A Transição

[José Carlos de Araujo]

Vivemos no século XXI uma transição inédita na historia das civilizações. A transição para a unidade dos homens, da economia mundial compartilhada e da cidadania planetária. Por isso, a criação de um macro estado global deverá ser conduzida por lideranças que aprendam a preservar e servir a vida ao invés de destruir a vida pela ganância, arrogância, competição e dominação. Atualmente, a maioria das lideranças está a serviço de si mesma, ferindo a ética e desrespeitando a confiança nelas depositada. A partir do século XIX instituímos o paradigma que indicou ser, a ciência e a economia o único caminho para a harmonia social, o progresso e a felicidade. Agora, constatamos perplexos que com isso colhemos violência de todo tipo, desalento, degradação ambiental e corrupção dos valores éticos, morais e espirituais. A sociedade industrializada e materialista construída sobre esse modelo demonstra franca decadência, e para que as transformações fundamentais ocorram temos que admitir que estamos diante de um desafio de consciência. Nosso mundo está sem fronteiras externas, e as comunicações instantâneas, a tecnologia, e a velocidade dos transportes e meios de comunicação, encurtaram distancias físicas e culturais, estamos conectados com o mundo e desconectados de nós mesmos. O maior desafio que enfrentamos atualmente é conseguir compatibilizar nosso mundo interior com o exterior. A ciência fez descobertas extraordinárias sobre o universo, e mapeou o DNA humano, animal e vegetal. Também nos tornou mais longevos, melhorou a qualidade da saúde com remédios, vacinas e técnicas cirúrgicas extraordinárias. É verdade também que incrementou a produção e o teor nutritivo dos alimentos, clonou e modificou geneticamente plantas e animais, e pretende clonar seres humanos. Porém, com tudo isso, ainda se vê impotente diante de antigas doenças malignas, e de novos vírus mutantes, assim como do recrudescimento de doenças endêmicas que todos acreditavam estar erradicadas. Por outro lado, a tecnologia também é responsável pela ameaça bélica do enorme arsenal nuclear das superpotências econômicas. Nosso desrespeito pela vida, e pelo meio ambiente põe em risco a continuidade da espécie humana e do próprio planeta. Seguramente sabemos mais do que nunca sobre nossa fisiologia, e sobre as leis naturais. Invadimos e dividimos o átomo e descobrimos zonas inexploradas do cosmo, porém, desconhecemos nossa verdadeira identidade. Separamos objetividade de subjetividade e distanciamos razão de sensibilidade e o espirito do mundo. A inversão de valores e prioridades nos alijou da capacidade de conexão intima com a alma, com a dádiva da vida e com o sagrado. As concessões exigidas pela busca de ganhos materiais, segurança, e sucesso social e econômico acima de tudo, deixaram cicatrizes profundas no nosso coração. Na ânsia de gozar a vida e vencer na vida, exigimos tanto de nós, dos outros e do mundo que desaprendemos como conviver, usufruir, contribuir e reverenciar o milagre que é estar vivo. Extraímos tanto da vida que a empobrecemos e banalizamos. Estamos descobrindo a duras penas que só pode ser considerado progresso verdadeiro aquele que passar pelo filtro do coração humano. Diante de tantos desafios só nos resta ultrapassar resistências e admitir que apostamos errado. E reconhecer que a grande tarefa da modernidade é resgatar valores humanos e pratica-los. Todos os seres humanos têm uma meta comum, ser feliz e viver em paz e prosperidade. Se quisermos atingir esse objetivo e ter autonomia para ser construtores do nosso destino, temos que conhecer a plenitude de nossas potencialidades. Para isso, precisamos compatibilizar os valores de sobrevivência e os valores de transcendência.

Marilu Martinelli