Carta para uma amiga, para sua criança interior.
Estou escrevendo para você que foi ferida na infância pelo seu pai, que
sofreu o medo da violência, do estupro, do desamparo, da injustiça, a impotência diante do mais forte na fase de sua vida que deveria ser alegre, leve e feliz.
Para você e todas as meninas que perderam sua inocência.
Você que "envelheceu" antes do tempo diante da brutalidade daquele que deveria proteger e não punir.
A violência física, nos coloca de frente com a impotencia, naquele momento ele tirou das suas mãos o rolo de lã que tece o seu próprio destino, roubou-lhe o fio das ilusões, dos sonhos que tecem nosso futuro e a esperança de justiça, amparo, confiança e de proteção da vida.
Para você que conheceu o medo que paralisa diante da sensação de morte quando somos vítimas da violência.
Querida amiga, aquele que nos violenta, muitas vezes, torna-se nosso adversário internalizado, nosso perseguidor, demônio que quer nos destruir.
Ele entra na nossa mente, colore o cenario do filme da nossa vida, entra com seu universo escuro e fica alí, planta a semente do medo, do fracasso, da impotência, do ódio, e aprisiona nossa alma com ele;
e assim, ele entra, e fica..., por isto carregamos pelo resto da nossa vida esta figura internalizada, e projetamos nosso ódio em todos os homens que deveríamos amar, e por infelicidade do destino, acabamos escolhendo homens iguais a ele.
Muitas vezes, perdemos o contato com nossa essência feminina, e nos tornamos yang, reativas, porque não queremos ser como a passiva, sombra da nossa mãe que era invisível dentro de casa diante da figura opressiva do nosso pai.
Quanto mais lutamos contra ele, mais forte ele fica, como a “hidra de Hércules”, porque a luta acontece no campo da nossa psique, e assim, lutamos com nossas energias contra nós mesmo.
Hercules só venceu quando levantou a Hidra para a luz da consciencia. quando voce reconhece o poder inconsciente do seu adversário ele fica fraço e perde a luta...
E, se o medo toma conta da nossa vida, nos afastamos do centro da luz, e assim, muitas mulheres se tornam escravas de um Deus cruel, impiedoso em uma religião severa e castradora.
Perdemos o contato com a Fonte generosa e doadora da vida.
Muitas mulheres que sofreram a violência do "animus", não conseguem relacionar com o sexo oposto e preferem viver afetivamente com outra mulher para não enfrentar a figura terrível masculina internalizada projetada no parceiro.
A sua ferida é tão grande, que mobilizou seus instintos de agressividade,
e você vive reagindo ao mundo com raiva, ódio, e agressividade, como um bicho ferido; em situações de conflito você fica possuída por este “demônio”, e agride os outros como ele.
Ele entrou na sua pele, através do chicote, naquele tempo que você não tinha defesa, nem proteção.
Ele é um ferido, você é um ferida, somos marcados pela tatuagem daqueles que na infância não conseguiram estruturar o próprio "eu" no início do desenvolvimento.
Mas, você precisa compreendê-lo porque se não perdoá-lo,
você não se perdoa, não liberta - ele dentro de você - como você, para viver a sua totalidade.
Mas, você tem usado a emoção, seus sentimentos doloridos para lidar com esta dor, agora é necessário usar a mente, a compreensão para a sua liberação.
“Para Freud, as defesas primárias do ego são integrada em defesas secundárias mais sofisticadas à medida que o ser humano amadurece. Esta defesas secundárias adquirem uma qualidade pensante, como por exemplo, racionalização, análise, explicação e minimização”.
Dessa maneira, as defesas do ego passam ao largo das tensões e da dor, mas a tensão e a dor permanecem. São registradas à nível cortical como um desequilíbrio, uma sequência de ação abortada, esperando para ser libertada e integrada. A energia do trauma original permanece como uma tempestade elétrica que faz ecoar a tensão por todo o sistema biológico.
As pessoas com vidas adultas aparentemente racionais podem estar levando também uma vida de tempestade emocionais. Suas tempestades continuam porque sua dor original não foi resolvida”.
Muitas mulheres não conseguiram amadurecer, estruturar um “eu adulto”, e sofrem muito por isto; e não assumem responsabilidades importantes para uma pessoa emancipada, muitas vezes são excluídas do mundo profissional, do grupo de amigos...
Você precisa compreender que a vida colocou você neste lugar, por algum motivo. A reencarnação é uma explicação para tamanha injustiça.
Eu penso que repetimos cenas e vivemos cenários várias vidas, com os mesmos personagens e que atraímos à nossa atmosfera
a pestilência das nossas concepções.
Hoje vítima, amanha algoz e assim, vamos repetindo.
Você precisa de um significado que "dê conta" deste seu sofrimento para a sua liberação.
O que precisamos é acabar com o comportamento compulsivo. Agimos compulsivamente. Podemos até ser compulsivos até a conscientização de alto nível, adultos letrados, acadêmicos , mas... repetimos nossa compulsão e a raiva não passa, o ódio arde no peito...
Nós precisamos abraçar a solidão da nossa criança de coração partido, e a sua dor não resolvida, pela infância perdida. Temos que abraçar a nossa dor original. Esse é o sofrimento verdadeiro do qual fala Carl Jung.
Você precisa da autoconfiança suficiente para ser o aliado da sua criança interior no trabalho da dor, sem culpas, sem remorso.
Há uma tendência da sociedade a criar uma imagem do Pai/Mãe santos, divinos, puros, íntegros como santos.
Mas, pouco se fala do Pai/Mãe sem caráter, cruel, oportunista, vigarista...
É necessário compreendê-lo com a razão, sem se colocar no lugar do algoz, da menina que foi “má”; e por isto precisa sofrer;
A menina que é “má”, feia, rancorosa, um “bicho ruim’ como o seu pai, que briga e tem ódio como um monstro que quer se destruir e a todos.
Quando a criança agredida idealiza os pais, ela deve acreditar que é a única responsável pelo abuso de que é vítima.
Esta criança pensa que não merece ser feliz, que merece a punição de Deus.
Que ela é suja, contaminada, maldita.
Ai, você começa a ser má com você, nega inconsciente as boas escolhas na sua vida, afinal você pensa que não merece, que é má, violenta, agressiva e deve rolar como as pedras que rolam no asfalto”; você ( o eu) pode pensar que a degradação, miséria é o seu caminho.
Neste momento, você precisa gostar muito de você, só o puro e verdadeiro amor por sua criança interior pode liberar este “falso eu”, pode liberar a voz do “animus terrível” que lhe diz que “você não presta para nada’, que “você é um zero à esquerda”.
Quando você abraça sua raiva, sua dor, você libera sua alma, seu “verdadeiro eu”.
Quando você defende sua criança interior ferida ela começa a confiar em você.
Mas, este processo exige que você compreenda a existência do seu pai, como ser humano, como personagem da estória da sua vida.
Ele é um ferido, um transfigurado, violentado na infância por sua mãe.
Ele repete na sua vida e perpetua a sina do oprimido
e do opressor.
Ele "enlouqueceu" de tanto sofrimento e tentou te enlouquecer como ele.
“Isto corrobora a teoria de que uma vez estabelecido o material central da infância, ele atua como um filtro supersensível para moldar eventos subseqüentes.
Quando um adulto com uma criança ferida experimenta uma situação similar a um acontecimento doloroso protótipo, a resposta original também é detonada.
Você ( o eu) precisa perdoá-lo para se liberar, o ódio é uma corrente que nos aprisiona ao outro por várias vida.
O perdão irá liberar a luz da bondade, da compaixão que irá liberar os dois personagens da sua estória.
Você poderá perdoá-lo internamente, não precisa procurá-lo se você não sentir que está preparada para isto.
Você precisa perdoar no seu mundo interno primeiro.
“Quando sentimos a conexão com nossa criança maravilha, começamos a ver toda a nossa vida com uma perspectiva muito ampla. A criança maravilha não precisa mais se esconder atrás das defesas do ego para sobreviver. A criança maravilha não é um eu melhor, é um eu diferente, único com uma visão muito ampla”.
O encontro com a religiosidade luminosa, plena de compaixão, que não julga, não condena, aceita e ama nos leva ao centro da Fonte,
E assim, libera esta alma ferida da roda da vida.
Muitas mulheres encontram sua redenção na figura feminina da Grande Mãe, para que acolha sua criança interior e cure suas feridas.
Mas, é importante a harmonia com a figura de um Deus masculino, para integrar os opostos, para a harmonia da polaridade interna com o sexo oposto.
A regeneração criativa é a essência da própria vida. A criatividade é a glória da alma, é o que nos distingue de todos os seres criados.
A alegria é a porta da felicidade que nos libera.
“ Ser criativo não é apenas nossa coroa de glória. É a nossa verdadeira imagem de Deus. Criar é ser como nosso criador no mais verdadeiro sentido da palavra.”
Obs: faltou neste texto falar sobre a essência do feminino e a mulher ferida na sua sensualidade, fica para a próxima.
Este texto foi inspirado no livro de John Bradshaw. Volta ao Lar . como resgatar e defender a sua criança interior.
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