestre Raimundo Irineu Serra ao replantar a Santa Doutrina dos tempos de Noé e do Nosso Senhor Jesus Cristo se reporta ao judaísmo e ao cristianismo primitivo não resta dúvida.
Por isso, acreditamos que a não existência de uma iconografia daimista está nos seus fundamentos e origens: judaísmo e cristianismo primitivo. A incorporação da iconografia cristã e umbandista à doutrina do Santo Daime veio a posteriori, trazido por novos adeptos urbanos que influenciaram a formação eclética e sincretista da organização CEFLURIS e de pequenos centros "independentes", com o caldo de cultura da ideologia "Nova Era" dos anos 1970-1980.
Um argumento católico da importância da iconografia é que as imagens da Bíblia, da Via Sacra, de Jesus crucificado e dos santos são o único "livro" que também os pobres e analfabetos entendem e aproveitam. É certo que isso vale, ainda hoje, para milhões de pessoas.
Todavia, os daimistas têm consigo dois trunfos diferenciais: a doutrina cantada e aprendida na forma de hinos; e o fenômeno da miração, o transe místico induzido pela ingestão da bebida Daime, quando ocorrem experiências extáticas e visionárias com o adepto, assim como revelações e intuições de grande profundidade e emoção. A "iconografia" daimista é subjetiva, se manifesta no invisível, na miração. Se processa no olho espiritual, na mente e no coração. "A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz".
Esse é o caminho apontado pelo Mestre Raimundo Irineu Serra Juramidam.
O Santo Daime como expressão da cultura Popular Brasileira
Os primeiros adeptos do Santo Daime eram pessoas do povo, no Acre. Os caboclos da Amazônia e os nordestinos que migraram para lá naquela época. O Santo Daime é, portanto, uma doutrina que engloba diversas expressões mestiças, sendo a doutrina considerada uma expressão popular brasileira.
O Santo Daime hoje em dia
Diversos centros estão espalhados pelo Brasil, a maioria seguindo fielmente a vertente originada na Amazônia por Mestre Irineu, estima-se que hoje em dia sejam cerca de 15000 adeptos em constante crescimento, e contam com uma organização solidária e sem fins lucrativos. Alguns situados em grandes cidades como São Paulo.(Céu Sagrado,Jardim de Belas Flores, Céu de Maria e Céu da Capela, este ultimo liderado por Padrinho Alexandre.)