"> > > > ( José Alencar /
> > Vice-Presidente da República )
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> > "Um dia desses me disseram que, ao
> > morrer, iria encontrar meu pai, falecido há mais de
> > cinquenta anos. Aquilo me emocionou profundamente. Se for
> > para me encontrar com mamãe e papai, quero morrer
> > agora".
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> > Na semana passada, o vice-presidente da República, José
> > Alencar, de 77 anos, deu início a mais uma batalha contra o
> > câncer. É o 11º tratamento ao qual ele se submete na
> > tentativa de controlar o sarcoma, um câncer agressivo e
> > recidivo, diagnosticado pela primeira vez em 2006. A
> > abordagem de agora consiste em quatro sessões semanais de
> > quimioterapia. A químio foi decidida pelos médicos uma vez
> > que o câncer de Alencar, com vários nódulos na região do
> > abdômen, não respondeu a uma medicação ainda em fase
> > experimental, em testes no hospital MD Anderson, centro de
> > excelência em pesquisas oncológicas, nos Estados Unidos.
> > Desde o início desse tratamento, em maio, o sarcoma cresceu
> > cerca de 30%. A químio é uma tentativa de conter o
> > alastramento do tumor. Visivelmente abatido, quase 10 quilos
> > mais magro, Alencar recebeu a repórter Adriana Dias Lopes
> > na sala 215 do Centro de Oncologia do Hospital
> > Sírio-Libanês, em São Paulo, enquanto passava pela
> > primeira sessão de químio. O encontro durou cerca de uma
> > hora. Nos primeiros dez minutos, o vice-presidente comeu
> > dois hambúrgueres e tomou um copo de leite. Alencar chorou
> > duas vezes. Ao falar de seus pais e da humildade, a virtude
> > que, segundo ele, a doença lhe ensinou.
> >
> >
> > Como o senhor está se sentindo? Está tudo ótimo:
> > pressão, temperatura, coração e memória. Tenho apetite,
> > inclusive – só não como torresmo porque não me servem.
> > O meu problema é o tumor. Tenho consciência de que o
> > quadro é, no mínimo, dificílimo – para não dizer
> > impossível, sob o ponto de vista médico. Mas, como para
> > Deus nada é impossível, estou entregue em Suas mãos.
> >
> >
> > Desde quando o senhor sabe que, do ponto de vista médico,
> > sua doença é incurável? Os médicos chegaram a essa
> > conclusão há uns dois anos e logo me contaram. E não
> > poderia ser diferente, pois sempre pedi para estar
> > plenamente informado. A informação me tranquiliza. Ela me
> > dá armas para lutar. Sinto a obrigação de ser
> > absolutamente transparente quando me refiro à doença em
> > público – ninguém tem nada a ver com o câncer do José
> > Alencar, mas com o câncer do vice-presidente, sim. Um homem
> > público com cargo eletivo não se pertence.
> >
> >
> > O senhor costuma usar o futebol como metáfora para
> > explicar a sua luta contra a doença. Certa vez, disse que
> > estava ganhando de 1 a 0. De outra, que estava empatado. E,
> > agora, qual é o placar? Olha, depois de todas as cirurgias
> > pelas quais passei nos últimos anos, agora me sinto
> > debilitado para viver o momento mais prazeroso de uma
> > partida: vibrar quando faço um gol. Não tenho mais forças
> > para subir no alambrado e festejar.
> >
> >
> > Como a doença alterou a sua rotina? Mineiro costuma
> > avaliar uma determinada situação dizendo que "o trem
> > está bom ou ruim". O trem está ficando feio para o
> > meu lado. Minha vida começou a mudar nos últimos meses.
> > Ando cansado. O tratamento que eu fiz nos Estados Unidos me
> > deu essa canseira. Ando um pouco e já me canso. Outro fato
> > que mudou drasticamente minha rotina foi a colostomia
> > (desvio do intestino para uma saída aberta na lateral da
> > barriga, onde são colocadas bolsas plásticas), herança da
> > última cirurgia, em julho. Faço o máximo de esforço para
> > trabalhar normalmente. O trabalho me dá a sensação de
> > cumprir com meu dever. Mas, às vezes, preciso de ajuda.
> > Tenho a minha mulher, Mariza, e a Jaciara (enfermeira da
> > Presidência da República) para me auxiliarem com a
> > colostomia. Quando, por algum motivo, elas não podem me
> > acompanhar, recorro a outros dois enfermeiros, o Márcio e o
> > Dirceu. Sou atendido por eles no próprio gabinete. Se estou
> > em uma reunião, por exemplo, digo que vou ao banheiro,
> > chamo um deles e o que tem de ser feito é feito e pronto.
> > Sem drama nenhum.
> >
> >
> > O senhor não passa por momentos de angústia ? Você
> > deveria me perguntar se eu sei o que é angústia. Eu lhe
> > responderia o seguinte: desconheço esse sentimento. Nunca
> > tive isso. Desde pequeno sou assim, e não é a doença que
> > vai mudar isso.
> >
> >
> > O agravamento da doença lhe trouxe algum tipo de reflexão
> > ? A doença me ensinou a ser mais humilde. Especialmente,
> > depois da colostomia. A todo momento, peço a Deus para me
> > conceder a graça da humildade. E Ele tem sido generoso
> > comigo. Eu precisava disso em minha vida. Sempre fui um
> > atrevido. Se não o fosse, não teria construído o que
> > construí e não teria entrado na política.
> >
> >
> > É penoso para o senhor praticar a humildade? Não, porque
> > a humildade se desenvolve naturalmente no sofrimento. Sou
> > obrigado a me adaptar a uma realidade em que dependo de
> > outras pessoas para executar tarefas básicas. Pouco adianta
> > eu ficar nervoso com determinadas limitações. Uma das
> > lições da humildade foi perceber que existem pessoas muito
> > mais elevadas do que eu, como os profissionais de saúde que
> > cuidam de mim. Isso vale tanto para os médicos Paulo Hoff,
> > Roberto Kalil, Raul Cutait e Miguel Srougi quanto para os
> > enfermeiros e auxiliares de enfermagem anônimos que me
> > assistem. Cheguei à conclusão de que o que eu faço
> > profissionalmente tem menos importância do que o que eles
> > fazem. Isso porque meu trabalho quase não tem efeito direto
> > sobre o próximo. Pensando bem, o sofrimento é
> > enriquecedor.
> >
> >
> > Essa sua consideração não seria uma forma de se preparar
> > para a morte ? Provavelmente, sim. Quando eu era menino,
> > tinha uma professora que repetia a seguinte oração:
> > "Livrai-nos da morte repentina". O que significa
> > isso? Significa que a morte consciente é melhor do que a
> > repentina. Ela nos dá a oportunidade de refletir.
> >
> >
> > O senhor tem medo da morte ? Estou preparado para a morte
> > como nunca estive nos últimos tempos. A morte para mim hoje
> > seria um prêmio. Tornei-me uma pessoa muito melhor. Isso
> > não significa que tenha desistido de lutar pela vida. A
> > luta é um princípio cristão, inclusive. Vivo dia após
> > dia de forma plena. Até porque nem o melhor médico do
> > mundo é capaz de prever o dia da morte de seu paciente.
> > Isso cabe a Deus, exclusivamente.
> >
> >
> > O senhor se deu conta da comoção nacional que tem
> > provocado? Não há fortuna no mundo capaz de retribuir o
> > carinho dos brasileiros. Sou um privilegiado. Você não
> > imagina a quantidade de manifestações afetuosas que tenho
> > recebido. Um dia desses me disseram que, ao morrer, iria
> > encontrar meu pai, falecido há mais de cinquenta anos.
> > Aquilo me emocionou profundamente. Se for para me encontrar
> > com mamãe e papai, quero morrer agora. A esperança de
> > encontrar pessoas queridas é um alento muito grande – e
> > uma grande razão para não ter medo do momento da morte.
> >
> >
> > O senhor se tornou mais devoto com a doença? Sou de
> > família católica, mas nunca fui de ir à missa. Nem agora
> > faço isso. Quando a coisa aperta, rezo o pai-nosso.
> > Ultimamente, tenho rezado umas duas, três vezes ao dia.
> >
> >
> > Se recebesse a notícia de que foi curado, o que faria
> > primeiro? Abraçaria a Mariza e diria: "Muito obrigado
> > por ter cuidado tão bem de mim".
> >
> > José de Alencar
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